Retrospectiva 2025: a guinada à direita veio para ficar?
Vitórias conservadoras marcaram o ano na América Latina, mas derrotas parciais e resistências populares indicam que o avanço da extrema direita não está consolidado
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O ano de 2025 consolidou a percepção de uma guinada à direita na América Latina, com vitórias eleitorais conservadoras que redesenharam o mapa político regional. A eleição de José Antonio Kast no Chile, com 58,3% dos votos, simbolizou a mais profunda inflexão conservadora do país desde o fim da ditadura de Pinochet, apoiada em discursos de medo da criminalidade, da migração e do “caos social”.
O triunfo chileno se somou ao fortalecimento de Javier Milei na Argentina após as eleições legislativas, à consolidação de Nayib Bukele em El Salvador, de Daniel Noboa no Equador e à presença de governos de direita como os de Santiago Peña, no Paraguai. Em Honduras, a vitória de Nasry Asfura, e na Bolívia, o fim de quase duas décadas de governos socialistas com a eleição de um presidente centrista, reforçaram o diagnóstico de um novo ciclo conservador.
Apesar das diferenças nacionais, esses processos compartilham elementos comuns. Como observa o economista Claudio Katz, trata-se de um “autoritarismo reacionário”, com traços fascistizantes, ainda operando dentro das democracias liberais. Kast defende militarização e cortes no gasto social; Milei combina ultraliberalismo econômico radical com ataques a movimentos sociais; Bukele governa sob estado de exceção permanente; e Noboa aposta na “mão dura” contra o narcotráfico e no alinhamento com Washington.
Segundo o professor Oliver Stuenkel, fatores estruturais ajudam a explicar o fenômeno: a explosão do crime organizado – com a produção de cocaína triplicando em dez anos e a região concentrando cerca de 30% dos homicídios globais – colocou a segurança pública no centro da agenda, favorecendo candidaturas autoritárias. A expansão do cristianismo evangélico e o desgaste de regimes autoritários de esquerda, como Venezuela e Cuba, também deslocaram parte do eleitorado para a direita.
Outro fator de peso é a adoção de políticas neoliberais por governos progressistas, como o de Gabriel Boric, no Chile, Alberto Fernandes, na Argentina, e Luis Arce, na Bolivia. Em meio a crises economicas, suas iniciativas de austeridade levaram à perda de legitimidade perante o eleitorado. Eles não entregaram as melhorias sociais que prometeram e acabaram desacreditados.
Tropeços evidentes
Ainda assim, o próprio percurso eleitoral de 2025 sugere que essa guinada pode não ser linear nem permanente. Na Argentina, a vitória de Milei no segundo turno das eleições legislativas de outubro ocorreu após uma derrota amarga, em setembro, na província de Buenos Aires, onde o peronismo venceu por ampla margem. O governo libertário reverteu expectativas negativas ao transformar a eleição em um pleito polarizado, explorando o medo de instabilidade econômica e se beneficiando do apoio explícito dos Estados Unidos, que intervieram para sustentar o peso e evitar uma crise cambial às vésperas da votação. Milei venceu menos por adesão entusiasmada e mais por ausência de alternativas e voto defensivo, um sinal de fragilidade política de fundo.
O Equador ofereceu outro indício de limites à ofensiva direitista. Embora Noboa represente uma nova direita alinhada a Washington, os eleitores rejeitaram, em plebiscito, todas as propostas centrais do presidente, incluindo a instalação de bases militares estrangeiras e a convocação de uma Assembleia Constituinte para desmontar direitos sociais consagrados desde 2008.
Na avaliação de Stuenkel, há, sim, uma guinada à direita em curso, impulsionada pelo medo da violência e pelo sentimento anti-incumbente, mas lembra que, sem crescimento econômico sustentado, esses governos tendem a enfrentar rápida erosão de apoio. Já na análise de José Corrêa Leite, integrante do MES-PSOL, esses resultados indicam principalmente uma “oscilação eleitoral” e não uma “maré estrutural consolidada”.
Combater o fascismo é a tarefa
Em outras palavras: 2025 registrou um avanço perigoso da extrema direita, mas também para suas contradições e limites – que devem ser pontos de apoio para uma resposta da esquerda. Para Katz, a resposta passa por abandonar a timidez política e reconstruir um projeto próprio de transformação radical, que implique em enfrentar a desigualdade com redistribuição de renda, reformar sistemas tributários regressivos e recuperar a capacidade estatal etc. Ele ainda considera fundamental reconectar-se com os novos sujeitos sociais que emergiram da reestruturação neoliberal: juventudes precarizadas, trabalhadores informais, camponeses e povos originários.
“Teremos um projeto vitorioso se soubermos explicá-lo sem nenhuma hesitação, defendendo o socialismo do século XXI”, afirma Katz em entrevista ao Le Monde Diplomatique Brasil.
As experiências de resistência na Bolívia, no Chile, na Colômbia e no Equador mostram que, quando há organização popular e mobilização de massas, a extrema direita pode ser derrotada. A disputa não é apenas eleitoral, mas cultural, social e econômica.
Como José Corrêa Leite alertou, em entrevista ao Correio da Cidadania, enquanto não houver forças de esquerda capazes de enfrentar as estruturas que geram frustração social, “o espaço privilegiado para agitação antissistêmica continuará nas mãos dos fascistas”:
“Podemos dizer que a tarefa política central colocada para 2026 é, mais do que nunca, não apenas combater as ameaças eleitorais fascistas, mas construir esquerdas que sejam antissistêmicas e fechem o espaço para a extrema direita possa se apresentar como porta-voz do descontentamento popular”.