Cinquenta anos de lutas e revoluções na América Latina

Em artigo escrito em 2009, o autor discute sobre as lutas e revoluções na América Latina ao longo do século XX.

Pedro Fuentes 11 set 2017, 18:13

Republicamos artigo de Pedro Fuentes escrito em 2009 sobre as lutas e revoluções na América Latina ao longo do século XX. Apesar de se tratar de um documento datado a respeito de processos que seguiram em andamento (como na Venezuela), trata-se de um artigo útil para a reflexão sobre a “via pacífica ao socialismo” neste 11 de setembro, quando se completam 44 anos do golpe no Chile.

Apresentação

Apresentamos este texto que foi escrito num primeiro momento como material de subsídio para um seminário do MES-PSOL sobre a América Latina. Por falta de tempo, não pudemos fazer uma verificação mais rigorosa de datas e seguramente também deixamos de lado acontecimentos importantes. Contudo, decidimos publicar sem maiores correções, pressionados pela nova situação continental que vive a América Latina.

Naquele momento, a nacionalização do petróleo na Bolívia anunciada por Evo Morales em 1º de maio era o fato mais importante e o resultado também de uma cadeia de acontecimentos que vêm tendo lugar na América Latina há aproximadamente seis anos: levantes, insurreições populares (Argentina, Bolívia e Equador) e a derrota pela primeira vez em muitas décadas, em 13 de abril de 2002, do golpe orquestrado pela Casa Branca na Venezuela. Esta nacionalização colocou a querida Bolívia no caminho de Venezuela e Cuba, países que, mesmo com diferenças em sua estrutura econômica e social, são hoje independentes do imperialismo.

De lá para cá, o processo teve um aprofundamento muito importante. Consolidaram-se esses países independentes e formou-se a ALBA. Agora, estamos em um novo momento com o golpe em Honduras, um novo golpe no continente em um contexto diferente ao das décadas anteriores e que tem mais similitude com a mencionada Venezuela. Este golpe mostra uma “continentalização” do processo revolucionário – algo que não tinha acontecido nas ultimas décadas – e uma nova situação com novos alinhamentos na luta anti-imperialista. Abre-se a possibilidade de uma confrontação com grande solidariedade internacionalista que pode ser triunfante.

As novas camadas de jovens lutadores não conhecem a rica trajetória de lutas e o acúmulo de experiências que os lutadores socialistas tiveram. Hoje, é muito útil retomá-las, já que delas podemos extrair numerosas lições para enfrentar os acontecimentos atuais. Uma história de revoluções como também de contrarrevoluções e invasões militares ianques. História que a burguesia quer fazer-nos esquecer para que não se veja que a luta de classes, também em nosso continente, tem sido o motor da história e seguirá sendo.

Dividiremos este processo de lutas em vários capítulos que correspondem a certos períodos ou etapas da luta, focando as revoluções, insurreições e as contrarrevoluções ou golpes que marcam a história de nossa querida América Latina.

Índice

I. História – O caráter da colonização luso-espanhola e as guerras de libertação nacional contra o império espanhol

II. 1945 –1955 – O auge dos movimentos nacionalistas burgueses e a primeira revolução operária na Bolívia

III. 1959 – A Revolução Cubana de 1959 e sua irradiação pela América Latina

IV. 1968-1975 – O ascenso no Cone Sul: As semi-insurreições operárias da Argentina, a greve geral do Uruguai e o governo de Allende no Chile na onda do maio francês de 1968

V. 1979 –1984 – As Revoluções Nicaraguense e Centro-Americana

VI. 1982-1984 – Queda das ditaduras na Argentina e no Brasil

VII. A partir de 1998, abre-se uma nova situação latino-americana: Nacionalismo revolucionário e novos governos e países independentes


I. História – O caráter da colonização luso-espanhola e as guerras de libertação nacional contra o império espanhol

O caráter da colonização

A história oficial burguesa comemora o 12 de outubro de 1492 como o dia do descobrimento da América. A realidade, entretanto, é que tal data marca o início de um saque imperial tremendo, nunca antes visto, que permitiu o desenvolvimento do capitalismo europeu às custas do maior genocídio de toda a história (cerca de 100 milhões de pessoas). A esta matança, seguiu-se o tráfico de negros da África para produzir uma nova força explorada sob formas escravistas com o claro propósito capitalista de exploração e apropriação das riquezas.

A barbárie imperial provocou dois processos de lutas democráticas: a guerra de libertação nacional contra o imperialismo e a luta pela abolição da escravidão. Ambas combinaram-se de distintas formas e, ainda hoje, têm sua continuidade.

No Haiti, como trataremos de forma breve ao final do capítulo, deu-se a primeira revolução popular negra. Influenciados pela Revolução Francesa, os negros tomaram o poder retirando os franceses e retendo-os por vários anos.

No marxismo, houve uma polêmica em torno de que tipo de revolução resolveria as tarefas democráticas com que nos deparamos na América Latina:

a) Os etapistas, concretamente os Partidos Comunistas, estabeleciam que a independência nacional era uma tarefa democrático-burguesa concretizada por uma revolução burguesa como a francesa e as que tiveram lugar nos países capitalistas avançados. Nelas, foram derrotados os senhores feudais, uniram-se os países num só mercado com as novas fronteiras nacionais e terminaram os latifúndios com a imposição da reforma agrária e da união nacional.

Para sustentar tal tese, eles defendiam que a colonização, levada adiante pelos impérios, havia sido feita sob o sistema feudal. Por isso, o que se estabelecia era uma revolução burguesa, conduzida pela própria burguesia, para enfrentar o feudalismo.

b) Nós, em particular Moreno na década de 1940, junto a outros brilhantes historiadores latino-americanos, sustentamos que a colonização, na grande maioria das regiões e países, foi capitalista. Assim, foram combinadas formas de produção escravistas e feudais, já que tal colonização estava a serviço do comércio mundial e a expansão capitalista era dominada pelo modo de produção burguês.

Por isso mesmo, para nós, não havia primeiro uma revolução burguesa que impusesse o capitalismo moderno e depois outra socialista. Não havia duas revoluções, mas sim uma só. As tarefas democrático-burguesas da independência nacional, da reforma agrária, do fim do escravismo e da discriminação racial combinavam-se com uma revolução socialista. No fundo, é também em outro plano que se coloca, como veremos, a discussão do programa democrático-popular.

As guerras de libertação contra o império espanhol

As independências dos países dominados pela coroa espanhola foram verdadeiras guerras de libertação, que conseguiram a independência dos países, levadas adiante pelas burguesias nativas que emergiam politicamente no calor da revolução francesa e da guerra de independência nos EUA. Por isso, consideramo-las revoluções democrático-burguesas. Na luta pela independência latino-americana, surgiram os latifundiários nativos, essencialmente os militares de alto escalão, que passaram a ter grandes extensões de terra e a governar em acordo com as burguesias comerciais e industriais nascentes.

Foram mais de duas décadas – de 1810 a 1830 – de levantes populares e de uma guerra de libertação na qual se criaram verdadeiros exércitos populares. Uma luta que teve um caráter continental. Os principais protagonistas foram o exército de Simón Bolívar, que libertou Venezuela, Colômbia e Equador, e o de San Martín, que consolidou a independência argentina e libertou Chile e Peru. Estes exércitos libertadores se encontraram na cidade equatoriana de Guayaquil. Neste momento, Bolívar defendeu a idéia de uma Grande América Latina Unida, mas não houve acordo. Logo, Bolívar terminou libertando a Bolívia, com o que se consolidou a total derrota do imperialismo espanhol.

Nessa época, os imperialismos inglês, em ascenso, e francês atuaram para evitar o surgimento de uma América Latina unida, que poderia ter sido uma poderosa federação latino-americana, como foram os EUA, onde a luta pela independência (que ocorreu mais ou menos cinqüenta anos antes) fez com que as nove colônias inglesas se federassem em uma única nação. A independência do Brasil, mais conhecida, seguiu um curso de negociações diante da debilidade do império português.

Contudo, nós, latino-americanos, não podemos nos esquecer que no Haiti, país mais pobre e hoje ocupado por tropas brasileiras e argentinas a serviço da política de dominação ianque, ocorreu a primeira revolução negra, que levou à independência do Haiti da França na época da Revolução Francesa. Essa foi uma verdadeira revolução popular que logo foi esmagada.

Com as revoluções de independência, os países latino-americanos não alcançaram uma integração regional nem resolveram todas as tarefas democráticas colocadas. Não se resolveu a questão da reforma agrária à exceção de alguns países e regiões como o México com a revolução do começo do século XX, a Bolívia com a revolução dos anos 50s e o Peru com a reforma agrária da década de 1960.

