Vai ter golpe?
Não, não vai ter golpe. O que sim pode ter é o impeachment. A defesa de eleições é o melhor contraponto à política burguesa de defesa de Temer.
O filósofo e professor Vladimir Safatle escreveu certa vez que a política é a arte de afetar os corpos e levá-los a impulsionar determinadas ações. Neste contexto, o medo e a esperança são afetos altamente mobilizadores na política. Pessoas com medo ou esperançosas se paralisam ou se movem em função destes sentimentos.
Não por acaso o chamado pela “esperança vencer o medo” teve uma força determinante na primeira vitória de Lula. O PT precisava, naquele momento, convencer as pessoas a superaram o medo do desconhecido. E conseguiu. A política do medo foi vencida pela esperança de mudanças para melhor.
Ontem foi a vez do PT usar o medo, e desta vez para tentar, desesperadamente, reaglutinar sua base social atordoada pelas denúncias de corrupção e por uma política econômica que provoca desemprego e desmonte das precárias melhorias sociais da última década.
Para levar gente para as ruas o PT apelou para a ideia de que estamos a beira de um golpe. O medo do golpe, e então a mobilização pela democracia é o sentimento que moveu milhares no dia de ontem.
Se de fato estivéssemos a beira do golpe teríamos que unir a todos e até pensar na autodefesa popular. Se o golpe fosse para derrubar o governo seria correto defender o governo contra a tentativa fascista de derrubá-lo.
Mas que golpe é esse que o PT quer nos fazer acreditar que está prestes a acontecer?
A OAB, que sempre foi vista como baluarte da defesa do “Estado Democrático de Direito”, e acaba de manifestar-se a favor do impeachment, é parte da conspiração golpista?
Seria o golpe do Poder Judiciário, hoje aplicando para as castas políticas e empresariais o mesmo sistema penal violador de direitos que não foi mexido em 13 anos de PT no poder?
Um golpe chancelado pelo STF cuja maioria dos ministros foi nomeada por Lula ou Dilma? Sim, Lula e Dilma nomearam a maioria dos ministros!
Não, não vai ter golpe. O que sim pode ter é o impeachment. Sim, sem dúvida Temer está conspirando para entrar no lugar de Dilma. Mas não estamos diante da possibilidade e da iminência de um golpe contra revolucionário agora. A precária democracia que temos continuará burguesa e precária. Sabemos que a Rede Globo já foi golpista no passado e estará entre as primeiras a apoiar um golpe contra revolucionário quando a burguesia fizer esta escolha. Mas a escolha pelo impeachment, já feita, não tem sinal de igual a golpe “no estado democrático de direito”. Ou, para usar os conceitos marxistas e não a fraseologia pequeno burguesa e burguesa, o impeachement nao ameaça a nossa precária democracia burguesa. Vale lembrar, aliás, que a Globo recebeu muito dinheiro dos governos petistas, e Gilmar Mendes, foi louvado por petistas de diferentes quilates ao longo dos últimos 13 anos. Estas lembranças nos são caras: afinal, os ataques a Rede Globo feitos por Luciana Genro na campanha presidencial ou seu apelo à luta pelo impeachment de Gilmar Mendes, quando era ainda deputada ,não receberam nenhum apoio dos dirigentes petistas. Vale lembrar que o PMDB foi até partido quase majoritário no condomínio do poder nos governos petistas.
Por isso o único golpe foi e tem sido dado no povo. A decepção com o PT é resultado deste golpe. O que fez o governo do PT perder toda legitimidade e estar as portas do impeachement nao foi a ação de reacionários de direita que existem, mas o fato do partido que se forjou na luta contra a corrupção das elites estar mergulhado em escândalos inomináveis. Foi o fato do partido da luta por direitos do passado aplicar medidas que prejudicam os mais pobres e a classe média, que por tanto tempo votaram e acreditaram no PT. Por isso o governo não tem força e teve que apelar a mentira do golpe para tentar mobilizar pelo medo aqueles que já não tem esperança no próprio governo. Por isso a dinâmica é o impeachment se impor. O governo já não tem força para ficar de pé. Aqui queremos fazer dois alertas.
Primeiro alerta. Há um golpe sim em preparação: um golpe contra a Operação Lava Jato.
Um golpe pactuado entre PMDB e PSDB para tirar Dilma e abafar toda a corrupção, que começa a chegar neles com força. Nisto há acordo entre governo e PSDB. Ambos querem acabar com a Lava Jato, a diferença é que o PT quer fazer isso derrotando o impeachment, apelando para a unidade pela democracia.
