Nota sobre a crise pública na bancada de deputados federais
Manifestação de Roberto Robaina sobre a polêmica pública envolvendo a bancada de deputados federais e o PSOL nesta sexta-feira (22).
Gostaria de me manifestar sobre a polêmica pública envolvendo a bancada de deputados federais e o PSOL nesta sexta-feira (22). A deputada Luiza Erundina veio a público fazer um ataque ao PSOL, baseando-se numa reportagem da CNN.
Não assisti à reportagem, mas quem a assistiu disse que foi uma reportagem distorcida. Sei do que se tratava quando Erundina denunciou como fisiologismo do partido. Na condição de dirigente do PSOL e de uma tendência fundadora do partido, fui informado, assim como os demais dirigentes da tendência, pela líder da bancada Sâmia Bonfim. Ela já havia informado o assunto ao deputado Marcelo Freixo e ao presidente do partido, Juliano Medeiros.
Sâmia, como líder da bancada do PSOL, foi procurada pelo líder do PT, que transmitiu a caracterização de que a disputa dos quatro principais cargos de poder na Câmara — excluindo o de presidente e incluindo a CCJ, que define a pauta do que será votado prioritariamente — tinha grandes chances de cair nas mãos dos aliados de Arthur Lira, como se sabe, candidato do presidente Bolsonaro na disputa pela presidência da Câmara.
Essa possibilidade independe da decisão de quem seja o presidente, porque enquanto o presidente é escolhido pelo voto direto e secreto dos deputados, a chamada mesa da Câmara é escolhida pela formação de blocos partidários compostos com a finalidade de disputar esses cargos, com seus respectivos poderes internos na Câmara dos Deputados.
Assim, um partido pode lançar candidato a presidente independente e integrar um bloco, pode chamar a votar num candidato a presidente x e, ao mesmo tempo, compor o bloco em que se encontra o partido do candidato y. Pode também não participar de bloco algum e nem disputar e nem apoiar qualquer bloco que dispute o poder interno nas comissões que decidem a dinâmica e a pauta da Câmara dos Deputados. Assim é o funcionamento da Câmara.
No caso concreto, o PSL estava se deslocando para apoiar o bloco de Lira. Ainda que tivesse declarado apoio ao candidato do MDB, Baleia Rossi, e também estivesse negociando a participação no bloco em que se encontram MDB, PSDB, DEM, PT, PDT, PSB etc, partidos que apoiam o nome de Baleia à presidência, o PSL anunciava a participação no bloco do PP, partido de Lira, e de outros partidos da base de Bolsonaro e do centrão. Tal notícia foi pública e saiu em todos os jornais.
Ocorre que, com o deslocamento do PSL, segundo os partidos que estão no bloco de Baleia na disputa da mesa, o resultado da eleição da mesa poderia ser dado por uma diferença de 7 votos. Leve-se em conta que se a disputa pela presidência da Câmara é muito imprevisível, porque o voto é individual e secreto (o deputado pode ir contra a orientação do partido), na eleição da mesa o que conta é a composição prévia e a soma do número de deputados de cada partido. É contado em bloco. Daí justamente o nome.
Foi acerca deste fato que a líder da bancada do Psol foi alertada pelos líderes do bloco de Baleia, mais especificamente pelo líder do PT. Foi isso que a deputada transmitiu para Freixo, que foi informado ao presidente do partido e a bancada teria de debater e se posicionar. A proposta que o líder do PT apresentou é de que o PSOL se incorporasse ao bloco do MDB, PT, PDT, etc, evitando a vitória do bloco apoiado por Bolsonaro na disputa da mesa. Note que não estamos falando da disputa da presidência. São votações separadas e independentes. Neste caso, pelos cálculos, os 10 votos do PSOL seriam decisivos para a eleição da mesa. Esse foi o apelo ao PSOL: apoiar o bloco. Não precisava mudar qualquer decisão já tomada. Como se sabe, o partido havia decidido lançar o nome de Erundina à presidência da Câmara. Cabe ressaltar que nenhum cargo foi oferecido ao PSOL.
Diante de tudo isso o que fez Erundina? Veio a público dizer que o PSOL estava caindo no fisiologismo, no toma lá, dá cá. O presidente do partido, que infelizmente muitas vezes atua como mero reprodutor dos interesses do seu grupo, mais uma vez não respondeu como presidente. Disse que o PSOL estava com Erundina, e que se alguém estivesse negociando cargos, não era em nome do partido, mas individualmente.
