Mulheres ocupam as ruas em 25 estados e exigem resposta do país ao feminicídio
Mobilizações do movimento Mulheres Vivas reuniram milhares em todo o Brasil e denunciaram a escalada da violência machista, cobrando políticas públicas, justiça e proteção urgente para mulheres e meninas
Foto: Capital paulista teve o maior ato público contra o feminicídio do país. (Roberto Parizotti/Fotos Publicas)
Em um fim de semana marcado pela força coletiva e pela indignação, mulheres de 25 estados e do Distrito Federal ocuparam ruas, praças e avenidas do país para denunciar a escalada da violência de gênero e exigir que o feminicídio – crime que mata uma brasileira a cada seis horas – seja finalmente enfrentado como prioridade de Estado.
Os atos, convocados pelo movimento Mulheres Vivas, ocorreram após uma sequência brutal de crimes que chocaram o país, com assassinatos e tentativas de feminicídio registrados em Brasília, São Paulo, Santa Catarina, Bahia, Minas Gerais e outros estados. Entre janeiro e setembro, 1.075 mulheres foram vítimas de feminicídio no Brasil, segundo o Ministério da Justiça. Em 2024, o país registrou 1.450 assassinatos, média de quatro por dia.
A deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP), uma das parlamentares que impulsionou nacionalmente as convocações, sintetizou o sentimento das ruas:
“Nós vamos tomar as ruas para dizer um basta à violência contra as mulheres. Nós não suportamos mais”.
Brasília: denúncia da violência estrutural
Na capital federal, o protesto iniciou às 10h, na Torre de TV, e reuniu dezenas de mulheres em torno de cartazes como “pare de nos matar”. O Distrito Federal já soma 26 feminicídios em 2025, incluindo o caso da cabo do Exército Maria de Lourdes Freire Matos, assassinada a facadas por um soldado dentro de um quartel — crime que também gerou incêndio proposital na unidade militar.
Organizadoras reforçaram informações sobre medidas protetivas e canais de denúncia. A concentração também homenageou vítimas de casos recentes e chamou atenção para a omissão estatal.

9,2 mil pessoas na Paulista
Na maior manifestação do país, cerca de 9,2 mil pessoas se reuniram em frente ao MASP ao meio-dia. As participantes carregavam faixas de “Mulheres Vivas” e caminharam pela região central. O ato foi marcado por forte indignação diante dos feminicídios de Daniele Guedes Antunes, de 38 anos, assassinada em Santo André, e Milena de Silva Lima, de 27, morta em Diadema pelo ex-companheiro.
O estado de São Paulo registra 207 feminicídios somente em 2025, número recorde desde 2018.
Em Campinas, outro protesto percorreu a Rua 13 de Maio até a Catedral Metropolitana, um dia após o assassinato de um casal cuja morte repercutiu na região. As organizadoras cobraram prevenção, proteção imediata e resposta institucional.
RJ: denúncia das tentativas de feminicídio
Centenas de mulheres se reuniram no Posto 5, em Copacabana. O estado do Rio registrou 79 feminicídios e 242 tentativas até novembro. Manifestantes lembraram o caso de Aline Nascimento, esfaqueada pelo ex-companheiro, que já havia tentado jogá-la de uma janela do quarto andar – mesmo com medida protetiva.
As falas reforçaram a necessidade de políticas públicas e responsabilização de agressores, além do combate à impunidade.

Sul do país: homenagens e a força da cultura
Em Florianópolis, a marcha partiu da cabeceira da Ponte Hercílio Luz até o Ticen. Flores, cartazes e bandeiras homenagearam a professora Catarina Kasten, estuprada e assassinada em uma trilha. O crime mobilizou moradores e intensificou a convocação.
Em Porto Alegre, milhares participaram da Caminhada pela Vida das Mulheres, encerramento do Festival MEL – Mulheres em Lutas. Uma performance comandada pela artista Tânia Farias exibiu sapatos erguidos, simbolizando as vítimas dos 69 feminicídios registrados no RS em 2025.
A ex-deputada Manuela d’Ávila, uma das organizadoras, afirmou:
“O festival colocou o enfrentamento aos feminicídios no centro da agenda pública. Com mobilização social contínua e políticas estruturantes poderemos assegurar dignidade para todas as mulheres”.
Nordeste: atos massivos em Pernambuco, Piauí e Paraíba
No Recife, cerca de 5 mil pessoas caminharam da Rua da Aurora até o Marco Zero, denunciando crimes recentes, como o incêndio provocado pelo companheiro que matou Isabele Gomes de Macedo e seus quatro filhos.
Em João Pessoa, o Busto de Tamandaré recebeu famílias inteiras em um ato marcado por músicas, falas de coletivos feministas e denúncias. O estado já superou o total de feminicídios de 2024, com 26 casos até outubro.
Em Teresina, cerca de 700 pessoas ocuparam a Praça Pedro II levando sapatos vazios em homenagem à estudante Janaína Bezerra, assassinada dentro da UFPI. Em Parnaíba, 60 mulheres e aliados caminharam pela Avenida São Sebastião ao grito de “se tocar em uma, respondemos todas”.
Minas Gerais e Centro-Oeste: caminhada, dor e resistência
Em Belo Horizonte, mulheres se reuniram na Praça Raul Soares e seguiram até a Praça da Estação com cartazes como “não me mate” e “basta de feminicídio”. A indignação cresceu após o caso da professora Luana Leal, que teve grande parte do corpo queimado pelo namorado em São Tomé das Letras.
Em Cuiabá, Campo Grande, Manaus e outras capitais do Centro-Oeste e Norte, atos concentraram falas sobre políticas de acolhimento, casas-abrigo e medidas protetivas.
Uma pauta nacional pelo fim da violência
As reivindicações do movimento Mulheres Vivas, repetidas de norte a sul do país, incluem:
- Delegacias da Mulher 24 horas
- Casas-abrigo e acolhimento imediato
- Medidas protetivas rápidas e cumpridas
- Investigação célere e proteção aos filhos
- Autonomia econômica emergencial para mulheres em risco
- Paridade de gênero no poder público
- Combate à violência digital e aos discursos de ódio
Um basta nacional
Da Paulista à Praça da Matriz, de Copacabana à Torre de TV, das trilhas que tiraram vidas a universidades que deveriam proteger, as manifestações deste fim de semana formaram um grito unificado contra a barbárie.
Um grito que, como disse Sâmia Bomfim, ecoou por todas as capitais:
“É fundamental que a gente se mobilize e se levante”.
E se levantou. Em todo o Brasil. Porque as mulheres exigem viver.
*Com informações de agências