Na realidade, toda a história da América Latina está atravessada pela luta contra o imperialismo e sua colonização porque as tarefas sociais e de libertação nacional não foram resolvidas. A luta contra o imperialismo apresentou-se primeiro contra os colonizadores espanhóis, portugueses e franceses. Na seqüência, contra o imperialismo dos EUA.

Cumprindo nosso prognóstico, o único país que alcançou uma definitiva ruptura com o imperialismo e realizou a reforma agrária foi Cuba, onde se combinaram as tarefas democráticas e socialistas porque houve rompimento com a burguesia.


II. 1945 –1955 – O auge dos movimentos nacionalistas burgueses e a primeira revolução operária na Bolívia

No período posterior à Segunda Guerra, há um deslocamento da dominação imperialista e abre-se uma situação revolucionária mundial. Com ela, surgem novos países socialistas, colônias como a Índia encontram a independência e também surgem poderosos movimentos burgueses nacionalistas. Destes, os mais destacados foram o nasserismo no Egito, o peronismo na Argentina, além de Cárdenas no México. Foi um processo bastante geral na América Latina.

Estes governos, ainda que não tenham tomado medidas estruturais contra as burguesias locais, tiveram choques muito grandes com o imperialismo. Nasser, por exemplo, nacionalizou o canal de Suez. Perón nacionalizou todo o transporte ferroviário, impondo o monopólio do comércio exterior, mas não tocou na oligarquia agrária. Para poder levar adiante tais medidas, fizeram importantes concessões aos trabalhadores que se mobilizaram em seu apoio. Tratou-se de uma espécie de capitalismo de Estado que Trotsky denominou bonapartismo sui generis.

O imperialismo ianque, hegemônico no pós-guerra deslocando a Inglaterra, não aceitou esses governos, enfrentou-os para obrigá-los à submissão e organizou golpes contra eles. O mais destacado foi o golpe gorila contra Perón, na Argentina em 1955, que abriu uma luta de resistência e greves gerais encerrada em 1959. Financiou, também, o golpe na Guatemala para derrubar o governo de Jacobo Arbenz provocando um massacre de 200 mil pessoas. Em 1963, a CIA organizou e financiou igualmente na República Dominicana outro golpe de Estado – desta vez contra o presidente Juan Bosch –, invadindo o país enquanto as tropas do regime títere de Joaquín Balaguer, imposto por Washington, assassinaram o militar institucionalista Coronel Francisco Manuel Caamaño, que havia tratado de resgatar as traídas e perdidas liberdade e soberania de seu país.

Vargas, Lázaro Cárdenas e Perón sinalizam o começo e fim do nacionalismo burguês de enfrentamento ao imperialismo. Os poderosos movimentos ou partidos nacionalistas e as burguesias, a partir daí, foram cada vez mais domesticados e submetidos por golpes ou cooptação pelo imperialismo hegemônico. Isto se deu com os grandes movimentos políticos que haviam surgido como o trabalhismo no Brasil, o peronismo na Argentina, o PRI no México, o PARA no Peru e significou um avanço da colonização imperialista. A partir de então, fecha-se o ciclo de enfrentamento ou de atritos das burguesias nativas que se mostram capazes de enfrentar o imperialismo.

A revolução boliviana

Em meio a esse processo, há um país em que a mobilização sai das mãos do movimento nacionalista. Trata-se da Bolívia em 1952. Para as novas gerações militantes, a Bolívia é mais conhecida por ser um país pobre onde morreu Che nas mãos do exército. Mas a Bolívia é também o país de mais revoluções na América Latina. É o país onde se juntaram, de forma mais concentrada, as grandes contradições de nosso continente latino-americano, saqueado primeiro pelo imperialismo espanhol e logo pelos imperialismos britânico e ianque. Como relata Galeano, a Bolívia teve em Potosí a cidade mais rica e uma das mais povoadas do planeta em 1650. Não por coincidência, é também o país com mais golpes de Estado: 170 golpes em 157 anos de independência nacional.

Nos mesmos cenários em que ocorreram as insurreições de 2003 e 2005, nas cidades de El Alto, La Paz e nas grandes zonas mineiras de Oruro, aconteceu há 50 anos a revolução de 1952. No começo de abril deste ano, a classe operária, influenciada pelo trotskismo, levou adiante umas das revoluções operárias mais perfeitamente conhecidas. Destruiu o exército, construiu milícias operárias e camponesas como o único poder real do país e organizou a Central Operária Boliviana (COB) que centralizava todo o movimento operário e camponês e suas milícias. Foi a mais importante revolução de nosso continente, que infelizmente não levou os trabalhadores ao poder porque a COB entregou o poder que estava em suas mãos ao Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR), um partido burguês nacionalista que, com o tempo, conseguiu desmontar a revolução.

Como falávamos antes, o processo nacionalista encabeçado pelo MNR na Bolívia, neste período, foi extremamente contraditório e convulsivo, levando a golpes, insurreições populares e guerras civis. O movimento “nacionalista” estava prisioneiro entre a força de “la rosca”, constituída pelos grandes latifundiários e os grandes proprietários de minas, em parte testas de ferro das empresas ianques, e um movimento de massas extremamente empobrecido e radicalizado, que se foi desenvolvendo como vanguarda do proletariado mineiro.

Em 21 de julho de 1946, uma insurreição popular das massas urbanas em La Paz terminou com o governo de Villarroel, que encabeçava um governo que tinha atritos importantes com os EUA de um lado e os latifundiários de outro, mas que não resolvia nenhum dos problemas do país. A violência se viu condensada no fato de que Villarroel e vários ministros, aos gritos de “Villarroel ao farol!”, foram assassinados e pendurados em pontos de destaque da praça principal da cidade de La Paz.

Os trabalhadores mineiros e o trotskismo

Este contexto explica por que em 1946, em dois sucessivos congressos de mineiros, o trotskismo, formado nos anos 30s e que era até então uma formação pequena que representava essencialmente um setor de intelectuais, converteu-se na força majoritária, deslocando tanto o Partido Comunista quanto os setores nacionalistas. Esse setor social, mais concentrado e que mais peso tinha na economia do país, fez a experiência com as propostas do militares golpistas que falavam de socialismo, com a política pró-burguesa do Partido Comunista, com o nacionalismo inconsistente do MNR e começou a colocar sua atenção nas posições do POR, Partido Operário Revolucionário, integrante da IV Internacional. Assim foi em seu Terceiro Congresso que, sob a inspiração do POR, se pronunciou pela escala móvel de horas e de salário, ocupação das minas e sua nacionalização sob controle operário.

Após a insurreição de julho e sob a influência da maré revolucionária que não se havia detido, realiza-se um novo congresso extraordinário no qual se votam as Teses de Pulacayo em que se fala diretamente da tomada do poder pelos trabalhadores através de uma revolução.

A insurreição triunfante

As teses de Pulacayo não foram um programa distante da realidade, escrito entre quatro paredes e imposto aos mineiros pela habilidade de algum orador. Foi resultado de uma vanguarda operária muito forte e politizada, mas que não conseguiu hegemonizar o processo como um todo quando chegou o ápice revolucionário.

Colocaram-se à prova em abril de 52. Chegou-se a esse ano logo depois de uma violenta guerra civil em 1949, de uma greve geral revolucionária em 1950 e eleições posteriores em 1951 nas quais triunfou o MNR. Provocou-se uma situação de pânico na grande oligarquia, que levou os militares a um novo golpe que deu o poder a uma nova Junta Militar. O MNR, junto com um setor dos militares, decidiu dar um contragolpe palaciano com o qual pensava colocar um militar mais próximo no governo.

Este golpe devia ser apenas um levante de horas e de alguns quartéis e militantes do MNR para tomar o Palácio Quemado de La Paz, mas transformou-se em uma revolução operária e popular que triunfou. Os trabalhadores e o povo saíram às ruas, armaram-se assaltando arsenais, enfrentaram uma encarniçada luta de dois dias enfrentando o exército e o derrotaram. O trotskista argentino Liborio Justo relata em seu livro sobre a Bolívia: “De 9 a 11 de abril, a cidade de La Paz viveu suas sessenta horas vermelhas. A luta que começou de bairro em bairro definiu-se de casa em casa. Em Oruro, os mineiros desarticulam as forças do regimento que se dispunha a levar seus efetivos para La Paz. Sobre a borda de El Alto os operários de Millumi jogam cargas de dinamite sobre a cidade como mensagens de alento. Tomada a retaguarda das tropas pelos mineiros, os revolucionários de La Paz reiniciaram a ofensiva. Em poucas horas, resolve-se a sorte da luta a favor da revolução. Sete regimentos perfeitamente equipados foram vencidos”.