Neste caso, é lógico que o presidente que não preside insinuou (na prática, acusou que havia deputados fazendo o que Erundina denunciava). É lógico que essa insinuação só poderia querer atingir os deputados que, internamente, foram contrários a apresentar uma candidatura própria do PSOL à presidência da Câmara. Era uma insinuação gravíssima. De Erundina contra o partido, acusado por ela de fisiologismo, e de Juliano contra uma parte do partido.
Daí veio a resposta indignada dos deputados Fernanda, Freixo, David, Vivi e Samia. Algumas com mais diálogo, outras, mais ácidas. Mas todas verdadeiras. Freixo e Samia, no espaço que o twitter permite, trataram de mostrar que não havia nenhum fisiologismo. Freixo ainda apontou que era importante e fazia a diferença se a mesa da Câmara ficasse com aliados mais estreitos de Bolsonaro ou com partidos menos ligados ao governo, e alguns até de oposição, como o PT.
Notem: não havia nem proposta para PSOL compor, e o PSOL, mesmo que quisesse, não teria força para pleitear. Mas os votos do PSOL podem, em tese, decidir. Freixo tratou de argumentar o que me parece óbvio: faz diferença quem ganha. Samia tratou de dizer que ter posição sobre isso não tem nada de fisiologismo. Samia apenas levou o assunto para o partido, sem mesmo emitir posição fechada. Note-se ainda que nada disso tinha ou tem relação direta com a apresentação de nome para presidência. Pois no dia seguinte vinha a público a “denúncia” de Erundina.
Fernanda reagiu indignada. Não poderia ser diferente. Fernanda estava entre os deputados que foram favoráveis a apoiar a candidatura de Baleia contra o nome publicamente apoiado por Bolsonaro (posição que igualmente defenderam Samia, David, Vivi e Freixo). Não vou aqui retomar os argumentos. Mas o fato é que Fernanda, apesar disso, estava disciplinada com a decisão de votar em Erundina, como todos os deputados do PSOL que não apoiaram nome próprio na disputa. Disciplina que se mantém. Mas é lógica a indignação quando há qualquer insinuação no sentido contrário.
David também reagiu indignado e lembrou posições políticas de Erundina favoráveis à colaboração com a burguesia. A polêmica ganhou as redes, e o PSOL, que estava desaparecido por suas posições ou falta delas na disputa da Câmara, virou trending topics.
Então, não tenho dúvidas de que Erundina errou feio ao atacar o partido e que Juliano errou ao não defendê-lo. Mas o que explica politicamente a mensagem de Erundina? Do que ela é sintoma? Creio que a mensagem revela o erro da política. Erundina foi um nome forte escolhido para uma política errada.
O PSOL não deveria ter lançado candidatura própria nesta disputa, e Erundina sentiu que seu nome forte estava fraco. Logo depois, em entrevistas, ela disse que “o mundo artístico” ligou para ela pedindo que desistisse. Imaginem o que é a pressão do “mundo artístico”. Erundina reagiu com revolta a essa pressão. Acho que é lícito. O que não é lícito é acusar os outros pela fraqueza de sua política e dos que a defenderam com ela.
E aqui escreve quem sustenta que não necessariamente uma política com pouca força é uma política errada. Muitas vezes, é correto marcar posição. Muitas vezes, é necessário apresentar publicamente uma posição nitidamente independente. Desta vez, acho que não era e não é o caso de marcar posição. É minha posição tática. A ironia é que o grupo interno que defendeu marcar posição é o mesmo que muitas vezes subordina o PSOL às posições do PT, mas, neste caso, resolveu não ter a mesma tática petista. Este, aliás, é o aspecto pedagógico de tudo isso.
O partido tem todo o direito de ter posições independentes (em geral, creio que deve se apresentar como tal, com algumas exceções, quando, por exemplo, há claro risco da vitória da extrema direita) e não deve se curvar às pressões externas. Elas podem e devem existir, mas as decisões do partido são tomadas por seus militantes. Neste caso, nossa posição foi derrotada. Mas nossos deputados vão seguir a decisão. E creio que essa polêmica deve convidar o partido a debater de modo mais qualificado sua política de alianças, seus critérios e métodos.