O desfile dos tanques e a ameaça de Bolsonaro às liberdades democráticas
Para além da palavra de ordem abstrata de “defesa da democracia”, é a força das ruas e das manifestações que pode derrotar Bolsonaro.
Numa tentativa de demonstrar força em sua campanha golpista pelo retorno do voto impresso, Bolsonaro recebeu na última terça-feira (10), em movimentação inédita, uma coluna de veículos militares da Marinha (aproveitando exercícios agendados em Goiás), que desfilaram pelo Eixo Monumental e pela Praça dos Três Poderes em Brasília, no mesmo dia em que Arthur Lira agendou a votação do voto impresso.
A utilização de tropas para intimidar o STF e o Congresso não é um plano novo de Bolsonaro. A imprensa noticiou sua tentativa de, no voo inaugural do novo caça Gripen da FAB em 2020, fazer o avião supersônico dar um rasante na Praça dos Três Poderes para quebrar vidraças do edifício do STF e intimidar a corte. A provocação teria sido impedida pelo ex-ministro da Defesa e pelo ex-comandante da FAB. Dessa vez, após a troca na cúpula da Defesa e das FFAA, Bolsonaro conseguiu organizar seu desfile patético. Ao contrário do que esperava, no entanto, a exibição de veículos da Marinha levou a uma desmoralização das FFAA e a uma chuva de piadas sobre o estado lastimável do material apresentado, como um tanque com 50 anos de uso expelindo uma nuvem negra de fumaça de motor desregulado.
A votação derrotou a proposta na Câmara, mas o resultado de 229 favoráveis e 218 contrários (além de 64 ausências), tido como uma costura minuciosa de Lira e Ciro Nogueira, permitiu a Bolsonaro no dia seguinte afirmar que, apesar de não ter alcançado o quórum qualificado, a maioria dos deputados votantes desconfia das urnas e concorda com sua proposta. Não é por acaso o esforço do governo, com suas manobras em emendas e orçamentos secretos, para comprar uma base fiel que impeça o impeachment e se torne sócia de seus planos. A retórica golpista continuará.
A questão fundamental é que não se pode alimentar ilusões em instituições como o STF, o Congresso ou mesmo a CPI para derrotar Bolsonaro e seu golpismo. Pode-se e se deve apostar nas contradições do regime, nas divisões e disputas intraburguesas para a defesa de temas pontuais e democráticos: por exemplo, é preciso aproveitar as contradições abertas pela CPI para expor ao público, inclusive bolsonarista, que o governo é corrupto e genocida. Mas a definição fundamental é que, para derrotar Bolsonaro e defender as liberdades democráticas, a única saída é tomar as ruas.
A questão das liberdades democráticas
O governo está enfraquecido e aumenta o isolamento de Bolsonaro. Seus crimes são inúmeros e seu medo de ser preso após o término do mandato é maior do que o de ser derrubado antes das eleições. Por isso, sua resposta é uma política de produção de mais crise e a tentativa de criar as condições para uma intervenção militar que venha a seu socorro. Mas a maior parte da classe dominante não quer uma saída golpista.
Por isso, Bolsonaro põe em marcha uma estratégia de choques permanentes com outras instituições ao mesmo tempo em que, com suas concessões materiais e intervenções, busca o controle das FFAA, da PF e das PMs. Seu objetivo é apresentar-se como uma vítima de uma fraude para convocar os militares ao golpe. É a isso que se refere quando usa sua metáfora rasteira sobre as tais “quatro linhas” da Constituição, que ele desrespeitaria para responder ao STF e ao TSE.
Ao mesmo tempo, o recrudescimento do discurso golpista de Bolsonaro sinaliza a sua base – parte da qual está infiltrada em várias instituições do Estado, especialmente em forças policiais e mesmo na Justiça – a orientação de ataque às liberdades democráticas. Por isso, a prisão de Paulo Galo é um exemplo para o ativismo: uma prisão ilegal e arbitrária, que foi mantida por chicanas judiciais em São Paulo mesmo com decisões contrárias no STJ, sob a “justificativa” de que Galo pertencia a um movimento social e que não havia delatado outros participantes na intervenção na estátua de Borba Gato. Apesar de já estar em liberdade, a perseguição a Galo deve servir de alerta.
Enfrentar o golpismo, a perseguição aos ativistas e preparar o contra-ataque
Para além da palavra de ordem abstrata de “defesa da democracia” – utilizada até mesmo pelos partidos burgueses que deram dezenas de votos a favor da proposta golpista de voto impresso na Câmara –, é a força das ruas e das manifestações que pode derrotar Bolsonaro agora, impedindo que sua estratégia golpista seja vitoriosa e construindo um programa de saída para a terrível crise que vive o Brasil: uma escalada de mortes pela Covid, vacinação a conta-gotas, fome, inflação de alimentos e queda do nível de vida do povo trabalhador, dezenas de milhões de desempregados ou lançados à informalidade, aos bicos e à precarização.
A luta contra o golpismo bolsonarista deve unir-se, então, à defesa de medidas que unam a classe trabalhadora, a juventude estudantil e da periferia, e o ativismo numa luta contra os novos ataques aos direitos trabalhistas, as privatizações e a reforma administrativa nas manifestações de 18 de agosto, além do chamado dos trabalhadores dos Correios para uma greve nacional.
É preciso lutar contra a perseguição aos ativistas, lutadores do campo e da cidade, de que são exemplos os processos que se arrastam contra Zé Rainha e Claudemir Novais, da FNL, para dar um exemplo. É hora de dar um ponto final no governo Bolsonaro e dos seus generais para colocar a extrema-direita em seu lugar de excelência: a lata de lixo da História.