Deputados soltam presidente preso da Alerj
Mesmo acusado de vazar operação ligada ao CV, presidente da Alerj é solto com apoio da extrema direita e do centrão; abaixo-assinado pela prisão ganha força
Foto: Thiago Lontra/Alerj
A Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) protagonizou nesta segunda-feira (8) um dos episódios mais graves da crise política fluminense ao votar, por 42 a 21, pela revogação da prisão do presidente da Casa, Rodrigo Bacellar (União Brasil). Preso na Operação Unha e Carne, Bacellar é acusado pela Polícia Federal de vazar informações sigilosas da Operação Zargun para o ex-deputado TH Joias – apontado por envolvimento com o Comando Vermelho, tráfico de drogas, lavagem de dinheiro e negociação de armas com a facção.
Mesmo diante da gravidade das acusações, da conexão direta com o crime organizado e da possibilidade de interferência política nas investigações, a maioria dos parlamentares – articulada entre extrema direita e centrão – construiu uma operação política para garantir a soltura do presidente da Casa.
A manobra começou ainda pela manhã, quando a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) aprovou, por 4 a 3, o parecer pela revogação da prisão. A decisão só foi possível graças aos votos de aliados diretos de Bacellar, como Rodrigo Amorim (União Brasil) e Alexandre Knoploch (PL), que rapidamente pressionaram pela votação em plenário. Sem consenso, a CCJ foi obrigada a elaborar um projeto de resolução e submetê-lo à deliberação dos 65 deputados.
No plenário, parlamentares da esquerda defenderam a manutenção da prisão e denunciaram o risco institucional de liberar um presidente de Assembleia acusado de obstruir investigações. Entre os votos mais contundentes esteve o do deputado Professor Josemar (PSOL).
“O Rio de Janeiro não é um estado qualquer. Nós estamos votando a relação da política com o crime organizado. As investigações têm que continuar. A sociedade cobra responsabilidade. Há indícios de obstrução de Justiça, e ele tem que respondê-los. Por isso, meu voto é contrário à soltura do presidente Rodrigo Bacellar.”
O parlamentar classificou a soltura como um retrocesso político e institucional e rebateu a narrativa de julgamento antecipado e explicou o motivo de defender a manutenção da prisão:
“Manter a prisão não se trata de qualquer tipo de julgamento antecipado, e sim impedir que, com seu poder político e econômico, Bacellar, em liberdade, atrapalhe as investigações e obstrua a Justiça.”
Após a votação, ganhou ainda mais força um abaixo-assinado puxado por Professor Josemar, exigindo a prisão de Bacellar e defendendo que a Alerj rompa com qualquer conivência institucional com o crime organizado. O manifesto recebeu milhares de adesões em poucas horas, o que eleva a pressão sobre os parlamentares que votaram pela soltura. Clique aqui para assinar.
A repercussão política
O resultado expôs fissuras profundas no Legislativo fluminense. Governistas e parlamentares da extrema direita atacaram a oposição – Knoploch e Renan Jordy (PL) chegaram a fazer acusações infundadas contra a esquerda. Já movimentos sociais, pesquisadores da segurança pública e integrantes do sistema de Justiça expressaram preocupação com a “captura do Parlamento por interesses criminais”.
A decisão será agora encaminhada ao ministro Alexandre de Moraes, responsável pelo caso no STF. Mesmo com a revogação, o Tribunal pode impor medidas cautelares como tornozeleira eletrônica, proibição de contato com investigados, recolhimento noturno, entrega de passaporte ou até afastamento da presidência da Alerj.
Com a decisão publicada no Diário Oficial, o STF avaliará se libera ou não Bacellar e poderá estabelecer medidas restritivas. Enquanto isso, a investigação da PF segue em curso – incluindo análise de mensagens, quebras de sigilo e possíveis vínculos políticos entre atores institucionais e o Comando Vermelho.
Independentemente do desfecho, o episódio já se transformou em símbolo do colapso ético do sistema político fluminense – e de como a articulação entre extrema direita, centrão e crime organizado segue ameaçando instituições e a democracia no Rio de Janeiro.
Décadas de escândalos sucessivos
A crise ética na Alerj não começou agora. Desde os anos 1990, a Casa está envolvida em sucessivos casos de corrupção, rachadinhas, lavagem de dinheiro e relações com milícias e facções. Quase todos os presidentes da Casa nas últimas duas décadas foram presos, investigados ou denunciados.
Alguns exemplos emblemáticos:
- Jorge Picciani (MDB): preso na Operação Cadeia Velha.
- Paulo Melo (MDB): preso em desdobramentos da Lava Jato.
- Edson Albertassi (MDB): réu por corrupção.
- André Corrêa (DEM): preso acusado de integrar esquema de propina.
- Chiquinho da Mangueira: preso por interesses com o jogo do bicho.
Esse padrão mostra reincidência, continuidade e enraizamento – e não uma crise episódica.
Relações reiteradas com o crime organizado
O caso Bacellar não inaugura nada: ele expressa algo que já existe há muito tempo. A política fluminense convive há décadas com milícias infiltradas na política, aliança com o tráfico, uso de mandatos para proteger interesses criminosos. O episódio recente – envolvendo vazamento de operação da PF para um deputado ligado ao Comando Vermelho – é apenas mais um capítulo da mesma lógica.
Falta de mecanismos internos de autocorreção
Em um ambiente ético saudável, uma prisão como a de Bacellar levaria a afastamento imediato, investigação interna e revisão das práticas institucionais. O que se viu, porém, foi o oposto: blindagem política, atuação da CCJ para proteger acusado e maioria votando pela soltura de um presidente suspeito de obstruir Justiça. Isso revela não um desvio pontual, mas um padrão de funcionamento.
A Alerj parece operar sob uma espécie de “normalização do escândalo”, na qual denúncias gravíssimas não geram surpresa, prisões de parlamentares são encaradas como rotina e alianças com grupos criminosos não chocam mais o sistema. Uma crise ética aguda seria repentina e anormal. O que existe no Rio é antigo, estrutural e normalizado – portanto, crônico.