O poder fica com o movimento nacionalista, o MNR

O exército foi destruído e o poder caiu nas mãos das milícias armadas da federação mineira, dos sindicatos de La Paz e dos camponeses. A onda revolucionária não se deteve com este triunfo. Poucos dias depois, era criada a COB que nucleava todos os trabalhadores organizados e suas milícias, à qual se somaram, em pouco tempo, os sindicatos camponeses. As milícias armadas centralizadas na COB eram o único poder efetivo e existente a tal ponto que o Palácio Quemado era precisamente protegido por elas. Mas dentro estava o governo do MNR, de Paz Estensoro e Silez Suazo, aos quais a revolução entregou o governo.

A insurreição foi de fato dirigida pelos operários mineiros influenciados pelo POR e o setor de Lechin, dirigente mineiro do MNR e representante da burocracia sindical. O POR aceitou essa política, sob a fórmula de que devia ser um governo transitório. O governo incorporou cinco ministros operários para, como diziam as mesmas Teses de Pulacayo, “enganar os trabalhadores e conseguir que os explorados abandonem seus próprios meios de luta”. E esta negativa em tomar o pode teve essas conseqüências para os trabalhadores. O MNR no poder se viu obrigado a cavalgar o processo revolucionário para ir desmontando-o num processo que durou muito tempo, mas que conseguiu salvar o regime burguês.

A nacionalização das minas aconteceu um ano depois pagando indenizações que salvaram a burguesia mineira, que estava golpeada não só politicamente, mas também economicamente por anos de ascenso das lutas e baixa produção. Em contrapartida a reforma agrária camponesa foi levada adiante em todo o planalto e esta se converteu durante muito tempo na base social do governo do MNR.

Com as minas nacionalizadas, os operários mantiveram durante mais de uma década o controle operário da produção. Mais de um ano depois, refunda-se o exército sob o rótulo de novo exército da revolução. Contudo, as milícias operárias serão parte da realidade boliviana por muitos anos e terminarão de ser desarmadas com o golpe sangrento de Barrientos no ano de 1965, quando foi fuzilado numa mina o dirigente mineiro trotskista Cesar Lora.

A luta de classes não parou durante essas décadas. O proletariado boliviano sofreu uma derrota por não tomar o poder, mas nunca foi esmagado pela contrarrevolução como aconteceu em outros países latino-americanos. Isto explica a existência sistemática de novas expressões de luta revolucionária e muito pouca estabilidade da burguesia. Em 70, foi a Assembléia Popular que nucleava todos os trabalhadores e que sustentou a forte luta contra os golpes da direita. Em 85, com uma greve geral de 16 dias, na qual os mineiros estiveram na vanguarda ocupando a cidade de Oruro, enfrentando o governo do MNR. A greve geral não se transformou em insurreição e dessa maneira terminou sendo derrotada, dando um forte golpe nos trabalhadores, o que permitiu que começassem as privatizações e o fechamento de minas, mergulhando na crise a mineração da Bolívia. Estes são os antecedentes que explicam que a Bolívia volte a ser hoje a vanguarda do processo de luta contra o imperialismo.

A ação de nossa corrente política neste período

Frente aos governos nacionalistas burgueses, a esquerda teve diferentes políticas. Nossa corrente, então muito jovem, teve um período de sectarismo e propagandismo sem compreender os aspectos progressivos que tinha o peronismo em seu enfrentamento com o imperialismo. Revertemos tal política em 1952, quando entramos no Partido Socialista da Revolução Nacional onde estavam setores socialistas que apoiavam o peronismo. Fomos a corrente que, mesmo pequena, mais se lançou contra o golpe gorila convocando a greve geral contra o mesmo. Depois, durante a resistência, fizemos entrismo por vários anos no movimento peronista como Palavra Operária (Palabra Obrera), que se autodenominava Peronismo Operário Revolucionário. Por isso, fomos atacados por toda esquerda, em particular no trotskismo, mas, dessa maneira, ligamo-nos à classe operária e superamos o sectarismo.


III. 1959 – A Revolução Cubana de 1959 e sua irradiação pela América Latina

A outra grande revolução de nosso continente foi a cubana. Diferentemente da Bolívia, triunfou, derrotou a burguesia e o imperialismo e expropriou os principais meios de produção. Mas esta não é a única diferença. A outra é que a Revolução Cubana não foi encabeçada pela classe operária, mas foi uma combinação de uma guerrilha de extração social pequeno-burguesa apoiada em um movimento democrático incentivado por setores da burguesia que haviam rompido com a ditadura de Batista nas cidades.

Cuba era uma pequena republiqueta dos EUA, famosa por seus cassinos e lugar de turismo da burguesia ianque, com os engenhos no campo como a principal indústria nas mãos do imperialismo. O movimento 26 de Julho era um movimento da classe média democrática das cidades e de setores burgueses contra Batista, com vinculação com a burguesia ianque dos democratas e republicanos nos EUA. Este movimento, encabeçado por Fidel, tornou-se forte com o fracassado assalto ao quartel de Moncada em 1953 – uma operação militar que deveria ser combinada a uma greve geral em Havana que fracassou. Fidel foi preso e logo exilado.

Em 1957, Fidel faz um novo desembarque do qual também participa o Che. Fez-se sob as mesmas bandeiras democráticas burguesas. Contudo, a guerrilha, dizimada logo no desembarque, junta-se ao movimento social no campo e começa a entregar terra aos camponeses. Isso permitiu ganhar terreno entre eles e os trabalhadores rurais. Os triunfos militares da guerrilha, sustentados graças ao crescente apoio popular, culminaram em uma greve geral e uma insurreição em La Habana em 1 de janeiro de 1959 quando o 26 de Julho estava às portas da cidade. O resultado foi que a queda da ditadura através de uma ação militar e insurrecional que destruiu também o exército associado a este regime.

A partir da tomada do poder, abre-se um processo de um ano e meio no qual começam os atritos e o distanciamento com os EUA. Tal processo foi empurrado por um forte ascenso dos trabalhadores das cidades e do campo. Isto leva a que comecem as nacionalizações e outras medidas que vão rompendo com o apoio da burguesia e fazem com que Urrutia, que era presidente de Cuba enquanto Fidel era comandante do exército, termine renunciando. A invasão da Baía dos Porcos por mercenários cubanos, organizados pelo governo ianque de Kenedy em 1961, termina em uma brutal derrota em mãos do exército revolucionário cubano, que encerra esse período e leva ao rompimento total com o imperialismo e a burguesia. Logo após a derrota da invasão, Fidel faz a famosa declaração de que Cuba é Socialista.

Isso converte Cuba na primeira e única revolução do nosso continente onde a burguesia é expropriada. Fidel e Che fazem dois aportes fundamentais para a revolução latino-americana, o que provoca uma mudança qualitativa na esquerda de nosso continente. Defendem que a revolução é continental e que não há etapa democrático-burguesa nem tampouco transições pacificas como dizia o stalinismo.

Generalização equivocada da guerra de guerrilhas

O triunfo da Revolução Cubana abre uma onda de simpatias na América Latina, com uma camada da vanguarda que se radicaliza e torna-se socialista e revolucionária. É um fenômeno em que dezenas de milhares deixam em todos os países o reformismo e o nacionalismo burguês, que eram as ideologias dominantes na esquerda, para tornarem-se revolucionários. Os partidos comunistas são esmagados neste processo (além disso, no caso de Cuba, o PC não jogou nenhum papel na revolução e inclusive esteve com Batista até 57). Fidel e Che são revolucionários que impulsionam a revolução na América Latina sob a famosa consigna de Che de fazer dois, três, muitos Vietnãs.

Contudo, a grande maioria dessa vanguarda de massas tira a conclusão de que a forma de fazer a revolução em nosso continente é o método usado por Fidel em Cuba e toma as armas para aplicá-lo esquematicamente em seus países. Fidel e Che encorajam tal política. Cuba transformou-se num centro internacional de treinamento de guerrilheiros onde revolucionários latino-americanos que decidem empunhar armas vão treinar.

Em alguns países, foram guerrilhas de certo peso como no Paraguai e Venezuela. Neste país, a guerrilha de Douglas Bravo insere-se no campesinato e chega até as colinas próximas de Caracas.

No Paraguai, no ano de 64, ocorre um massacre de mais de dois mil guerrilheiros quando estavam entrando pela Argentina. Na Argentina, fez-se uma guerrilha no norte, que também foi derrotada em um ano.