Mas o PSOL não pode ceder a este “canto de sereia”. Temos que apoiar a Lava Jato, mesmo críticos aos excessos de Sérgio Moro, excessos típicos em nosso sistema penal, que agora são cometidos em desfavor das elites.
Segundo alerta. De fato ha uma direita e uma extrema direita que cresce. O melhor caminho para combate-los é construir uma esquerda que seja de oposição ao governo federal. Ha indignação contra o governo que é irreversível e justa e se este sentimento não encontrar nenhum canal pela esquerda, ele irá cada vez mais para a direita. O apoio a Lula e a Dilma dado por setores de esquerda autentica que deveriam se postular como alternativa e não o fazem, deixa setores de massas abandonados, sem outra referência, um vazio que acaba ocupado pela direita e até os Bolsonaros crescem neste espaço porque as bases populares que o PT perdeu não voltarão para o PT. Muito menos a classe média. Apoiar atos dirigidos pelo PT e Lula apenas dilui a esquerda, apaga sua existência e assina embaixo uma falsa polarização trágica no seu resultado: esquerda está com o governo e a direita na oposição. Nós devemos afirmar que existe a esquerda que não está com o governo. Indo no ato deles é impossível.
Quem pensa, portanto, que a tarefa central é defensiva, em defesa da democracia, que o faça ações independentes. Ações dirigidas pelo PT , como as de ontem, acabam é defendendo Lula e Dilma. Acabam fortalecendo a operação para abafar o trabalho da Lava Jato, marco histórico na luta contra a corrupção ao colocar os maiores empreiteiros do país atrás das grades.
Como bem disse nosso deputado Chico Alencar, “apoiamos a Lava Jato em suas investigações, sem seletividade e sem arbitrariedades; indo fundo nos muitos indícios que envolvem PT, PMDB, PSDB, PP e outros partidos e figurões políticos, além de empresários e todos os que participam do condomínio histórico do poder e da corrupção. Nenhuma norma do Estado Democrático de Direito, que tanto nos custou conquistar, pode ser desrespeitada, seja por quem for – juiz, promotor, parlamentar ou governante”.
Por fim, uma caracterização e uma proposta. A caracterização é que o impeachment será aprovado. Quando o PT aderiu aos métodos que sempre criticou, quando Dilma esqueceu o que havia dito no segundo turno e assumiu o programa de Aécio Neves, o governo perdeu legitimidade.
Um governo eleito que já não mais representa os interesses dos que o elegeram perdeu a legitimidade. O pouco que ainda tinha foi liquidado na Delação Premiada de Delcídio do Amaral, o Pedro Collor do governo atual que revelou todas as sujas entranhas do governo. E governos que se proclamam de esquerda e perderam a legitimidade só fortalecem a direita. A direita que domina o congresso, por sua vez, não quer mais o PT governando e pretende assumir se legitimando no Congresso. Um Congresso presidido por um corrupto notório dá ao judiciário uma força que ele não deveria ter.
Para garantir resistir contra isso e defender um ambiente minimamente democrático é preciso devolver ao povo a soberania de decidir e não deixar nas mãos do Congresso a decisão sobre o poder. Por isso seguimos defendendo a necessidade de eleições gerais, ideia também recentemente defendida por Vladimir Palmeira, um dos líderes da resistência à ditadura militar.
A defesa de eleições é o melhor contraponto à política burguesa de defesa de Temer. É claro que os petistas tem direito de defender a continuidade de Dilma. Mas quem é de esquerda não tem por que fazer isso a medida que, se Dilma continuasse a governar, aplicaria mais ajustes contra o povo. Mas tudo indica que ela não vai continuar. Seus dias no governo podem estar terminando. Antes que se consuma o impeachment e a posse de Temer, é hora de lutar por eleições gerais, único caminho para impedir está saída. Os mais defensores do governo podem até lançar Lula candidato. Estariam dizendo para o povo julgar seu líder. Então a defesa das eleições também pode ser uma saída para quem acha que é preciso enfrentar a direita e que se trata de um golpe o que está ocorrendo. É claro que já se ouviu até, nestes tempos de confusão, quem diga que eleições é golpe. Mas daí já é demais, sobretudo quando este argumento direitista é usado por quem se diz de esquerda.
Apoiamos também a proposta do Senador Randolfe da Rede de referendo revogatório. Confiar ao povo o direito de decidir é o único caminho para pavimentar o futuro na construção de uma democracia real e começar a forjar uma alternativa de esquerda coerente.