Longe é um lugar que não existe
Os desafios de 2026, ano eleitoral no Brasil, devem ser encarados a partir das lições das lutas presentes em 2025
Nosso último editorial do ano faz menção ao título de um grande romance juvenil de Richard Bach para registrar quais os traços fundamentais da intensa situação política que vivemos. A extrema direita – como expressão de um setor da burguesia internacional- está disposta a destruir os pilares das conquistas democráticas, dos direitos da classe, da razão crítica e do meio ambiente erguidos nos últimos anos, fruto da policrise capitalista. A coragem dos que resistem são inspiração para o lugar da luta política que deve combinar ousadia, unidade e independência.
Nesse momento, se jogam importantes batalhas com as dos trabalhadores dos Correios e da Petrobrás que seguem em greve em defesa do serviço público. Toda solidariedade com esses trabalhadores deve ser reforçada e difundida.
Os desafios de 2026, ano eleitoral no Brasil, devem ser encarados a partir das lições das lutas presentes. O primeiro deles é reforçar a preparação para a Conferência Antifascista de Porto Alegre, em Março.
Queremos registrar, de forma sintética e resumida, cinco dos principais eixos que marcaram 2025 e devem seguir marcando a conjuntura. Com isso nos despedimos dos leitores e desejamos um final de ano, retornando na segunda semana de janeiro, a luz da construção do MES, do PSOL, de nossos amigos e simpatizantes.
Em primeiro lugar, denunciar a agressão de Trump a Venezuela
Trump já roubou três navios petroleiros, passando de todos os limites, escalando o sentido de sua intervenção. Não esconde seus motivos: quer roubar e controlar o petroleo e as terras da Venezuela. Derrubar o regime de Maduro e instaurar um governo títere de seus planos. A reunião do Mercosul foi marcada pela pressão dos que sustentam o cerco à Venezuela, à Colombia e ao Caribe. Milei, agora reforçado pela eleição do pinochetista Kast lidera a intervenção política para legitimar a ação golpista do imperialismo, amparado na farsesca premiação de Corina Machado com o Nobel da Paz.
Apesar do período de festas, devemos redobrar a denúncia e exigir dos governos a necessidade de romper o cerco midiático e defender a soberania da Venezuela. A carta de parlamentares1, impulsionada por Fernanda Melchionna, deputados do PSOL e de diversos partidos (já superou as 40 assinaturas), linkar aqui, é um bom exemplo do que pode e deve ser feito. A posição de Gustavo Petro – mantendo sua postura crítica e de diálogo com a esquerda ampla na Venezuela- e sendo vanguarda na denúncia da intervenção imperialista é uma referência.
A grande questão na virada do ano será o que vai acontecer no mapa da política latino-americana. A violação da soberania venezuelana será um gesto de agressão contra todos os povos do continente, superando a ocupação do canal do Panamá, em 1989. Trump precisa ampliar seu controle, consonante com o documento “Nova Estratégia de Segurança Nacional”, pois sofre importante resistência dentro dos próprios Estados Unidos, onde cresce sua impopularidade, as greves e mobilizações e o caso Epstein é uma caixa de pandora que assombra a Casa Branca.
O combate ao imperialismo e a extrema direita atualizam a importância da I Conferência Internacional Antifascist pela Soberania dos Povos que está sendo preparada para o final de março de 2026, em Porto Alegre.
Genocidio, guerras e resistências
A imagem do ano é a destruição da Faixa de Gaza, organizada e ordenada por Netanyahu com apoio de Trump. O plano de paz e a trégua são parte da ofensiva neocolonial que levou ao maior genocidio da história moderna, reconhecido por amplos setores do próprio judaismo como comparável ao holocausto. Segue a ação militar contra o Líbano e as mílicias de colonos na Cisjordânia. Em 2025, tivemos o maior derramamento de sangue e destruição civilizatória desde a II Grande Guerra, transmitido pelo TikTok e sustentado politicamente pela extrema direita no mundo- com o apoio de diferentes governos como os trabalhistas no Reino Unido e a omissão de outros tantos.
A crise do capitalismo – cujo filho bastardo é o neofascismo redivivo – gera a uma corrida bélica também sem precedentes. Ao contrário do que se orgulha Trump, que proclama que acabou com 8 guerras, o mundo está mais militarizado. A invasão russa da Ucrânia prossegue apesar das negociações. A Europa e a OTAN estão se rearmando, retirando orçamento das áreas sociais, ampliando portanto o ajuste, para investir diretamente em gastos militares. O aumento exponencial dos gastos militares europeus ultrapassaram € 130 bilhões em 2025, um salto de 42% em 2024.