A ação de nossa corrente neste período

A política de Che de fazer dois, três, muitos Vietnãs foi uma estratégia correta que nós também abraçamos. Fidel e Che impulsionaram a OLAS. Nossa corrente internacional, nessa época, era o Secretariado Latino-Americano do Trotskismo Ortodoxo (SLATO), que apoiou o processo da Revolução Cubana, reconheceu o caráter revolucionário de sua direção e travou uma batalha política e teórica contra a generalização do método da guerra de guerrilhas como receita única para fazer a revolução em toda a América Latina.

É uma luta política que, como veremos, dura mais de uma década, desde 60 até meados de 70, quando as últimas experiências de guerrilhas urbanas são derrotadas na Argentina e no Uruguai.

Hugo Blanco e a reforma agrária em Cuzco

Como parte desse processo de auge das lutas, ocorreu um importante processo revolucionário nos vales de Concepción e Lares, parte do Cuzco peruano. Para lá, transferiu-se Hugo Blanco, que era militante da Palavra Operária, organização trotskista encabeçada por Nahuel Moreno. Blanco foi estudante e logo ativista do sindicato da carne na Argentina. No Cuzco peruano, iniciou um processo de organização sindical dos camponeses, que utilizavam o método da greve, não trabalhando para o latifúndio.

Este processo derivou logo na ocupação de terras e em milícias armadas. Foi um método oposto ao das guerrilhas. Hugo Blanco foi detido e condenado à morte. Uma campanha internacional organizada por todo o trotskismo evitou esta sentença. No meio do ascenso da luta dos camponeses peruanos, surge o governo de Velasco Alvarado, um governo militar com atritos com os EUA, que se viu obrigado a fazer a reforma agrária praticamente em todo o país. Esse triunfo foi resultado de um método de luta diferente do da guerrilha.

As Ligas Camponesas de Julião no Brasil e a luta da legalidade contra o golpe

Paralelamente a esse processo no Peru, há o desenvolvimento da luta agrária no Nordeste brasileiro, com as Ligas Camponesas dirigidas por Julião, um filho de latifundiários que encabeçava a ocupação de terras. Tanto a luta de Hugo Blanco em Cuzco como a de Julião no Brasil são expressões do ascenso continental iniciado pela Revolução Cubana. Eram milícias camponesas armadas, diferentes das guerrilhas foquistas isoladas. No caso dos outros países do continente, à exceção da Venezuela, foram guerrilhas militares cujo objetivo não era desenvolver a luta agrária, mas sim a estratégia de fazer um grupo militar que, sem importar sua ligação com o movimento de massas, se enfrentasse com exercito.

Voltando ao Brasil, esse processo combinou-se com a luta contra o golpe militar contra Brizola e Goulart, que foi um movimento enormemente progressivo em que houve também levantamentos de suboficiais. Nessa época, nós, apoiando o progressivo que era organizar a luta continental, criticamos Fidel e Che por não fazer da luta contra o golpe no Brasil o centro.

1967 – Morte de Che e o começo da influência da URSS sobre Fidel e a revolução cubana

Em meados de 1960, Fidel, que havia tido uma política independente do aparato stalinista, começa a ceder para este. O Partido Comunista de Cuba, que havia apoiado Batista nos últimos anos da luta revolucionária de Fidel, passou cautelosamente a apoiá-lo, ganhando cada vez mais influência e ocupando postos fundamentais no aparato político do castrismo. Influi nisso o estado de isolamento de Cuba pelo fracasso do método de guerrilhas. Fiel aos seus princípios, Che decide, com um pequeno grupo de militantes revolucionários cubanos, fazer a guerrilha na Bolívia. Che, como um bom revolucionário internacionalista, elege o país mais apropriado, de mais tradição revolucionária que, como vimos, havia, pela primeira vez desde 1952 através do golpe de Estado de Barrientos, entrado nas minas, mas não esmagado os mineiros.

Essa atitude corajosa e revolucionária de Che não pode ocultar o fato de que aplicou e ficou prisioneiro de seu método de guerra de guerrilhas, isolado do contexto político e social. Elegeu a zona mais despovoada, com pouquíssimos camponeses e nenhuma tradição revolucionária (a zona amazônica de Beni), longe dos focos da revolução camponesa do planalto (Cochabamba) e das regiões mineiras de Oruro e Huanuni. Também a essa situação, soma-se a tragédia de ter sido traído pelo Partido Comunista Boliviano.


IV. 1968-1975 – O ascenso no Cone Sul: As semi-insurreições operárias da Argentina, a greve geral do Uruguai e o governo de Allende no Chile na onda do maio francês de 1968

As correntes que, como a nossa, apostavam na luta revolucionária de massas e não nas ações isoladas, tiveram seu reconhecimento político com a maré de lutas na América Latina iniciada paralelamente à situação mundial aberta com o maio francês de 1968.

Este influxo de maio provocou a greve geral estudantil mexicana, que foi um verdadeiro levante político contra o regime priista seguindo o exemplo francês, que se estendeu também a muitas outras universidades latino-americanas. As grandes universidades da Cidade do México, que abrigam milhares de estudantes, vão à greve geral. Talvez tenha sido a maior greve estudantil que aconteceu em nosso continente. Isso significou abrir um buraco no regime de partido único do PRI, que, para derrotar o movimento, massacrou uma grande mobilização estudantil que convergia para a Praça das Três Culturas na Cidade do México chamada Tlatelolco. O massacre de Tlatelolco passou a ser uma mancha negra desse regime e uma reivindicação de justiça para os estudantes mexicanos e latino-americanos.

1969, o cordobaço e os outros “aços” que comoveram a Argentina

O cordobaço foi uma insurreição operária e estudantil na segunda maior cidade da Argentina, Córdoba, especialmente protagonizado pelos operários das montadoras e da eletricidade. Foi precedido por um levante operário em Rosario, mas é em Córdoba, uma cidade onde estavam as maiores fábricas automotivas, onde ocorre uma verdadeira semi-insurreição. Uma manifestação salarial nas regiões distantes transforma-se numa insurreição popular que chega ao centro da cidade e derrota a polícia, que fica sem balas e com suas tropas extenuadas para seguir reprimindo. Após de um dia de poder nas ruas e barricadas, começa a entrada do exército que passa pouco a pouco a ter o controle dos bairros e do centro da cidade.

Nada, porém, seria igual na Argentina e nos países do Cone Sul. Na Argentina, Chile e Uruguai abrem-se situações pré-revolucionárias e revolucionárias. No caso da Argentina, a ditadura militar no poder tem que pactuar com Perón, que havia sido deposto por um golpe militar pró-ianque em 1955 e estava exilado na Espanha, para que voltasse ao país.

O despertar dos cordobeses percorre todo o país. Durante esses anos, ocorre um novo rosariaço, logo depois outro levante em Córdoba e, posteriormente, em outras cidades do país.

Contudo, este processo, que colocou na vanguarda a classe operária, não terminou com as idéias foquistas e guerrilheiristas. A grande radicalização da classe média e a derrota das guerrilhas rurais fizeram com que aparecessem as guerrilhas urbanas dos Tupamaros no Uruguai e, na Argentina, a guerrilha peronista dos Montoneros e do ERP (Exército Revolucionário do Povo) neste caso surgida de nosso próprio partido trotskista.

Foi uma luta política constante na vanguarda com as idéias foquistas, ou seja, dos setores revolucionários que concebiam a estratégia revolucionária como o ato de uns poucos militantes que tomam armas contra o regime. Eles acreditavam que, com essas ações, poder-se-ia somar forças para criar um exército revolucionário que tomasse o poder. Copiava-se o método cubano perdendo de vista que a guerrilha cubana tinha, primeiro, um grande apoio no Movimento 26 de Julho nas cidades e, segundo, que se fez uma guerrilha de massas ao defender e recrutar os camponeses e trabalhadores pobres do campo para combater uma ditadura decadente, autocrática e corrupta. Na Argentina, a guerrilha seguiu operando com sua política uma vez que Perón tomou o poder em 1973.

A estratégia da guerrilha tinha também uma lógica militarista que ia contra os próprios avanços que fizeram a mobilização e autodeterminação operária, já que sua estratégia era o que servia ao enfrentamento militar: criar com ações exemplares um exército revolucionário que enfrentaria o exército do Estado burguês. Por isso, também os montoneros chegaram a dizer que, quanto mais à direita ia o regime, melhor. Inclusive, eles escreveram que a etapa da ditadura era necessária porque, dessa maneira, se ia a um enfrentamento militar muito mais claro do exército contra o exército popular.

