A coragem de Billie Holiday
Danilo Serafim analisa o filme “Estados Unidos vs. Billie Holiday”.
“Se a raiva dos explorados já cresceu bastante no Sul, agora tem sua Marseillaise” (The New York Post)
A cantora nasceu há 106 anos e deixou um forte legado na música negra que permanece até os dias de hoje. A vida de Billie Holiday, conhecida também como Lady Dy, finalmente chega as telas nos cinemas do mundo. A cantora de “Straug Fruit” e “Gloomy Sunday” reconhecida internacionalmente pelos críticos musicais como uma das maiores vozes na história do jazz, além de ser considerada a responsável por criar o jazz moderno, nos tempos de Black Lives Matter, ressurge para assombrar o status quo norte-americano.
Menina afro-americana e pobre, passou por diversas vicissitudes, a piores possíveis. Aos dez anos foi violentada sexualmente. Posteriormente abandonada por familiares e parentes. Internada numa casa de correção, vítima de abuso, passou por agressões físicas e psicológicas. Aos doze anos fugiu da lá e passou a viver nas ruas pedindo esmolas. Trabalhou num prostibulo em troca de local para dormir e uma refeição por dia. Conseguiu reencontrar a mãe. Muda-se com ela para Nova Iorque, com a mãe doente e desempregada, passou por várias necessidades, tendo que voltar as ruas para pedir esmolas, se prostituiu aos 14 anos, atividade que exerceu até os 18 anos. Engravidou. Abortou no terceiro mês de gravidez, dentro do banheiro de sua própria casa. Devastada pela depressão, várias vezes tentou o suicídio intensificados pelo uso de álcool e drogas.
No Harlem começou a trabalhar como cantora de bar, até que em 1932, atraiu a atenção do produtor musical John Hammond. Que posteriormente a levaria para gravar o primeiro disco com a banda de Benny Goodman. Foi o ponto de partida de uma carreira grandiosa e dramática da artista.
Billie Holiday sofrendo de cirrose hepática em 1959, foi internada, onde foi diagnosticada uma insuficiência cardíaca e edema pulmonar. Enquanto estava hospitalizada, policiais invadiram o quarto de hospital e a prenderam por posse de heroína e maconha.
Ao receber alta, antes mesmo de ser encaminhada a um presídio, Billie Holiday morre, no dia 17 de julho de 1959 em Nova Iorque.
A trajetória da cantora foi relembrada no cinema e interpretada por Andra Day em United States vs Billie Holiday, dirigido por Lee Daniels e estrelado por Andra Day , Trevante Rhodes, Natasha Loyonne, Garret Hedlund . O filme sobre a história da cantora concorreu ao Oscar 2021 e ganhou o prêmio de melhor atriz no Globo de Ouro.
Transcrevo aqui a bela e importante análise do filme por Barry Healy no Blog Green Left sobre United States vs Billie Holiday :
“O sindicalista comunista Abel Meerpol escreveu uma canção em 1937 em resposta a um fotografia de jornal de um linchamento medonho de dois homens negros no sul dos Estados Unidos.
Billie Holiday, que já era um estrela do jazz consagrada, adotou a música ‘Strange Fruit´e a transformou em um hino.
Holiday iria cantá-la no final de sua apresentação no Harlem’s Café Society, a primeira boate racialmente integrada nos Estados Unidos, que atraiu uma multidão de esquerda.
Todas as luzes do palco foram apagadas, os garçons paravam de servir bebidas e a multidão silenciava. Um holofote iluminara de repente apenas o rosto de Holiday quando ela começou a cantar.
O New York Post disse sobre a canção: “ Se a raiva dos explorados já cresceu bastante no Sul, agora tem sua Marseillaise”.
Os Estados Unidos x Billie Holiday mostram que não foram apenas os progressistas que prestaram atenção.
O diretor do FBI J Edgar Hoover criticou pessoalmente a canção e ordenou que suas forças fizessem todo o possível para destruir Holiday. Não é mostrado no filme, mas ele também liberou o FBI contra Meeropol.
Holiday era viciada em heroína. Como Gerald Horne mostrou em sua história recente, Jazz e Racismo, a heroína foi deliberadamente usada pelos criminosos que infestavam a indústria do entretenimento dos Estados Unidos para escravizar artistas.
O FBI designou um agente Black, Jimmy Fletcher, para incriminar Holiday para prisão.
No filme, Fletcher é retratado como um homem decente, atormentado por sentimentos conflitantes sobre o que faz com Holiday. Na verdade, ele era um agente de narcóticos da polícia que vendia heroína às pessoas e as prendia por porte.
Na tela, há um caso romântico entre Holiday e Fletcher, para o qual há escassas evidências históricas. Se for verdade, poderia ter sido apenas mais um dos relacionamentos de exploração que Holiday teve com homens, desde seu estupro aos dez anos de idade e continuado por toda a sua vida.
Muito do que é visto em Os Estados Unidos x Billie Holiday é historicamente preciso ou eventos que poderia ter ocorrido. Seu valor está na descrição do peso extraordinário do racismo nos Estados Unidos e na coragem de Holiday em enfrentá-lo”. Imperdível para quem ainda não assistiu!