A profecia autorrealizada do campo Semente
O debate sobre tática eleitoral em São Paulo tem desdobramentos estratégicos nos quais o campo Semente do PSOL tem grande responsabilidade.
Na recente matéria do jornal Brasil de Fato, um dirigente petista refutava a presença do PSOL na chapa de Fernando Haddad para o governo do estado de São Paulo utilizando o argumento de que Juliano Medeiros, o nome cogitado pela maioria do PSOL, não teria sido “testado nas urnas”.
Não concordamos com esse tipo de debate. Para entender o que está acontecendo nessa importante negociação, temos que sair do mundo da aparência e buscar as questões de fundo, por detrás das forças políticas e sociais que estão em debate.
Como já definimos, Haddad e o PT precisam fechar uma chapa “ampla”, ou seja, bastante palatável ao conjunto da burguesia e do establishment paulista. Uma ala do PSOL quer ser parte da chapa do futuro governo (se possível na condição de vice) e tecer um bloco mais orgânico e permanente com o PT. A contrapartida desse bloco seria uma aliança para 2024 nas principais prefeituras do estado, com destaque para a capital paulista, onde Boulos não esconde seu desejo de disputar novamente a prefeitura.
Dentro do PSOL, contudo, esta ala de Boulos e Juliano Medeiros, chamada PSOL Popular, não tem maioria para impor sua linha. Seu bloco tem o mesmo peso que o Bloco da esquerda partidária, com pouco mais de 40%. A posição de liderança dentro da direção nacional e local do Partido se deve a composição de um “campo*” mais amplo, chamado “PSOL de todas as lutas”, com os setores agrupados no chamado campo “PSOL Semente”. Fiel da balança nas votações partidárias, com 15%, o chamado “Campo Semente”, não compartilha da estratégia política do PSOL Popular.
Após a conferência eleitoral, contudo, o PSOL está dividido sobre três temas:
– o caráter do apoio à Lula; – a necessidade de candidaturas próprias nos principais estados do país; – a participação em governos burgueses de conciliação de classes.
O campo Semente defendia no começo do semestre dois pontos fundamentais: a não participação nos governos e candidaturas próprias nos estados centrais (MG, RJ e SP).
Os quadros da Resistência afirmaram diversas vezes que o PSOL deveria ter candidato ao governo de SP. Deborah Cavalcante, uma das principais dirigentes, escreveu em artigo, em 21 de março, condições para que o PSOL pudesse compor a chapa com Haddad. Foi bastante aguda na definição de que
“Uma repetição dos marcos da chapa nacional, com PSB de Alckmin e França e/ou com partidos do centrão, empurra o PSOL para a candidatura própria. Não é possível apresentar uma alternativa política transformadora ao lado dos ex-governadores que promoveram ataques contra o povo e o desmonte dos serviços públicos. Uma chapa com esta natureza não poderia defender o programa necessário para enfrentar a crise com um programa que responda às emergências do povo pobre.”
Nos meses que se seguiram, contudo, o que se verificou foi a interdição do debate entre a militância do PSOL, onde as negociações foram e estão sendo feitas sob quatro paredes; não se apresentaram exigências programáticas ao PT e Haddad, não se reuniram instâncias partidárias para discutir quais seriam os nomes e eixos que o PSOL levaria para sociedade, e o campo Semente não informou qual seria sua linha para tal situação.
No próximo sábado, em ato político, na cidade de Diadema com a presença de Lula, será anunciada a chapa de Haddad com Márcio França. Ainda que alguns dirigentes do PSOL sigam plantando na imprensa que pretendem ter a vice ou lançar candidatura ao senado, os rumores são de que França não desiste de ser o nome exclusivo da chapa e que nomes como o de Jonas Donizette, ex-prefeito de Campinas, seria o preferido para vice de Haddad.
A militância sequer está informada por sua direção do que está em debate.
O que aconteceu foi uma verdadeira estafa. Uma após outra reunião da executiva estadual do PSOL cancelada, a tentativa de contatos com as direções do campo semente e o adiamento das discussões.
Diante do silêncio sepulcral quanto a necessidade de debater a tática do PSOL, foi se consolidando a realidade já prevista. Haddad ao governo, França ao senado e o PSOL rendido.
Estamos no pior dos mundos. O campo Semente se debate com suas contradições: a linha de não romper a aliança interna “PTL” a todo custo leva a uma linha de aceitação, sem volta das condições impostas pelo grupo de Boulos e Juliano. Sem preparar o debate para colocar um nome para entrar no debate – lembrando que retiramos o nome de Mariana Conti, informando oficialmente ao campo Semente que eles teriam condições de indicar um nome que se torna-se majoritário na conferência partidária – agora vai restar o argumento de que “é tarde”, ou inviável. A pergunta é, para além da metafísica, o que explica essa inação que deriva na lógica da aceitação de não ter candidatura própria? Porque o campo Semente optou, na prática, por tal definição?
Essa questão se relaciona diretamente com as outras duas questões centrais no debate interno do PSOL. O campo PSOL Popular não apenas não esconde que quer ser parte do governo, como almeja estar (de forma pouco realista) no centro de um governo Haddad-França, indicando a vice. A discussão que foi adiada para dezembro, sobre participar ou não de governos, é atropelada, ao PSOL Popular manifestar e lutar, publicamente, para estar numa chapa “viável” com PT, no maior estado do país. A segunda questão, sobre como participar do processo eleitoral com Lula, se de forma pontual ou programática, também se coloca sobre a mesa, já que preparar-se para disputar o “plano de governo” de Haddad, é a mais nítida resposta do PSOL Popular para esse tema.
A urgência do debate não está só na tática. Os próximos passos do PSOL terão desdobramentos estratégicos.