Durante estes anos, tivemos que dar uma batalha política para conseguir que os militantes e os dirigentes operários permanecem nas fábricas e não fossem arrastados para a guerrilha que os pegava para fazer parte de suas ações foquistas. Apesar disso, o movimento operário fabril teve um importante desenvolvimento. Nosso partido – nessa época o Partido Socialista dos Trabalhadores (PST) – obteve a legalização para participar das eleições contra toda a esquerda que nos acusava de oportunistas e isso nos permitiu alcançar uma envergadura nacional e uma insurreição dos trabalhadores. Porém, seguiu sendo minoritário em relação à juventude peronista e aos montoneros. Participamos de greves importantes. Talvez, a mais destacada tenha sido a greve siderúrgica de Villa Constitución e nas coordenações fabris que se formaram como alternativa à burocracia. A guerrilha e a esquerda da burocracia sindical se aliaram para impedir que o processo de auto-organizarão operária avançasse mais profundamente.

O movimento de vanguarda ficou cercado. De um lado, pela guerrilha que dificultava a auto-organização independente e, de outro – o mais importante –, pelos grupos paramilitares que começaram a surgir em resposta às greves operárias e que, utilizando o pretexto do combate à guerrilha, começaram a assassinar os lutadores operários e várias dezenas de companheiros do nosso partido (PST) antes mesmo do golpe de Estado.

Porém, a luta de classes e o período pré-revolucionário não se fecham e se expressam em grandes greves. No inicio de 75, ocorre uma greve na mais importante siderúrgica do país, situada em Villa Constitución, próxima a Rosário, como conseqüência da prisão dos principais dirigentes que são uma nova direção à esquerda da burocracia. Nosso partido, que tinha militantes de segunda linha que não foram presos, assumiu a direção de uma greve geral de mais de um mês. A cidade é militarizada, os paramilitares matam um companheiro nosso e uma manifestação de dez mil trabalhadores é violentamente reprimida com helicópteros. Apesar disso, fez-se uma organização clandestina por bairros e a greve se manteve até que quadros e dirigentes de nosso partido foram detidos. Foi o prenúncio de um forte giro à direita, semifascista, do governo peronista.

Em junho de 1975, o governo tenta fazer passar um plano econômico de ajuste que logo imporia a ditadura. Isto abre uma crise pré-revolucionária, que detona uma grande mobilização operária, quando as principais fábricas do país saem às ruas. Forma-se uma frente única de fato entre os setores da burocracia e as coordenações fabris que impedem que se lance o plano de ajuste, o que leva à queda da ala mais à direita do governo vinculada aos paramilitares.

Entretanto, as vacilações e travas da burocracia, as ações deslocadas da guerrilha e a debilidade da vanguarda para dar uma saída à crise fazem com que isto não se transforme numa situação revolucionária. A classe média vai-se desgastando e parcelas importantes dela começam a pedir por ordem. Isto dá base para o golpe de 1976, que encerra o processo pré-revolucionário com picos revolucionários. Em 24 de março de 1976, há aproximadamente 30 anos, o golpe contrarrevolucionário de Videla, a ditadura mais sangrenta que teve o país, termina de impor o plano de ajuste de reestruturação do país.

Esta ditadura vai cair seis anos depois com a Guerra das Malvinas. Esta guerra, como explicaremos mais adiante, foi lançada pela ditadura para tentar sustentar-se no poder, uma vez que já havia começado o descontentamento popular. Em fins de 1981, já havia ocorrido uma tentativa de greve geral reprimida, mas que mostrou a decisão da vanguarda de sair novamente às ruas.

A greve geral do Uruguai

Esta situação na Argentina foi precedida, em 1971, por uma greve geral por tempo indeterminado com a qual os trabalhadores uruguaios enfrentaram o golpe militar, colocando em destaque a questão do poder. A greve dura 16 dias, quando o poder esteve na rua. Os militares conseguiram derrotá-la graças às vacilações e capitulações do Partido Comunista. A partir daí, começa um período de retrocesso e a imposição de uma ditadura sob a forma de um presidente civil.

O governo de Allende – Revolução e contrarrevolução no Chile

Como parte do processo de ascenso da luta de massas, nas eleições gerais do Chile de 1970, triunfa a Unidade Popular, uma frente entre o Partido Socialista e o Partido Comunista, graças ao fato de a burguesia ter saído dividida em dois partidos.

Existe a ideia em muitos setores da vanguarda de que, com o governo de Allende, se abriu a via pacífica ao socialismo e que o Chile já era socialista. Este processo, infelizmente, se viu quebrado pelo golpe militar de Pinochet de 11 de setembro de 1973.

O triunfo eleitoral abriu no Chile uma situação de efervescência de massas e de luta por suas reivindicações. O governo de Allende tomou medidas enormemente progressistas frente ao imperialismo. Nacionalizou as minas de cobre, o mais importante recurso econômico do país, fez a reforma agrária em setores do campo bastante produtivos, nacionalizou outras fábricas e implantou um sistema de produção misto e de cooperativas. Nacionalizou o sistema bancário e começou reformas educativas profundas.

Não era um governo dos trabalhadores, mas sim um governo pequeno-burguês anti-imperialista, já que os Partidos Comunista e Socialista estavam no poder junto a um partido da burguesia (Trotsky chamou estes governos de Frente Popular). Ainda que tenha havido profundas transformações, a estrutura do Estado não foi modificada e uma instituição fundamental, o Exército, seguiu sendo a mesma. Pinochet foi comandante-em-chefe até o final do governo de Allende.

Fracasso da via pacífica ao socialismo

Este governo começou a ser um sanduíche entre o movimento de massas que queria radicalizar o processo rumo ao socialismo e a burguesia e o imperialismo que começaram a acossá-lo pela direita. Ante tal avanço da direita, os trabalhadores começaram o processo de auto-organização dos cordões industriais – que eram formas soviéticas de organização a partir das fábricas. Algo semelhante ocorria nos bairros populares. Em muitas fábricas, ante a pressão da direita que lançou uma greve de caminhoneiros, começaram-se a produzir armamentos. Os trabalhadores viam como inevitável o enfrentamento e para tal se preparavam. Entre a suboficialidade do exército e, particularmente, entre os marinheiros, houve um processo de levante contra os militares conspiradores especialmente após a primeira tentativa golpista. Entretanto, Allende manteve-se como o defensor da “institucionalidade”, inclusive nomeando Pinochet como comandante-em-chefe do Exército.

O reconhecido gesto de Allende fotografado enfrentando com uma metralhadora o bombardeio do Palácio de La Moneda não apaga o fato de que ele tinha em suas mãos todas as possibilidades de enfrentar o golpe não só com uma metralhadora nas mãos, mas facilitando – e não obstando – o armamento dos trabalhadores e do povo (O governo requisitou as armas nas fábricas dias antes do golpe). Isso significava colocar o poder nas mãos dos trabalhadores e do povo para desatar uma verdadeira revolução socialista. Tal foi o que Allende não quis fazer.

Se, como vimos antes, os revolucionários latino-americanos tínhamos que combater o foquismo guerrilheiro, por outro também tivemos que combater a chamada via pacífica ao socialismo de Salvador Allende, que era instrumentalizada em todo o continente pelos partidos comunistas. Esta estratégia, que rompia flagrantemente com a de Che (dois, três, muitos Vietnãs), era utilizada para dizer que deveria ser mantida a legalidade no Chile, não provocar a direita e seguir o curso institucional.

Governos pequeno-burgueses de enfrentamento com o imperialismo: O governo Torres na Bolívia

O processo latino-americano de auge das lutas, ainda que não tenha dado origem a uma nova Cuba, levou ao surgimento de governos que, mesmo longe de ser revolucionários, tinham atritos com o imperialismo. São movimentos nacionalistas pequeno-burgueses com peso menor da burguesia que na etapa anterior. Na Bolívia, há um período muito forte de enfrentamento de massas com a ditadura militar do país nos anos 70s. Nesse período, formou-se a Assembléia Popular – um organismo de características soviéticas que nucleava a COB (Central Operária Boliviana) e todas as organizações camponesas e estudantis. Tratava-se de um organismo de duplo poder, isto é, questionava o poder da burguesia, já que reunia todas as forças de massas mobilizadas (estudantes, camponeses e operários). Este processo levou a uma fratura no Exército boliviano e ao surgimento de um governo encabeçado por uma ala deste liderada pelo general Torres, que tomou medidas anti-imperialistas e se confrontou com a ala direita que tentou sucessivos golpes.