As resistências acompanham, de forma heróica, a barbárie vista. O maior exemplo é a luta do povo palestino, sua solidariedade internacional, que teve momentos altos como foi a Global Sumud Flotilla, as enormes passeatas em todo mundo, a greve geral na Itália e Espanha. As revoltas populares também derrubaram governos, motorizados pelo que chamam de “Geração Z”, que nada mais é do que a juventude e classe trabalhadora indignada e degradada pelas condições de vida, muitas vezes disputada pela extrema direita com seu falso discurso. Novas greves gerais foram exitosas na Itália, Bélgica e Portugal, além de novos fenômenos políticos. Greta Thunberg é uma expressão, mas também a eleição de Mandami em Nova York e o crescimento do DSA.
No Brasil, cenário aberto e polarização
O ano terminou com muitos escandalos de corrupção – como o dos Banco Master e do Refit, os que levaram a prisão do presidente da Alerj, Bacellar e do líder do PL, Sóstenes Cavalcante. Isso ilustra o tamanho da crise – que tende a se aprofundar e aparecer com muita força na campanha eleitoral que já começa a se avizinhar.
A força das ruas – que se fez notar em 21 de setembro nos grandes atos contra a PEC da Blindagem- e também nos atos (ainda que menores) como o do 14 de dezembro contra a anistia – é a chave para encarar as incertezas da situação política. Os atos como a Marcha das Mulheres Negras em Brasília e as manifestações convocadas pelo Levante das Mulheres Vivas mostram a disposição de setores de confrontar não só o bolsonarismo, mas seus desdobramentos como a violência contra as mulheres e a politica de genocídio da juventude negra na periferia.
O cenário eleitoral está aberto. Flávio pode ser o candidato do núcleo duro do bolsonarismo, mas a confusão no campo da extrema direita vai perdurar durante todo o primeiro semestre. No campo democrático, o voto em Lula atua como cordão sanitário para impedir a volta de um projeto autoritário e ultraliberal- que pode vir dos Bolsonaro mas também de Tarcísio ou outra variante- é um imperativo, ainda insuficiente. Deve vir combinado a construção de um polo crítico, capaz de soldar a unidade antifascista, mas crítico para se enfrentar as medidas de ajuste do governo, ser um ponto de apoio às lutas em curso e em defesa de um programa concreto: que defenda a taxação dos ricos, a redução da jornada de trabalho, o direito dos trabalhadores e o serviço público, o fim da guerra aos pobres e a defesa do meio ambiente, contrariando os interesses extrativistas como o da exploração de petróleo na Foz do Amazonas.
Nossas batalhas políticas
Em 2025, a militância do MES, suas lideranças e suas figuras públicas enfrentaram e participaram de todas as lutas. Estivemos com ativistas nos piquetes, greves e manifestações, bem como nossos porta-vozes lutaram nas câmaras e assembleias para fazer ressoar as necessidades populares.
Tivemos um encontro nacional que precisou nossa tática geral e anunciou importantes tarefas como a Conferência Antifascista de Porto Alegre e uma nova Revista impulsionada pelo MES e Vladimir Safatle, com a colaboração de diversos intelectuais a serviço de um polo crítico anticapitalista e ecossocialista. A nova revista será lançada no primeiro trimestre de 2026.
Essa ano ingressamos de forma plena na IV Internacional, ampliando ainda mais nossas campanhas e tarefas de solidariedade internacional, com centro na solidariedade à Palestina. Foi um passo estratégico, nosso ingresso aprovado por ampla maioria no XVIII Congresso Mundial da IV Internacional, em fevereiro no litoral belga. O congresso aprovou documentos importantes de orientação política, o Manifesto Ecossocialista (publicado pela Revista Movimento e pela Boitempo, em suas edições brasileiras), além de posições de princípios quanto à luta de classes, o apoio à resistência ucraniana e a delimitação com governos de conciliação de classe.
