Uma crítica ao PLP 152: entre a ficção da autonomia e a realidade da subordinação algorítmica
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Uma crítica ao PLP 152: entre a ficção da autonomia e a realidade da subordinação algorítmica

A discussão em torno da regulamentação do trabalho mediado por plataformas digitais no Brasil se inscreve em um contexto mais amplo de reconfiguração regressiva da proteção social e de flexibilização das normas trabalhistas, marcado pela hegemonia da agenda neoliberal

Camila Menezes 15 dez 2025, 14:47



Tramita na Câmara dos Deputados um relatório detalhado acompanhado de um Substitutivo ao Projeto de Lei Complementar (PLP) 152/2025, que pretende regulamentar o trabalho mediado por plataformas digitais no Brasil. Diferentemente do PLP 12/2024, apresentado pelo governo federal e limitado aos motoristas de aplicativos de quatro rodas, o novo projeto possui alcance mais amplo, abrangendo transporte de passageiros e entrega de bens, entre outros serviços. Sua justificativa é responder ao chamado “limbo jurídico” desses trabalhadores ao criar a figura do “trabalhador plataformizado”, uma categoria definida como não subordinada, mas supostamente contemplada por um conjunto próprio de direitos e proteções sociais. O PLP 152/2025 é de autoria do deputado Luiz Gastão (PSD), e o parecer, incluindo o Substitutivo, foi elaborado pelo deputado Augusto Coutinho (Republicanos). 

Trata-se, em minha opinião, de um tema importante que merece atenção e alerta de todos que defendem que nenhum trabalho exista sem direitos. Sabe-se que a discussão em torno da regulamentação do trabalho mediado por plataformas digitais no Brasil se inscreve em um contexto mais amplo de reconfiguração regressiva da proteção social e de flexibilização das normas trabalhistas, marcado pela hegemonia da agenda neoliberal. As empresas-plataformas pressionam por uma regulamentação favorável aos seus interesses, enquanto, por outro lado, o aumento significativo do número de trabalhadores vinculados a aplicativos tem impulsionado uma intensa produção legislativa no Parlamento. Quero, aqui, dar o pontapé inicial em algumas contribuições para o entendimento do PLP 152 e para explicar por que devemos lutar pela sua não aprovação.

O PLP 152/2025 vem sendo apresentado como um marco regulatório moderno, fruto de um suposto amplo debate e aberto às vozes de trabalhadores, especialistas e empresas. Mas essa narrativa desmorona diante da leitura atenta do substitutivo. O texto não inaugura proteção, inaugura uma forma mais sofisticada de precarização, uma formalização jurídica da informalidade que serve aos interesses das plataformas. Assim como o PLP 12/2024 o novo projeto preserva a essência de um modelo que promove uma regulação neoliberal que legitima, sob o disfarce da autonomia, um dos sistemas mais avançados de subordinação algorítmica já implementados no mercado de trabalho. 

A diferença é que o novo texto é politicamente mais hábil, mas preserva integralmente as engrenagens que tornam possível a uberização: a subordinação algorítmica disfarçada de autonomia, a transferência sistemática de riscos e o aprofundamento de um mercado de trabalho fragmentado e precarizado, no marco de um Estado cada vez mais subordinado à lógica financeirizada, ou seja garantidor não de direitos, mas de serviços e ativos.

O ponto central da crítica ao PLP 152 não é meramente terminológico, mas estrutural. O substitutivo cria a figura do “trabalhador plataformizado”, categoria cuja função é negar explicitamente o vínculo de emprego ao mesmo tempo em que admite em seu próprio texto, de maneira dissimulada, a existência de mecanismos de aceitação compulsória de condições impostas unilateralmente pelas plataformas. Como alerta Souto Maior, o texto declara que o trabalhador é “não subordinado”, mas imediatamente o submete à oferta padronizada de serviços, às regras de comportamento, às avaliações e penalidades criadas pela empresa. Trata-se de uma manobra jurídica evidente: impedir o reconhecimento da relação de emprego por decreto, ignorando o princípio da primazia da realidade e blindando as plataformas contra qualquer responsabilização trabalhista.

A partir dessa moldura ampla, o texto passa, apenas em um segundo momento, a disciplinar categorias específicas, caso dos serviços de transporte remunerado privado individual de passageiros e de coleta e entrega de bens. Essa arquitetura normativa abre caminho para que outras atividades venham a ser futuramente incorporadas ao mesmo regime por meio de simples adições legislativas, consolidando um campo permanente de exceção no interior do Direito do Trabalho. Não se trata, portanto, de uma disputa restrita a motoristas, mas da abertura de um precedente estrutural que interessa ao conjunto da classe trabalhadora, ao instituir um campo permanente de exceção no interior do Direito do Trabalho.