Assim como na Bolívia, este tipo de governo militar de alguma maneira também se dava no Peru com Velasco Alvarado a partir 1968. Foi um governo populista que levou à reforma agrária e desenvolveu a indústria pesqueira independente. Além disso, estimulou a formação de comitês populares e pôs um setor da esquerda no governo.

Os governos de Peru e Bolívia deste período têm paralelos com o governo de Allende no Chile, ainda que este último não seja militar, já que houve, em todos os casos, enfrentamentos com o imperialismo por desenvolverem políticas independentes como o estímulo à defesa e o fortalecimento do mercado interno através da reforma agrária, além da retomada do controle de setores importantes da economia. Tais governos provocaram uma discussão na esquerda. De um lado, os setores que os viam como seus governos e passaram a fazer parte dos mesmos. De outro, as correntes sectárias que tinham como ponto central de sua política a denúncia e o combate aos mesmos porque eram ou militares ou pequeno-burgueses e não eram socialistas.

Nossa política nesse período foi a de não criar ilusões porque não eram governos dos trabalhadores pelos quais lutamos os socialistas. Por isso, era um erro apoiá-los ou deles fazer parte. Entretanto, tal não significava não ver suas diferenças com os governos burgueses clássicos de nosso continente fortemente ligados ao imperialismo. Nossa política, desenvolvida de modo tímido, foi a da frente anti-imperialista. Ao mesmo tempo em que os defendíamos do imperialismo, éramos temerosos no apoio a suas ações progressivas. Corretamente, chamávamos os trabalhadores a manter suas próprias organizações independentes e sua mobilização independente. O fato é que todos eles, em particular Allende no Chile, foram incapazes de aprofundar o processo em direção ao socialismo e terminaram prisioneiros de suas contradições, optando por ser derrotados a provocar uma mudança revolucionária.

A construção dos revolucionários sob a dupla pressão do foquismo e do reformismo

Os revolucionários latino-americanos íamos avançando na construção dos partidos revolucionários enfrentando estas duas políticas equivocadas: guerrilha de um lado e reformismo de outro. Dentro do trotskismo, na Quarta Internacional, houve todo um setor encabeçado por Ernest Mandel que agarrou com força a linha guerrilheira. Os argentinos atuamos aliados aos trotskistas dos EE.UU. e conseguimos construir uma forte corrente internacional contra essa política errada. Contudo, não pudemos, nessa época, tornar-nos majoritários e muito menos hegemônicos na vanguarda da Argentina nem em outros países onde estávamos presentes.

A enorme influência das idéias guerrilheiristas de tipo foquista e dos reformistas que pregavam pelas revoluções em etapas, além do fato de que a crise estrutural em nossos países naquele momento não alcançara o grau de agudeza que há hoje, ocasionou a falta de uma organização revolucionária com influência de massas capaz de ser alternativa nas situações em que se apresentou a questão do poder – mais claramente no Chile e no Uruguai.

Isso contribuiu no fortalecimento, novamente, das alas direitas. Logo após o golpe no Uruguai e no Chile, ocorreram os golpes na Argentina, Bolívia e Peru. Dessa maneira, fechou-se o grande período de ascenso no Cone Sul, alcançando também o Brasil onde teve lugar o primeiro dos golpes. Na realidade, o Brasil esteve na vanguarda de tal processo. Os EE.UU apostaram em que fosse o estabilizador do continente e apoiaram o golpe de 1964. Dessa maneira, o Brasil foi a posição avançada do imperialismo no período.


V. 1979 –1984 – As Revoluções Nicaraguense e Centro-Americana

A estabilidade do continente, entretanto, não vai durar muito tempo. O eixo do processo revolucionário se transporta do Cone Sul à América Central. No Panamá, em fins dos anos 60s, já havia um governo com fortes atritos com o imperialismo encabeçado por Omar Torrijos – um coronel da Guarda Nacional que chegou ao governo reclamando a nacionalização do Canal após um levantamento popular e estudantil em meados da década de 60 que desafiou a zona militar ianque e chegou a ocupá-la. Torrijos morreu em um estranho acidente de aviação o qual abriu um processo de crise política que culminou na invasão ianque em 1989.

O importante da história de nosso continente é que, poucos anos após os golpes contrarrevolucionários, há na Nicarágua uma revolução triunfante, com traços muito semelhantes aos da Revolução Cubana, que comove novamente o continente desatando uma onda de solidariedade não apenas na América Latina, mas também nos EE.UU. e na Europa. Nesse país, havia uma ditadura assemelhada à de Batista em Cuba – a dinastia dos Somoza. Também como Cuba, Nicarágua era uma republiqueta dominada pelo império ianque.

Nesse contexto, surge a Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) na segunda metade da década de 70. Diferente das guerrilhas foquistas, a FSLN começa a ganhar forte prestígio e simpatia junto à população por enfrentar a ditadura somozista.

Em 1978, nossa corrente escreve um artigo em nossa revista internacional, assinado por Laura Restrepo, onde se estabelece todo o apoio para a FSLN que também chamávamos à tomada do poder. Isto nos trouxe fortes ataques das alas dogmáticas. Uma corrente trotskista como a nossa que sempre defendeu o poder para os trabalhadores. Como podíamos estabelecer o poder para uma organização pequeno-burguesa e como podíamos fazê-lo para uma organização guerrilheira após termos tantos enfrentamentos com as guerrilhas? A realidade é mais rica que os esquemas teóricos e a realidade era que essa guerrilha havia aberto uma dinâmica que levava a uma luta frontal contra Somoza e a uma combinação de suas ações armadas cada vez mais populares com uma insurreição popular que definitivamente se sucedeu.

Um setor da burguesia centro-americana – em particular da Costa Rica – tratou também de canalizar esse processo da FSLN com vistas a evitar uma explosão. Dessa maneira, além de Cuba, a FSLN obtém certo apoio logístico e militar entre setores burgueses costarriquenhos.

A brigada Simón Bolívar

Nossa corrente caracterizou-se sempre por ser de ação, por não ficarmos na propaganda e, no caso da Nicarágua, isso se concretizou em um impulso para formar uma brigada internacionalista a partir da Colômbia, país em que o processo nicaraguense repercutia fortemente. Chamou-se Simón Bolívar (vale agora ressaltar a atualidade de seu nome!). Tivemos certo apoio de setores liberais de esquerda para dar-lhe difusão e poder fazer o recrutamento. Também pactuamos com o setor de Éden Pastora, ligado à burguesia da Costa Rica, para conseguir o armamento e poder entrar em ação.

Isso tem sua importância porque mostra como, nos momentos agudos da luta de classes, há que se aproveitar as contradições das divisões de setores burgueses para fazer avançar uma política revolucionária.

A Revolução destrói o Estado burguês

A Revolução Sandinista significou a destruição do Estado burguês como ocorreu em Cuba. O exército burguês estava aniquilado e inclusive a burguesia havia fugido do país abandonando suas propriedades. Estavam dadas as condições para formar um governo da FSLN, de ruptura com a burguesia, com os trabalhadores e setores populares. De fato, este governo quase se impôs pela realidade, já que os líderes da FSLN passam a ser fundamentais no governo, mas a FSLN se autolimita, pactuando com um setor da burguesia mais democrática que havia estado contra Somoza – a família Chamorro, dona de um importante jornal e de meios de comunicação em Manágua.

Dessa forma, a FSLN, em vez de avançar na revolução, na expropriação das fábricas e bancos que haviam sido abandonados pela burguesia, faz uma aliança que começa a reconstruir certo domínio burguês. No campo, avança a reforma agrária, começa a institucionalização do exército da FSLN e formam-se setores econômicos mistos.

A Revolução em El Salvador e na Guatemala

A conjuntura era favorável para avançar. Nesse mesmo ano, ocorre a Revolução Iraniana, que é talvez a mais heróica de todas as revoluções do século XX, já que o povo sem armas enfrenta o quinto exército mais poderoso do mundo, armado diretamente pelos EE.UU. como eixo do dispositivo de dominação da região. Em sucessivas manifestações reunindo multidões, cada vez maiores e com cada vez mais mortos, consegue debilitá-lo até acabar com ele. A este golpe aos EE.UU., que vêem quebrado seu dispositivo de domínio no Oriente Médio, deve-se somar o ascenso revolucionário que se abre na América Central em especial em El Salvador e na Guatemala, países limítrofes que fazem parte de uma só nação fragmentada centro-americana.

