Plenária do PSOL-RS forma consenso sobre independência em relação ao governo Lula
Sigla promete apoiar nova gestão, mas defende espaço para defender pautas contrárias a dos partidos neoliberais e à extrema direita
Em plenária realizada na tarde de sábado (26), dirigentes e militantes de todas as correntes do PSOL-RS manifestaram-se a favor da manutenção da independência do partido em relação ao governo Lula. O consenso é que a recusa em ocupar cargos na nova gestão petista garantirá um melhor enfrentamento às forças políticas que apoiam o atual presidente Jair Bolsonaro (PL) e que compõem o Centrão, tanto nos parlamentos quanto nas ruas.
A adesão do PSOL será definida em reunião da Executiva Nacional, no dia 18 de dezembro, em São Paulo. Porém, até o momento, só o PSOL-RS levou esse debate aos filiados.
“O desafio da elaboração coletiva é fundamental, por isso que nós fizemos essa reunião. É um canal para que possamos trabalhar e pensar profundamente quais os passos que vamos dar”, defende o presidente do PSOL em Porto Alegre, o vereador Roberto Robaina, integrante do Movimento Esquerda Socialista (MES).
Em sua fala na plenária, Robaina lembrou conceitos de Max Weber – a ética da responsabilidade e a ética da convicção – para justificar a postura do partido. O dirigente acredita que a primeira expressão há de reger o governo de coalizão formado pelo Partido dos Trabalhadores para derrotar Jair Bolsonaro nas eleições 2022. enquanto o segundo termo envolve a coerência que caracteriza o PSOL desde sua fundação.
“O governo Lula e o PT farão concessões. Muitas. E digo mais, e digo mais, talvez tenham que fazê-las. Essa é a ética da responsabilidade. Mas podemos e devemos, nós, do PSOL, ficarmos com a ética da convicção, que é aquela que diz que não precisamos fazer concessões. Nessa mesma lógica, o que temos que analisar é que em política, é muito importante levar em conta a relação de forças entre as classes e os partidos políticos. Às vezes, a relação de forças que é dada, te obriga a aceitar uma determinada orientação política que não é a orientação que tu desejas. A orientação que deve ser feita [pelo governo] é a orientação possível naquela relação. Mas quem pretende construir o novo, quem pretende mudar o futuro, ou seja, fazer com que o futuro seja diferente do presente precisa, sim, levar em conta a relação de forças, mas, às vezes, deve apostar numa política que não é a do possível, mas a do impossível. E se não houver um setor político lutando para que isso se realize, esse impossível nunca se tornará realidade. E o PSOL tem que ser, sim, o partido que exige o impossível”, afirmou.
A vereadora Karen Santos, do Coletivo Alicerce, acrescentou que a militância do PSOL precisa se manter à disposição da defesa das lutas dos trabalhadores, e não ficar atrelado a compor um bloco governista comprometido com interesses tão diversos.
“O petismo não vai trabalhar o protagonismo do povo. Se a gente não quiser comer comida com agrotóxico, vamos ter de combater o latifúndio. Nós seremos convocados a sermos responsáveis por pautas como essas”, disse a parlamentar.
Beth, da tendência Comuna, lamentou que nas últimas eleições o PSOL não tenha lançado candidatura própria, mas valorizou o trabalho intensivo da militância do partido na construção da vitória de Lula à Presidência. Em seu ponto de vista, aderir ao novo governo acabaria por calar a sigla.
“Seria ser um ‘cala-boca’. ‘Não pode dizer isso’, ‘não pode fazer aquilo’. O que temos a fazer nesse governo? Além de não participar, temos de acelerar muito nossa organização interna, porque teremos batalhas duríssimas pela Educação, pela Saúde…”, comentou.
Não a Lira
A deputada federal Fernanda Melchionna também usou a palavra. Ela está liderando no país a posição do PSOL de não aceitar o nome de Arthur Lira (PP-AL) como candidato à reeleição à presidência da Câmara dos Deputados, e lançar um nome próprio de esquerda.
Na terça-feira (29), a federação que reúne PT, PV e PCdoB anunciou apoio à recondução de Lira, um erro na avaliação da parlamentar. Entre outros fatos, ela relembra da proteção ostensiva do chefe do Centrão a projetos como o orçamento secreto e a blindagem da família Bolsonaro.
“Se Bolsonaro seguiu fazendo horrores foi pela base alugada construída na Câmara com centrão e com Lira. A reeleição de Lira seria um pá de cal na luta para acabar com o Orçamento Secreto e avançar nas bandeiras democráticas que nosso país precisa. Não terá o voto do PSOL”, afirmou.
Roberto Robaina acrescenta ser preciso “algum partido de esquerda que não atue com a lógica dos acordos para garantir o possível numa relação de forças dada”. E explica:
“É preciso existir algum pólo que seja de esquerda que diga: ‘Não entramos nesse jogo’. Caso contrário, teremos apenas uma extrema direita crítica ao sistema, embora sua verdadeira estratégia seja desenvolver o que de pior existe no sistema burguês. O PSOL deve ser uma esquerda crítica anti sistema capitalista que diga que o centrão é corrupção. Que diga que Bolsonaro e seus crimes não serão esquecidos. Nem os crimes dos autores do orçamento secreto. Por isso não apoiaremos o nome de Lira”, pontuou.
Exigir o impossível
Ainda em sua fala, Roberto Robaina remeteu ao lema das manifestações populares de maio de 1968, em Paris: “Sejamos realistas, exijamos o impossível”. O contexto político que motivou os protestos estudantis na capital francesa, que escalaram para uma greve geral histórica, é, segundo o parlamentar, semelhante ao vivido hoje no Brasil. Isso torna mais nítida a necessidade de uma esquerda unida em suas pautas.
“Apesar que nós, aqui nessa plenária, tenhamos esse mesmo acordo, um acordo fundamental de todas as forças do PSOL do Rio Grande do Sul, sabemos que essa compreensão de que não é fácil de chegar. Isso faz com que nós, da direção do PSOL do RS, tenhamos que ter a responsabilidade de construir um partido cada vez mais unitário. Por que digo isso? Porque o PSOL é um partido complexo, que tem cerca de 250 mil filiados, mas não tem 10 mil militantes. O PSOL é um partido basicamente eleitoral, e muito fracionado, muito dividido, com muitas tendências. Nós, que tivemos a cultura democrática, seja do trotskismo ou seja da origem do PT, sempre defendemos a ideia um partido com tendências, com direito de tendências, mas é preciso também entender a necessidade de que se tenha um partido com capacidade de compreensão comum sobre as tarefas, que atue de modo unitário. Mas, para que isso ocorra, é preciso ter debate político é preciso chegar a algumas compreensões em comum sobre o recorte da realidade. No PSOL Nacional isso ainda não existe”, criticou.
A presidenta do PSOL-RS, Luciana Genro, destacou que ainda que as diferentes tendências do partido possam ter feito diferentes avaliações sobre a atuação do partido no processo eleitoral, todos convergiram ao mesmo sentido nos fatores mais essenciais.
“O PSOL do Rio Grande do Sul tem essa clareza política fundamental, de que nosso lugar é um lugar de independência, o lugar da luta, da mobilização. E que é necessário, como falaram aqui vários companheiros, irmos fazer trabalho de base, construir os núcleos do PSOL nos bairros, nas periferias, nos movimentos, para garantir que nosso partido tenha essa força, que a gente possa ser um corpo político que tenha condições de, no próximo período – que será duro, de enfrentamento, de luta contra a extrema direita -, nos postularmos como alternativa à esquerda nesse processo”, finalizou