Por que Dino acerta ao barrar as emendas do orçamento secreto
E por que a líder do PSOL na Câmara se omitiu na denúncia da reciclagem destas emendas
Foto: O ministro do STF Flávio Dino. (Fellipe Sampaio/STF)
No último dia 16, a Câmara dos Deputados aprovou o PLP 128/2025 em meio a um processo marcado por barganhas políticas que reabilitaram mecanismos centrais do esquema criminoso e corrupto do orçamento secreto.
No dia seguinte, essa mesma lógica foi consolidada com o apoio da liderança do PSOL à PLOA, que materializou a reexecução dessas emendas e aprofundou a política de austeridade fiscal. Na federação PSOL/Rede, as deputadas Fernanda Melchionna, Sâmia Bomfim e Heloisa Helena enviaram voto contrário ao orçamento, em discordância ao campo majoritário na direção do PSOL, o PTL.
Embora o projeto contenha medidas de aumento de arrecadação, como a ampliação da tributação sobre apostas esportivas (“bets”), fintechs e juros sobre capital próprio (JCP), sua aprovação esteve desde o início inserida em um arranjo mais amplo de sustentação da política de ajuste fiscal e da meta de déficit primário zero, com custos políticos e sociais elevados, regressivos e institucionalmente corrosivos.
Foi nesse contexto que a líder da bancada do PSOL, deputada Talíria Petrone, apoiada pelo setor majoritário do partido liderado por Guilherme Boulos, orientou voto favorável à matéria e, de forma ainda mais grave, recusou-se a levar ao plenário um destaque que buscava suprimir o dispositivo responsável pela reciclagem do orçamento secreto, sem qualquer diálogo com o conjunto do partido ou com o campo independente da bancada. Para além do conteúdo arrecadatório do projeto em si, a votação cumpriu um papel dentro desse arranjo político mais amplo em prol da austeridade.
A aprovação do PLP esteve condicionada a concessões graves por parte do governo. Na Câmara, à inclusão do artigo 10, que viabiliza a revalidação de emendas parlamentares canceladas e, na prática, a reciclagem do orçamento secreto. No Senado, à sinalização explícita de avanço da dosimetria e da anistia a golpistas, como parte do mesmo pacote de negociações. Tudo em nome da viabilidade da meta de déficit primário zero.
Essa lógica ficou explícita publicamente quando o líder do governo no Senado, Jaques Wagner, justificou seu apoio à anistia com o argumento de que era necessário “fechar a conta” fiscal. Trata-se do mesmo raciocínio: o ajuste fiscal à frente de princípios democráticos, das decisões do Supremo Tribunal Federal e de compromissos elementares com a legalidade após as ações golpistas da extrema direita.
A decisão da líder de retirar o destaque que buscava derrubar o artigo 10, não levando o tema ao plenário, impediu-se o debate público e inviabilizou-se qualquer tentativa de derrubada do dispositivo, associando indiretamente o PSOL a um mecanismo que o partido sempre denunciou como símbolo da captura do orçamento público por interesses privados, fisiológicos e corruptos.
O artigo 10 permite a revalidação de emendas parlamentares canceladas em exercícios anteriores, autorizando sua reexecução orçamentária. Na prática, isso reabre a possibilidade de execução de bilhões de reais vinculados ao antigo orçamento secreto, contornando os limites impostos pelo STF e reforçando o poder discricionário do Centrão sobre a execução do orçamento. Estima-se que apenas em 2024 cerca de R$ 3 bilhões possam ser recuperados por esse mecanismo, sendo aproximadamente R$ 2,2 bilhões associados às antigas emendas RP9.
O próprio PLP 128/2025 não se trata de uma política orientada à ampliação de gastos sociais ou à recomposição de direitos. Trata-se de uma iniciativa voltada exclusivamente à preservação da meta de déficit primário zero, auto-imposta pelo governo. Arrecada-se mais não para gastar melhor, mas para assegurar o pagamento da dívida pública. É esse enquadramento de austeridade permanente que explica o preço político pago: orçamento secreto reciclado, dosimetria negociada e anistia a golpistas passam a integrar o mesmo pacote de governabilidade.
A incoerência é evidente. O PSOL é autor da ação no STF contra o orçamento secreto. O deputado Glauber Braga foi perseguido politicamente por denunciá-lo. Em fevereiro deste ano, o partido denunciou duramente dispositivo semelhante de reciclagem de emendas. Se o mecanismo é o mesmo e os beneficiários são os mesmos, por que o que era inaceitável antes tornou-se aceitável agora?
Essa contradição se aprofundou no dia seguinte, quando a liderança do PSOL orientou voto favorável à PLOA. A peça orçamentária consolidou o golpe do orçamento secreto ao destinar R$ 61 bilhões em emendas parlamentares, parte delas agora reconhecidas pelo STF como fruto de corrupção, ao mesmo tempo em que cortou cerca de R$ 8 bilhões de políticas sociais essenciais, como Previdência, Auxílio Gás, seguro-desemprego e bolsas de pesquisa. Além disso, diminuiu o orçamento da educação ao contabilizar o programa Pé-de-Meia como gasto educacional.
Contudo, o setor do PSOL que preserva a independência política não se omitiu diante dessa inflexão. Ao lado da deputada federal Heloísa Helena, e representado pelas deputadas Fernanda Melchionna e Sâmia Bomfim, a esquerda do partido não recuou e produziu uma ação concreta, protocolando um mandado de segurança preventivo no STF contra o dispositivo do PLP 128/2025
A ação foi subscrita por Heloísa Helena, Fernanda Melchionna, Sâmia Bomfim e Túlio Gadelha, além do partido Rede Sustentabilidade, e ontem (domingo 21) o ministro Flávio Dino reconheceu a correção dessa posição e suspendeu o trecho do projeto aprovado pelo Congresso para a reabertura dos pagamentos do orçamento secreto.
Trata-se de uma vitória política concreta demonstrando como a independência de classe não é um princípio abstrato, mas uma condição material para enfrentar os mecanismos de dominação que operam por dentro do Estado. E deixa uma lição inequívoca: a necessária unidade tática contra a extrema direita jamais pode ser confundida com subordinação, adaptação ou capitulação.