O imperialismo não tem condições de montar uma contrarrevolução interna nem de desatar uma invasão. Por isso, apela lentamente, ao longo de vários anos, a uma escalada de pressão através dos “contras” – as guerrilhas e grupos terroristas de direita que financia – e invasões periféricas como a que fez em Granada, um pequeno país do Caribe. Nesse período, a política seguida pelo regime de Fidel Castro foi a de aconselhar para que Nicarágua não fosse uma nova Cuba e El Salvador não fosse uma nova Nicarágua.

Com efeito, em El Salvador, há um movimento contra o velho regime talvez mais forte que na Nicarágua porque se apóia também em um movimento operário urbano muito combativo. É uma frente única de trabalhadores e camponeses em que a Frente Farabundo Martí para Libertação Nacional (FMLN) é a direção e uma parte importante, mas que é mais ampla. Entretanto, em vez de fazer uma investida revolucionária insurrecional para terminar com o velho regime, a FMLN pactua uma saída através da qual se forma um governo de unidade nacional em que entra a FMLN sem que se desmantelem as velhas estruturas. A direita termina levando adiante uma brutal repressão na cidade que começa com o assassinato do Bispo Romero a inícios de 1980. A partir dali, o movimento se vê obrigado a refugiar-se no campo sob a forma da guerrilha da FMLN. Há, de fato, uma guerra civil. Esta guerrilha promove uma forte ofensiva um ano depois, mas já não consegue alterar a situação e a perseguição. O número de mortos é enorme.

Ao mesmo tempo, na Guatemala, há uma guerrilha de massas apoiada e levada adiante por setores indígenas que são a grande maioria do país. Neste país tem lugar o processo mais prolongado até a entrada dos anos 90s.

Os acordos de Esquipulas e Contadora desmontam a Revolução

Frente ao auge da Revolução na América Central, o imperialismo se vê obrigado a combinar dois métodos que chamamos a tática do garrote e da cenoura. De um lado, promove o fostigamento com os contras, mas, por outro e como política fundamental em conseqüência da correlação de forças, inicia um período de negociação que começa na cidade de Esquipulas e, definitivamente, se firma em Contadora onde intervém como mediador o governo mexicano apoiado por Fidel Castro.

Trata-se de um acordo desfavorável que detém o processo revolucionário, já que se faz um pacto de paz com a direita na Nicarágua pelo qual se abre um processo de legalização dos contras em troca de que não se apóie mais econômica nem militarmente à Nicarágua e a El Salvador. Nós sempre reconhecemos o direito de que os sandinistas negociassem com o imperialismo e com as burguesias mexicanas e centro-americanas que se apresentavam como interlocutoras. Contudo, este direito a negociar e inclusive a fazer um pacto com os “contras” se a correlação de forças no momento era desfavorável deveria ser acompanhado pela verdade dita às massas: um acordo negativo, um retrocesso para ganhar tempo. Nunca poderia, entretanto, ter sido apresentado como a saída para a situação da Nicarágua e da América Central.

Concretamente, através de tais pactos, voltou a fortalecer-se a burguesia na Nicarágua que terminou ganhando as eleições de 1989 com Violeta Chamorro. O método do garrote e cenoura também levou a que houvesse uma carnificina em El Salvador, onde a direita no governo massacrou a vanguarda e dizimou a FMLN.

Dessa maneira, fechou-se uma importante situação revolucionária, cuja responsabilidade central, neste caso, recai no papel que jogaram as direções. Há uma mania entre as correntes sectárias ou dogmáticas de ver revoluções em todos os lados que não triunfam pelo papel das direções. Neste caso, a política das direções teve uma influência decisiva. Faltou a democracia revolucionária para decidir o curso da política. A vanguarda seguia partidos-exércitos que tinham disciplina militar e que, dessa maneira, não eram democráticos.


VI. 1982-1984 – Queda das ditaduras na Argentina e no Brasil

Como dizíamos antes, após cinco anos e meio de ditadura na Argentina, começa um processo de erosão da mesma. Setores patronais que trabalham para o mercado interno, totalmente debilitado pelo curso neoliberal agro-exportador impresso ao país, começam a protestar junto a setores da burocracia sindical.

Uma guerra justa que acaba com a ditadura

Para sair do processo de desgaste, os militares fizeram uma ação que se voltou contra eles. Os militares argentinos eram um centro de assessoramento da guerrilha “contra” e dos paramilitares centro-americanos nos sequestros. Nesta tarefa, foram fiéis servidores dos EE.UU.. Pensando ter o apoio dos EE.UU. pelos serviços prestados, os militares lançam a recuperação das ilhas Malvinas em poder dos ingleses desde 1833. Uma guerra justa, já que é uma reivindicação do país a recuperação de seu território. As ilhas são invadidas e recuperadas sem resistência dos ingleses.

Então, é desatado um sentimento anti-imperialista: o povo começa a apoiar, a fazer mobilizações e a organizar-se para sustentar a guerra, doando dinheiro, jóias, etc.. O PST esteve no mesmo campo militar, mobilizando o povo e exigindo medidas anti-imperialistas para ganhar a guerra como a expropriação dos bancos ingleses, das grandes multinacionais daquele país e a democratização da guerra e da informação.

Na América Latina, houve uma onda de apoio muito importante. No Peru, a colônia Argentina co-organizou uma mobilização de cem mil pessoas em solidariedade à Guerra das Malvinas. O governo peruano foi o primeiro que resolveu mandar aviões e instrumentos, enquanto a ditadura chilena foi base logística da Inglaterra contra a Argentina. A brasileira teve um papel progressivo, já que não permitiu o reabastecimento da Armada britânica que saiu da Inglaterra para recuperar as ilhas. Só permitiu pousar algum avião.

A idéia de que os EE.UU. apoiariam a ditadura foi uma má localização total dos militares. Era loucura pensar que os EE.UU. estariam ao lado de uma ação que alteraria a ordem mundial do pós-guerra e contra a Inglaterra, seu aliado histórico. Os EE.UU. forneceram os satélites para poder dirigir a recuperação das ilhas pelas tropas britânicas (A URSS duvidou e não fez o mesmo em apoio à Argentina). Os pilotos argentinos, em heróicas ações, conseguiram afundar duas embarcações britânicas quando começou o desembarque. Entretanto, as tropas inglesas conseguiram entrar em terra após afundarem um grande navio argentino em águas neutras. A Inglaterra utilizou as famosas tropas de suas colônias, os gurkas. Já nas ilhas, derrotaram as tropas argentinas mal treinadas e com militares burocratas e corruptos à frente. O alto mando argentino, mostrando sua covardia e incapacidade militar para enfrentar o exército inglês, rende-se.

A derrota provoca uma explosão do povo. Os informes da ditadura diziam que a guerra estava sendo ganha. Quando o povo viu a rendição das tropas e quando chegaram os informes dos soldados, a indignação estourou. Na mesma noite da capitulação, cerca de 30 mil pessoas se juntam na Praça de Maio gritando contra os militares. O poder ditatorial já estava rompido e, dias após, os militares renunciam, provocando um vazio das instituições do regime. O regime político cai como consequência dessa mobilização. A burguesia rearma uma saída à crise de poder com a restituição do Parlamento dissolvido em 1976 que forma um governo provisório e convoca eleições gerais.

Nosso partido, o PST, havia passado pela prova desses anos de ditadura e, durante a guerra, havia desenvolvido em grupos operários comitês de mobilização pela recuperação das Malvinas, havia feito festivais e recolhido dinheiro como muitos setores do povo fizeram. Sua reaparição pública se dá em uma mobilização popular com uma coluna de mais de 800 pessoas na Praça de Maio. Surge da derrota da ditadura como a força de esquerda mais organizada e dinâmica.

As diretas no Brasil – A formação do PT e da CUT

Paralelo a esse processo na Argentina, no Brasil, cresce um processo mais estrutural de um movimento construído ao redor do desenvolvimento industrial do país, cujo epicentro era o ABC. Ali, começa o despertar operário no biênio 78-79 com as históricas greves e o surgimento de Lula.

O Brasil é o único país de nosso continente em que se dão uma nova organização sindical e política de massas (PT e CUT) onde se une uma nova vanguarda sindical com um processo político de agrupamento no PT. Ainda que a Igreja esteja por trás destes dois projetos (como esteve no Solidarnosc polaco, que ocorre na mesma época), são enormemente progressivos porque são essencialmente novos processos independentes.

Em princípios dos anos 80s, ocorre uma mobilização antiburocrática generalizada contra os sindicatos pelegos combinada com a grande mobilização por “Diretas Já” – grandes mobilizações de rua que chegam, inclusive, a colocar na ordem do dia a greve geral. Ainda que esta não tenha ocorrido, a mobilização fere de morte o velho regime e começa o processo de mudança do regime político que termina com a maior ditadura desse período.