Como alerta Souto Maior, o texto declara que o trabalhador é “não subordinado”, mas imediatamente o submete à oferta padronizada de serviços, às regras de comportamento, às avaliações e penalidades criadas pela empresa. Trata-se de uma manobra jurídica evidente: impedir o reconhecimento da relação de emprego por decreto, ignorando o princípio da primazia da realidade e blindando as plataformas contra qualquer responsabilização trabalhista.

Em tempos de luta pelo fim da escala 6×1, o PLP 152/2025 caminha na contramão e mantém o “limite” de até 12 horas de conexão por dia, repetindo um dos dispositivos mais criticado do PLP 12/2024. Essa jornada é facilmente burlada pelo uso simultâneo de plataformas e, na prática, funciona como permissivo legal para jornadas extenuantes e contínuas. A negativa de reconhecimento do tempo de espera como tempo de trabalho, outra herança da regulação rebaixada iniciada no PLP 12,  aprofunda a precarização, porque desvincula a remuneração da realidade concreta da atividade, fazendo com que trabalhadores dependam de volumes cada vez maiores de trabalho para atingir rendimentos mínimos. Lutamos para que o tempo logado seja tratado como tempo trabalhado.

Assim, o projeto, ao reforçar a não subordinação e legitimar a hiperdisponibilidade via “limite” de 12 horas de conexão, oferece ao capital financeiro exatamente o que ele exige: liquidez, flexibilidade, redução de custos e trabalhadores permanentemente disponíveis e permanentemente responsabilizados por sua própria condição. O Estado, mais uma vez, atua não como regulador do poder privado, mas como arquiteto jurídico que empurra riscos para os indivíduos enquanto protege fluxos de valorização financeira das empresas – plataformas.

O discurso de que o substitutivo “melhora” as condições ao prever adicionais por trabalho noturno, feriados ou domingos também não se sustenta, pois muitos desses dispositivos não configuram direitos efetivos, mas sugestões frágeis, condicionadas ou distorcidas ao longo do próprio texto, a ponto de perderem efetividade. O que há no texto, é uma construção legal que reforça a dependência do trabalhador aos fluxos variáveis de demanda, deixando-o preso a uma dinâmica de rendimentos intermitentes, risco individualizado e ausência de segurança contra o controle algorítmico.

Há ainda uma consequência mais profunda e politicamente grave: o substitutivo cria um sistema de controle empresarial sem reconhecimento de vínculo, reforçando um regime em que a plataforma exerce poderes típicos de empregador, como direção, fiscalização, monitoramento, sanção, mas esvazia suas obrigações jurídicas. Essa é exatamente a racionalidade neoliberal que atravessa a regulação do trabalho contemporâneo: transferir riscos ao trabalhador, liberar a empresa de responsabilidades e transformar direitos em custos variáveis a serem evitados. É a financeirização da proteção social, convertida em “autonomia empreendedora”.

O substitutivo ao PLP 152/2025 não nasce para proteger trabalhadores; nasce para estabilizar juridicamente o modelo de negócios das plataformas, garantindo previsibilidade regulatória e redução de riscos empresariais. É uma lei para as plataformas, não para quem trabalha nelas. Não surpreende que a crise do sindicalismo tenha permitido que esses projetos avancem quase sem contraponto estrutural ou evidente apoio numa suposta ideia do “mal menor”. Mas isso não pode justificar a aceitação passiva de um marco regulatório que reforça a exploração do trabalho pelo algoritmo travestida de “autonomia”.

Nós precisamos lutar por uma legislação que reconheça a realidade de subordinação e que enfrente a subordinação algorítmica como instrumentos do Direito do Trabalho. O PLP 152/2025 faz sua escolha: a precariedade vira política pública. Por isso, este projeto deve ser amplamente rejeitado. Não podemos aceitar que o Estado legitime um regime de exceção trabalhista, criando trabalhadores de segunda categoria em nome de uma falsa modernidade. O futuro do trabalho não pode ser entregue às plataformas. O futuro do trabalho deve ser construído com direitos, dignidade e proteção, e o PLP 152/2025, definitivamente, caminha na contramão disso.


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