Estivemos a frente de inúmeros debates, manifestações, lançando pela Fundação Lauro Campos e Marielle Franco, uma cartilha que se tornou referência para toda a esquerda acerca da agitação e informação sobre a luta do povo palestino. Fundação Lauro Campos e Marielle Franco, alias, que sob a direção do MES e aliados, se fortaleceu como referência para um setor crítico da esquerda. Ainda sobre a Palestina, tivemos o orgulho de ter três quadros do MES envolvidos na maior atividade internacionalista de solidarierdade ativa, como já dito, a Global Summud Flotilla; junto à Greta e Thiago Ávila, Mariana Conti, Gabi Tolloti e Nicolas Calabrese representaram o MES PSOL nessa épica jornada.
Estivemos presesentes nas lutas sindicais e da juventude, fortalecendo as batalhas do Juntos e da TLS; o Emancipa se reorganizou como ferramenta da educação popular; o Juntas cumpriu papel central na convocatória de atos feministas; tivemos o lançamento da nossa colateral de negritude, a Maré Negra, já de largada tomando partido e denunciando a chacina de Claudio Castro.
Na COP-30, participamos de inumeras atividades com a FLCMF, nossa setorial ecossocialista do MES e lideranças da juventude, dos povos indígenas e quilombolas. Além de estarmos na organização do Encontro Ecossocialista Latino Americanoe Caribenho, apoiamos e nos somamos, junto às lideranças indígenas do Baixo Tapajós, da ocupação simbólica da Blue Zone, momento de inflexão dentro do processo que aumentou o tom dos movimentos que denunciavam a hipocrisia da COP-30, lutando contra a exploração do petróleo, a privatização dos Rios e a falsa saída apontada pelo TFFF.
Além disso seguimos nossa batalha no PSOL – que completou 20 anos de legalização e votou um programa de compromisso em sua recente conferência que, ao nosso ver, preserva parte importante das características que o destacam como alternativa política, apesar da indicação de Boulos para o ministério. Essa indicação, que não foi discutida dentro do PSOL, foi um alerta perigoso para a já crescente institucionalização e adaptação ao governismo que envolve ao Partido.
Do que é feito o futuro?
Diante de tamanha polarização e incerteza, como ter expectativas quanto ao futuro? Como se postular, para superar as dificuldades – num período onde a luta dos trabalhadores no Brasil está em “baixa rotação”, além da cooptação por parte do governo da ampla maioria das direções dos movimentos sociais e populares?
Como encarar a extrema direita quando ela parece muito forte e ainda por cima controla as redes sociais? Como evitar que o desenvolvimento da Inteligência Artificial e das tecnologias militares nos levem a uma regressão secular quanto aos direitos?
É preciso se apoiar o senso de urgência, diante da catástrofe ambiental, social e política que o capitalismo leva ao Planeta. É esse senso de urgência que deve servir para dialogar de forma aberta com nosso entorno sobre os problemas concretos- o aumento da temperatura, a falta de luz e agua, os baixos salários, a corrupção dos políticos e banqueiros- e buscar saídas com maioria social, tanto no terreno da luta política quanto no terreno da luta eleitoral.
No ano que chega teremos inúmeros desafios: construir a Conferência Antifascista- que já arranca com mobilização em Porto Alegre, onde foram colados milhares de cartazes e com reuniões on line com participantes de 30 países para preparar o evento; preparar o MES e o PSOL para a luta eleitoral, sendo referência na primeira fileira para derrotar a extrema direita, reelegendo nossos mandatos,conquistando novos postos e formando diversas lideranças, sem deixar de apresentar uma alternativa e um programa.
Formar as novas gerações à luz do marxismo revolucionário. A difusão e estudo do Manifesto Ecossocialista é parte desse esforço.
Terminamos o ano lembrando a famosa “trégua de natal”, em plena I Guerra, em dezembro de 1914, quando a confraternização voluntária de soldados desafiou a máquina de guerra das potências imperialistas. Seria uma antecipação do processo de anos mais tarde, quando a Revolução de 17 mudou o mundo e selou o fim da carnificina. Da barbárie nasceria à resistência.
É preciso reafirmar que o capitalismo não é invencível e que as lutas- como marca a ferro e fogo a incansável luta do povo palestino- são capazes de produzir novas sínteses e novas coordenadas. Disso é feito o futuro. Para tanto recuperar nossa capacidade de pensar grande e longe- sem perder os pés das necessidades imediatas, unitárias e concretas – é uma condição e uma estratégia.
Nota
- Confira a carta abaixo. ↩︎