STF barra marco temporal e reafirma direitos indígenas
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STF barra marco temporal e reafirma direitos indígenas

Suprema Corte forma maioria contra tese ruralista, mantém entendimento histórico e enfrenta ofensiva do Congresso que ameaça demarcações

Redação da Revista Movimento 18 dez 2025, 13:48

Foto: Agência Brasil

O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria, na noite de quarta-feira (17), para derrubar o chamado marco temporal, tese defendida pelo agronegócio e pela bancada ruralista que restringe o direito dos povos indígenas às terras ocupadas em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Até o momento, seis ministros votaram pela inconstitucionalidade da medida, incluindo o relator, Gilmar Mendes, consolidando uma posição que reafirma direitos originários e enfrenta mais um capítulo da ofensiva legislativa contra os povos indígenas.

O marco temporal estabelece que apenas as terras comprovadamente ocupadas por comunidades indígenas em 1988 poderiam ser demarcadas. Na prática, a tese ignora expulsões forçadas, massacres e remoções promovidas pelo próprio Estado brasileiro ao longo do século 20, beneficiando grandes proprietários rurais, grileiros e interesses do agronegócio, enquanto prejudica diretamente indígenas, quilombolas e a proteção ambiental.

Não é a primeira vez que o STF se posiciona contra essa interpretação. Em 2023, a Corte já havia considerado o marco temporal inconstitucional. Em resposta, o Congresso Nacional aprovou uma lei incorporando a tese, mesmo após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetar trechos centrais do texto — vetos que acabaram derrubados pelos parlamentares. O julgamento em curso agora analisa quatro ações contra essa lei, enquanto o Senado avança em nova investida ao aprovar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) sobre o mesmo tema, que ainda precisa passar pela Câmara.

Ao formar maioria para derrubar novamente o marco temporal, o STF reafirma o entendimento de que a Constituição garante aos indígenas “os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”, posição também avalizada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. Isso significa que o direito territorial indígena não se submete a um “marco cronológico arbitrário”, mas aos vínculos históricos, culturais e espirituais com a terra.

Em seu voto, o ministro Gilmar Mendes destacou o caráter histórico da violência sofrida pelos povos indígenas. “Nossa sociedade não pode conviver com chagas abertas séculos atrás que ainda dependem de solução nos dias de hoje”, escreveu. Segundo ele, exigir comprovação de ocupação em 1988 impõe uma “situação de difícil comprovação para comunidades indígenas que foram historicamente desumanizadas com práticas estatais ou privadas de retirada forçada, mortes e perseguições”.

Dados apresentados pelo relator mostram a dimensão do passivo histórico: há 231 processos administrativos em curso na Funai relacionados à demarcação de terras indígenas, sendo 158 pedidos formais de demarcação. Pelo entendimento que prevalece até agora, caberá à Funai apresentar uma lista de antiguidade das reivindicações, com prazo de até 10 anos para a conclusão dos processos pendentes.

O governo federal sustenta que o marco temporal representa um grave retrocesso. Em nota, o Ministério dos Povos Indígenas afirmou que a lei aprovada em 2023 “colide frontalmente com a tese constitucional consolidada” e cria uma “insegurança jurídica sem precedentes”. O órgão alerta ainda que a norma “abriu brechas para atos de violência que têm os indígenas como as principais vítimas” e funciona como “vetor de legitimação de discursos e narrativas anti-indígenas”.

Já os defensores da tese, como a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), alegam que o marco traria segurança jurídica. A justificativa da PEC aprovada no Senado afirma que a proposta “não visa negar o direito dos povos indígenas às suas terras”, mas “evitar conflitos e incertezas”. Para organizações indígenas e ambientalistas, no entanto, trata-se de um discurso que encobre a tentativa de legalizar esbulhos históricos.

Apesar de celebrar a formação de maioria contra o marco temporal, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) fez críticas a pontos do voto do relator que mantêm dispositivos da lei, como a possibilidade de “compensação” territorial e a ampliação da exploração econômica nas terras indígenas. Em nota, a entidade afirma que a compensação com “terras equivalentes” remete a práticas do antigo Serviço de Proteção ao Índio (SPI) e é incompatível com a Constituição de 1988.

“O voto amplia as possibilidades de exploração econômica dos territórios indígenas, permitindo atividades como turismo e cooperação ou contratação de terceiros não indígenas, sem vedar expressamente práticas de alto impacto ambiental”, alerta a Apib.

Mesmo com essas ressalvas, a decisão do STF representa uma vitória histórica para os povos indígenas e para a defesa da Constituição. Ao barrar o marco temporal, a Corte reafirma que direitos fundamentais não podem ser relativizados por pressões econômicas ou maiorias circunstanciais no Congresso – e que a democracia brasileira passa, necessariamente, pelo reconhecimento das dívidas históricas com seus povos originários.


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