Virada histórica barra cassação de Glauber
PSOL articula punição alternativa e derrota ofensiva bolsonarista, mas suspensão de 6 meses é mais dura que a imposta a Carla Zambelli – presa na Itália e preservada pela Câmara
Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados
A Câmara dos Deputados assistiu, nesta quarta-feira (10), a uma das maiores derrotas recentes da extrema direita, que fracassou em sua campanha para cassar o mandato do deputado Glauber Braga (PSOL-RJ). Após horas de manobras, discursos acalorados e forte pressão popular, prevaleceu a articulação construída pelo PSOL – que evitou a cassação e garantiu que o plenário aprovasse uma suspensão de seis meses, mantendo os direitos políticos do parlamentar.
Foram 318 votos a favor da suspensão, contra 141 pela cassação. A reviravolta, celebrada pela bancada progressista, desmontou o que era considerado um roteiro quase pronto para excluir do Parlamento uma das vozes mais contundentes contra o centrão e a extrema direita.
Apesar disso, a pena imposta a Glauber foi mais severa que a aplicada à deputada bolsonarista Carla Zambelli (PL-SP) – condenada a mais de dez anos de prisão pelo STF, foragida e presa na Itália – que teve o mandato preservado por seus pares. Zambelli escapou com a ajuda de 227 deputados que votaram para impedir sua cassação, frustrando a determinação da Suprema Corte.
O contraste expôs o duplo padrão que rege a Câmara: rigor contra opositores combativos, leniência escancarada com a extrema direita envolvida em crimes graves.
A vitória possível: articulação e resistência
A sessão foi marcada pela tentativa explícita do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), de acelerar processos contra parlamentares de esquerda. O movimento desencadeou a ação de Glauber, que ocupou a mesa diretora na véspera – gesto respondido com violência pela Polícia Legislativa e cujo registro de agressões a deputados e jornalistas repercutiu nacionalmente.
Ao defender-se no plenário, Glauber classificou a punição como “injusta” e reiterou sua disposição de manter a postura combativa:
“Não imaginem que eu terei as minhas convicções cerceadas e deixarei de exercer meu mandato. Calar o mandato de quem não se corrompeu é uma violência.”
O PSOL reagiu ao cenário adverso com uma estratégia de guerra: apresentou a emenda que substituiu a cassação pela suspensão. A costura incluiu diálogos com setores do Centrão e sensibilizou deputados que, mesmo criticando Glauber, reconheceram o exagero da pena máxima. A emenda passou por larga margem.
A deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP), que acompanhou a votação e comemorou o resultado com colegas no plenário, destacou o caráter político da ofensiva contra Glauber e a vitória construída pela resistência progressista. Segundo ela, “a extrema direita queria fazer de Glauber um troféu, mas o plenário mostrou que não aceitaria esse arbítrio. Foi uma vitória da democracia e da mobilização popular”.
Dois pesos, duas medidas: o escândalo Zambelli
Menos de 24 horas depois, os deputados voltaram ao plenário para julgar o caso de Carla Zambelli – e a decisão expôs ainda mais as contradições do Congresso. Apesar da condenação definitiva pelo STF, fuga para outro país e prisão no exterior, a maioria do plenário rejeitou a cassação da bolsonarista.
O placar – 227 votos pela cassação, insuficientes para a maioria absoluta – garantiu a preservação de seu mandato, mesmo ela estando impedida de exercê-lo. Deputados do PT e do PSOL classificaram o resultado como uma afronta à Constituição, e partidos da esquerda anunciam que recorrerão ao Supremo para reverter a decisão.
Para Glauber, a comparação entre os processos não se aplica, porque o ataque contra ele tem motivação política direta:
“Não podem equiparar essa cassação com a da Zambelli, ela já está cassada por decisão do STF. Não me comparem com o Eduardo [Bolsonaro], eu não articulei contra o meu país. Não existe uma única denúncia de corrupção contra mim.”
Em maio de 2025, a Primeira Turma do STF a condenou, por unanimidade, a 10 anos de prisão pelos crimes de invasão de dispositivo informático e falsidade ideológica, decorrentes da sua participação no plano para invadir o sistema eletrônico do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e inserir documentos falsos – incluindo um mandado de prisão forjado contra um ministro da Corte – em conluio com o hacker Walter Delgatti Neto. O STF entendeu que Zambelli agiu como mandante dessa invasão, um ataque frontal às instituições democráticas brasileiras.
Além dessa condenação, Zambelli responde a outro processo no STF que também resultou em condenação por porte ilegal de arma de fogo e constrangimento ilegal com uso de arma, em um episódio registrado na véspera do segundo turno das eleições de 2022, quando ela perseguiu um homem armado com uma pistola nas ruas de São Paulo. Essa segunda condenação, confirmada pela Corte em agosto de 2025, estipula uma pena de 5 anos e 3 meses de prisão em regime inicial semiaberto.
Pouco depois da condenação, Zambelli deixou o Brasil e fugiu para a Itália, país do qual também possui cidadania, na tentativa de escapar ao cumprimento da pena imposta pelo STF. Ela ficou foragida por cerca de dois meses até ser presa em Roma em 29 de julho de 2025, em uma operação conjunta da Polícia Federal, Interpol e autoridades italianas, a partir de informações fornecidas por autoridades italianas sobre seu paradeiro. A Justiça italiana manteve a prisão preventiva de Zambelli, considerando o risco de nova fuga, e o governo brasileiro formalizou o pedido de extradição para que ela responda à pena no Brasil. Não há data fixada para a remoção.
Pressão social e disputa de rumos
Antes da votação que definiria o destino de Glauber, manifestantes lotaram corredores da Câmara pedindo sua permanência. Faixas, bandeiras e gritos de “Glauber fica” ecoaram no Anexo 2. Servidores, sindicalistas e militantes denunciaram a violência policial e classificaram a tentativa de cassação como vendeta política.
A mobilização, somada à atuação coordenada do PSOL e ao recuo parcial do centrão, foi essencial para impedir o que parlamentares progressistas chamaram de “novo capítulo da perseguição política no Brasil” – expressão ecoada em discursos e entrevistas.
Mas a derrota da cassação representa um marco político: a extrema direita não conseguiu impor seu troféu, e a reação vigorosa da esquerda, somada à pressão social, impediu uma injustiça ainda maior.
Glauber encerrou sua fala no plenário citando Erundina e reafirmando o propósito de transformar o Parlamento em espaço de denúncia e luta popular:
“Calar essa tribuna é calar o povo. Não conseguirão.”