O Vasco sob o arco-íris
Ontem (27) o Vasco da Gama estreou seu novo uniforme inspirado na bandeira e orgulho LGBT. Leandro Fontes, sócio proprietário do Vasco e autor da obra “Vasco: o clube do povo – uma polêmica com o flamenguismo (1923-1958)”, escreve sobre o feito e a história democrática do Vasco.
A bandeira LGBTQIA+ é muito bem-vinda no Vasco. Essa é uma pauta dos direitos civis que chegou atrasada nos meios predominantemente machistas e homofônicos do futebol. Porém, a história bateu com força em nossa porta. Não é à toa que o combate a homofobia se tornou um dos principais temas da Eurocopa. Para tanto, o Vasco acostumado em fazer História de modo pioneiro, frente aos latentes debates em curso na sociedade, precisa ter altivez e solidez em seus princípios fundacionais que sempre guiaram o Almirante para posições de rupturas que transcenderam os limites do desporto.
Nunca é demais ressaltar que o Vasco elegeu e reelegeu, dezesseis anos após a formalização da abolição da escravatura, Candido José de Araújo (1904-1906), o primeiro presidente negro dos grandes clubes no país. O clube, em seus primeiros anos de construção, abarcava no seu quadro social a juventude comerciaria, operários das serralherias a vapor, empregados e empregadores do comércio de secos e molhados. Assim sendo, o Vasco misturou imigrantes erradicados no Rio de Janeiro, comerciantes, assalariados e negros, sob a bandeira da comunhão fraterna e indivisível entre brasileiros e portugueses.
Com os Camisas Negras, Campeões de 1923, a olhos nus, a torcida vascaína foi ganhando pujança e adesão social, no compasso das vitórias avassaladoras e da representação do time vascaíno. Isto é, no auge do futebol elitista e racista, o Vasco com negros, operários e analfabetos, foi o espelho do povo e dos Brasis sem holofotes da aristocrática República Velha. Por isso, a Resposta Histórica foi um marco de insurreição que quebrou paradigmas e que teve efeitos para além dos gramados.
Contudo, a grandeza do Vasco não se resume na Resposta Histórica. Em que pese que a carta assinada pelo icônico presidente José Augusto Prestes ser o nosso feito de honra maior e moldar nossa tradição, ela, ao mesmo tempo, não responde tudo e, menos ainda, transmite sozinha a singular trajetória do Club de Regatas Vasco da Gama.
Portanto, como o brilhante cruzmaltino Aldir Blac escreveu em Querelas do Brasil: “O Brazil não conhece o Brasil”, é preciso conhecer por inteiro nosso passado, ser altivo no presente, para semear o futuro preservando nossas raízes democráticas e valores civilizatórios. E o esporte é um canal poderoso para a transmissão em massa dessa contribuição salutar ao povo brasileiro.
De tal modo, o Vasco é tão distinto dos demais que ser conservador do passado de glórias do clube significa defender o pioneirismo. Quer dizer, ser o destacamento avançando. Ser a vanguarda que rompe caminhos. Foi assim nos primórdios do remo e com os inigualáveis Camisas Negras, com o futebol feminino liderado por Sarah Paradanta em 1923, com as primeiras torcidas organizadas do país (Terra e Mar em 1917 e Legião da Vitória em 1943), o movimento de construção de São Januário, os gritos no Maracanã pelas “Diretas Já!” em 1984, faixas pelo “Fora Collor” em 1992, resistência centenária contra a grande mídia, as campanhas de associação em massa, entre tantos e tantos feitos históricos dirigidos por nosso quadro social e nossa imensa torcida.
Essa é a essência democrática do Vasco. Oposta, portanto, a golpes, perseguições e a ideologias reacionárias. Por isso, a bandeira do arco-íris levantada por Germán Cano em São Januário é muito bem-vinda em nossa caravela.
Se a causa é justa, o exemplo arrasta. Vamos por mais!