O “novo normal Olímpico” e o legado esportivo em meio à pandemia
Sara Azevedo analisa os efeitos da pandemia sobre a realização das Olimpíadas.
O Barão de Coubertin – criador das olimpíadas modernas -, vendo sua grande invenção, deve ter pensado que havia conseguido mudar culturalmente o mundo. Mas, na verdade, construiu um novo espaço de manutenção do poder na era do capital.
Os Jogos Olímpicos nasceram com os princípios da provação humana, do mérito e da honra – com o objetivo da formação de uma moral específica – e, ainda, das disputas por territórios que sempre foram parte da colonização, exploração e opressão de toda humanidade, usando de algo tão naturalmente humano que é o esporte.
Desde de 1896, quando aconteceram os primeiros jogos da era moderna – que ocorrem de 4 em 4 anos -, apenas foram cancelados ou adiados 3 vezes (1916, 1940 e 1944), todas por conta de duas grandes guerras. Pela primeira vez, em 2020, teve seu adiamento por conta de uma pandemia. Portanto, a pandemia mundial de Covid-19, doença causada pelo coronavírus, mudou completamente as relações humanas e caiu como uma bomba no momento de crise do capital. As olimpíadas não ficariam de fora dessa crise. Espero com esse texto mostrar que a olimpíada que ocorrerá este ano será completamente diferente do que estamos acostumados.
O novo normal
A decisão de adiar os jogos em 2020 foi coberta por polêmicas dentro do próprio comitê organizador com o COI (Comitê Olímpico Internacional) e as autoridades japonesas. Não seria por menos. A pressão de diversos países de não participar dos jogos fez com que a decisão fosse tomada. Esses jogos estavam sendo cotados para serem os mais lucrativos da história, atingindo em patrocínios a marca de U$3,1 bilhões. Hoje, já com o adiamento, a perspectiva é que impacte em 1,4% do PIB japonês, deixando os capitalistas mundiais em estado de alerta, portanto pressionando para que os jogos aconteçam, inclusive como medida para conter a já grave crise econômica mundial. O volume de negócios que envolve os jogos olímpicos é também o que faz das Olimpíadas o principal evento esportivo mundial. São números gigantescos. 204 países, 11 mil atletas. Tudo isso em meio a maior pandemia da história, o que deixa o povo japonês inseguro. O país possui uma população de 126 milhões de habitantes e somente cerca de 2% são vacinadas. Além disso, a insegurança aumenta por estarem vivenciando a 3ª onda da pandemia no país e Tóquio, cidade sede, decretou estado de emergência no dia 23 de abril, 3 meses antes da abertura dos jogos olímpicos, devido ao aumento de casos de Covid-19.
Nesse contexto pré-olímpico, são vários os eventos polêmicos. Osaka, uma das cidades sedes, vetou a passagem da tocha olímpica. A Coreia do Norte foi o primeiro país a anunciar a não participação nos jogos por medo da contaminação do coronavírus. A copa do mundo de saltos ornamentais, que seria realizada agora no Japão, e parte da seletiva olímpica foram cancelados numa disputa entre FINA (Federação Internacional de Desportos Aquáticos) e COI. O presidente do Comitê Olímpico Organizador e ex-primeiro-ministro japonês pediu renúncia do cargo, após muita pressão internacional, por falas machistas e sexistas. Nesta semana saíram pesquisas nos jornais japoneses em que mais de 80% dos japoneses são a favor do cancelamento ou adiamento das Olimpíadas.
Atletas não são máquinas.
Para os atletas, o acontecimento dos jogos, passado mais de 1 ano de pandemia entre abertura e fechamento das cidades, quebra justamente o potencial de disputa, tendo em vista a desigualdade de condições de treinamento e proteção sanitária de cada país, além das sequelas físicas causadas pela contaminação, que colocam o mérito em xeque. As condições de segurança também não são adequadas, mesmo usando o sistema de bolha – onde atletas, jornalistas e comissões técnicas e organizadoras ficam restritas entre hotel, centro de treinamento e espaços de competição -, pois não está descartado o público assistir presencialmente, ainda que turistas internacionais estejam vedados. Exemplo de fragilidade desse sistema foi o recente playoff da Superliga de vôlei masculina e feminina brasileira, a partir do qual o presidente da CBV, Radamés Lattari, e o técnico da seleção masculina de vôlei, Renan dal Zotto, permanecem internados desde a contaminação de coronavírus ocorrida no CT do Vôlei, em Saquarema/RJ.
A vacinação dos atletas brasileiros, feita pelo COI, também se mostra imoral para um país que tem a sua população mais pobre morrendo nos hospitais ou em casa, além de ter cerca de 28% com insegurança alimentar.
Cancelar ou Adiar: uma necessidade humanitária
Shigeru Omi, principal assessor médico do governo japonês, questionou se a Olimpíada deveria acontecer.
“Estamos em um momento em que devemos discutir a realização do evento, tendo em conta a situação do aumento dos contágios e a pressão sobre o sistema de saúde, como fatores mais importantes. Meu alerta é que se pense em vários fatores”, disse Omi, em reunião do comitê de especialistas no parlamento japonês.
(Link para matéria: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2021/04/29/Quais-as-cr%C3%ADticas-%C3%A0-realiza%C3%A7%C3%A3o-da-Olimp%C3%ADada-na-pandemia © 2021 )
Com esse alerta da principal autoridade médica do Japão compreende-se o medo e a insegurança sanitária para a realização desses jogos.
A partir de tudo isso, não há outra saída que não o cancelamento ou novo adiamento dos jogos, e isso já está sendo dito e estampado nos jornais. Atletas mundiais e a população japonesa estão sendo colocadas em risco de uma nova transmissão do coronavírus por todo o mundo. Não é uma posição alarmante, pois as condições desses jogos são totalmente atípicos e, portanto, é necessário repensar práticas para que avancemos enquanto sociedade.
As vidas envolvidas não podem ser colocadas em risco. Esse é o principal legado que o esporte pode trazer para toda a humanidade.
Sara Azevedo, Professora de Educação Física da Rede Estadual de Minas Gerais, coordenadora nacional da TLS.
Referências:
5- https://www.bbc.com/portuguese/internacional-51711537
10- https://www.olimpiadatododia.com.br/laguna-olimpico/319141-fina-crise-toquio-2020/