Retrospectiva 2025: um ano de ofensivas e resistências
Entre decisões do STF, manobras do Congresso e mobilização indígena, 2025 escancarou a disputa política e econômica por trás da tentativa de limitar direitos originários garantidos pela Constituição através do Marco Temporal
Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil
Ao longo de 2025, a discussão sobre o Marco Temporal das terras indígenas voltou a ocupar o centro da cena política e jurídica brasileira, revelando um conflito aberto entre o Congresso Nacional, pressionado por interesses do agronegócio, e o Supremo Tribunal Federal (STF), que deve guardar a Constituição de 1988. O ano foi marcado por idas e vindas institucionais, decisões reiteradas da Corte contra a tese e novas investidas legislativas para restringir direitos indígenas historicamente reconhecidos.
A ofensiva mais recente do Legislativo ocorreu em dezembro, quando o Senado aprovou, em dois turnos – e no mesmo dia -, a PEC 48/2023, que tenta inserir o Marco Temporal diretamente na Constituição. A proposta determina que só poderão ser demarcadas terras ocupadas por povos indígenas em 5 de outubro de 1988. O texto, apresentado pelo senador Dr. Hiran (PP-RR) e relatado por Esperidião Amin (PP-SC), foi defendido como instrumento de “segurança jurídica”, argumento recorrente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA).
“O marco temporal, por mais vezes que o Supremo decida que ele não existe ou não vale, ele vale, sim”, afirmou Amin durante a votação.
Para lideranças indígenas e observadores trata-se de uma tentativa de constitucionalizar esbulhos históricos e legalizar expulsões forçadas ocorridas antes da redemocratização.
Sem resguardo da lei
Do outro lado, o STF passou 2025 reafirmando, mais de uma vez, a inconstitucionalidade da tese. Em julgamentos virtuais e presenciais, a Corte formou maioria para derrubar dispositivos centrais da Lei 14.701/2023 – aprovada pelo Congresso em 2023 após a derrubada de vetos do presidente Lula – e reiterou o entendimento firmado no Tema 1.031 de repercussão geral: os direitos indígenas são originários e independem de um “marco cronológico arbitrário”. Em seu voto, o ministro Gilmar Mendes escreveu que exigir prova de ocupação em 1988 ignora “práticas estatais ou privadas de retirada forçada, mortes e perseguições”, mantendo abertas “chagas” históricas do país. A posição do STF está alinhada, inclusive, à jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Apesar disso, o próprio Supremo viveu contradições ao longo do ano. Em abril de 2025, Gilmar Mendes determinou a suspensão das ações sobre o tema e instituiu uma comissão especial de “conciliação” entre Judiciário, Legislativo e Executivo – iniciativa duramente criticada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Para o movimento indígena, não há conciliação possível quando se trata de direitos fundamentais. Ainda assim, mesmo dentro desse processo, o STF consolidou consensos importantes: reconheceu a mora inconstitucional do Estado na demarcação de terras, rejeitou a exigência de provas impossíveis às comunidades e manteve a possibilidade de revisão de demarcações viciadas.
Enquanto o Congresso insistia na pauta, os povos indígenas responderam com mobilização. O Acampamento Terra Livre (ATL) de 2025 reuniu cerca de 7 mil indígenas de mais de 200 povos em Brasília, conectando a luta territorial à agenda climática global às vésperas da COP30, que foi realizada no Brasil.
“É comprovado que a demarcação é uma barreira natural contra o desmatamento”, lembrou Toya Manchineri, da Coiab.
A afirmação foi baseada em dados da FAO e do MapBiomas: terras indígenas ocupam 13% do território nacional, mas respondem por apenas 1% da perda de vegetação nativa entre 1985 e 2023. Dinaman Tuxá, da Apib, acrescentou ainda que o Marco Temporal, além de não ser bom para o Brasil, expõe ao mundo a atuação de setores do Estado que “buscam formas de usurpar os direitos dos povos indígenas”.
A retrospectiva de 2025 deixa claro que a insistência do Congresso no Marco Temporal não é jurídica, mas política e econômica. A pauta atende diretamente aos interesses de grandes proprietários rurais, grileiros e à expansão do agronegócio sobre territórios tradicionalmente ocupados, ao passo que enfraquece a política ambiental e agrava conflitos no campo. Já o STF, apesar de ambiguidades pontuais, reafirmou ao longo do ano que a Constituição de 1988 não autoriza retrocessos. Em meio a pressões e mobilizações, a disputa segue aberta – mas 2025 consolidou, mais uma vez, que os direitos indígenas não são concessão do Estado, e sim dívida histórica ainda longe de ser quitada.