O PT se converte em um pólo de referência para um amplo setor da esquerda latino-americana. De fato, retira a hegemonia que até então tinham os cubanos os quais, em alguns momentos, cumpriram um papel progressivo, especialmente no período em que o problema da dívida externa ganhou força entre 1983 e 1986. O PT cria o Foro de São Paulo com os movimentos e partidos mais reconhecidos da América Latina em um período de giro à direita de todas essas direções após o Pacto de Contadora e a queda do Muro de Berlim.

A formação do MAS na Argentina e da Convergência Socialista no Brasil
Nossa corrente internacional, que nesse momento era a Liga Internacional dos Trabalhadores (LIT), cuja direção – em particular Nahuel Moreno – estava na Colômbia seguindo o processo desse país e a Revolução Centro-Americana, decide dar um giro e transferir-se à Argentina para seguir o processo no Cone Sul. Corretamente, caracterizamos que o processo se trasladava para esta parte do continente. Fizemos caracterizações exageradas que, anos mais tarde, nos levaram a políticas erradas. Caracterizamos que a revolução política que derrubou a ditadura na Argentina era fase de uma revolução socialista naquele país. Escrevemos um documento em que dizíamos que, com a queda da ditadura, começava uma revolução que seria socialista.

Nesse momento, contudo, tal caracterização não nos localizou mal no lançamento da construção de um novo movimento político, o Movimento ao Socialismo (MAS), para reagrupar no partido uma corrente socialista a partir dos quadros acumulados na época da ditadura. Decidimos participar do processo eleitoral e, para tanto, abrimos 500 locais (um por quadro militante) tendo como base um profissional liberado que vivia e se autofinanciava com o dinheiro arrecadado com a venda de jornais. Ainda que nas eleições não tenhamos ido mal e que não tenha surgido o movimento pelo qual apostávamos, com esse operativo político, conseguimos uma grande inserção e estruturação nos bairros e fábricas mais importantes. Logo, recuamos para cerca de 150 locais, mas permanecemos um forte partido de vanguarda que, nos anos seguintes, se fortaleceu para chegar a ter em 1989 uma militância organizada de 7 mil militantes e um jornal de mais de 40 mil exemplares.

Paralelo ao desenvolvimento do MAS na Argentina, no Brasil, cresceu nossa corrente que, desde o primeiro momento, participou da criação do PT e, durante a ditadura, havia utilizado o espaço aberto com a edição da revista Versus. Após um giro de dois anos em direção ao movimento secundarista onde a corrente acumulou uma grande quantidade de quadros, fez-se um novo giro em direção aos sindicatos e à CUT. Nesse período, foram ganhos importantes sindicatos como Metalúrgicos de Contagem, Bancários do Rio e de Porto Alegre, etc.. A Convergência Socialista se converteu em uma importante corrente da esquerda da CUT e do PT. Consideramos, em todo esse período, o PT como mais tático em contraposição à CUT. Por essa razão, fizemos a disputa no PT sem sermos construtores do partido e tal política levou a que a Convergência terminasse fazendo uma ruptura apressada e equivocada.

A mobilização estudantil e popular que consegue o impedimento de Collor de Mello é outro grande feito da luta de classes no Brasil. Tal fato ocorre quando nossa corrente internacional já se havia fragmentado como consequência da crise aberta em 1990 de que falaremos a seguir.

A crise do MAS e de nossa organização internacional

A situação na Argentina nos colocava às portas da influência de massas. Em janeiro de 1987, morre nosso dirigente e professor Nahuel Moreno. Sua morte ocorre quando começavam a ocorrer processos novos a nível mundial e nacional que não tínhamos previsto e que obrigavam a redefinir algumas das formulações feitas até então.

Nessa época, era já evidente que a queda da ditadura, ainda que fosse produto de uma revolução democrática, não abria as portas para a revolução socialista como tínhamos escrito. Tanto na Argentina, como no Peru e no Brasil, haviam surgido democracias pró-imperialistas e se evidenciava que a democracia burguesa era uma grande mediação como para pensar que havia um processo revolucionário interrompido (A realidade é que dura inclusive até nossos dias, ainda que agora cada vez mais deteriorada e com novas mudanças em regimes políticos como os casos de Venezuela e Bolívia). Por outra parte, desde a década de 80, formulou-se a idéia de que havia uma situação revolucionária mundial e que era chegada a hora do trotskismo se se dessem simultaneamente a revolução nos países avançados e a revolução política nos Estados Operários.

Após a morte de Moreno, o MAS tem um importante desenvolvimento. Chega a convocar para o primeiro de maio de 1990 um ato em frente à sede do governo na Praça de Maio que reúne 100 mil pessoas. Esta situação nos leva a pensar que não apenas podemos ganhar a influência de massas como também podíamos lutar pelo poder. Fazíamos essas caracterizações em momentos nos quais ocorreram fenômenos na luta de classes que foram muito contraditórios e que nos levaram a perder-nos politicamente.

Por um lado, na América Latina, tinha lugar o Caracaço na Venezuela que sacudiu as entranhas desse país e que abriu um processo que segue até nossos dias. Na Argentina, na cidade de Rosário e, em menor medida, em Buenos Aires, houve saques similares de menor grau que levaram à saída do governo e à posse apressada do já eleito Menem. No Brasil, dava-se a grande mobilização de um grande setor do povo a partir da candidatura de Lula nas eleições de 1989.

Ao mesmo tempo, começava a derrocada dos chamados países “socialistas” graças a grandes processos de mobilização de massas. Tratou-se de verdadeiras revoluções que foram derrubando como peças de dominó os governos dos países do Leste e que terminaram também liquidando a estrutura burocrática da URSS. Nós pensamos, seguindo a linha de raciocínio de Moreno, que essas revoluções eram a fase democrática de uma revolução política que não apenas ia sacar a burocracia, mas que também os trabalhadores desses países iriam defender as conquistas socialistas obtidas pela expropriação da burguesia e iriam abrir um novo caminho rumo ao socialismo com democracia operária. Além disso, exageramos os processos de Argentina e Brasil que não tinham a magnitude do Caracaço.

Em uma reunião da LIT no Brasil em 1990, votamos, então, as Teses de 90 nas quais dizíamos que, pela primeira vez na história após a Revolução Russa, estavam estabelecidas no mundo revoluções a ser dirigidas por partidos trotskistas ou trotskizantes, isto é, Revoluções de Outubro.

Concretamente, pensamos que onde mais havia possibilidades de dar-se tal processo era na Argentina e começamos a preparar-nos para tanto. Iniciamos a organização de um pequeno aparato técnico armado e, para arrecadar dinheiro, nossos militantes venderam suas casas. Alguns deles, inclusive, deixaram de mandar seus filhos à escola, já que críamos na possibilidade de tomar o poder e seria melhor começar já com uma educação socialista.

Como dizíamos, essa armação política tinha bases nas elaborações de nossa corrente nos anos 80s, ainda que a direção sem Moreno tenha cometido grandes exageros e novas invenções que, com o tempo, se mostraram totalmente erradas.

A realidade é que a revolução política não avançou. A rebelião popular de Tianamen na China foi a última revolução em que as massas levantaram as idéias de aprofundar o socialismo com democracia e foi derrotada em 1989 após ter ocorrido o mesmo com Solidariedade na Polônia em 1980. Nos países do Leste e na URSS, a queda dos regimes totalitários não abriu um curso rumo ao socialismo, senão que começou o processo de restauração do capitalismo. Ao mesmo tempo, o extraordinário crescimento do MAS na Argentina começou a tropeçar no fato de que, pouco a pouco, com o governo de Menem, começaram a ser derrotados importantes setores dos trabalhadores.

Nestes marcos, a direção tentou fazer correções na política, mas foram ajustes parciais, diletantes, centristas, o que foi provocando uma crise cada vez maior entre a direção e os quadros do partido, além do surgimento de uma ala cética. Tal processo levou à divisão do partido. O balanço da crise não pode deixar de lado o fato de que não tínhamos um regime interno a permitir que fluísse uma discussão sã e democrática no partido. Era um regime de partido-fração.

Ao mesmo tempo em que ocorre essa crise na Argentina, no Brasil, a Convergência Socialista sai do PT – num momento em que todavia não estava posta a ruptura – e cria o PSTU, o qual termina sendo um processo de construção com traços autoproclamatórios e sectários que não conseguiu aproveitar a crise do PT.

Uma nova situação que exigia revisar nossa armação política e avançar na reelaboração

Não é a intenção deste texto entrar detalhadamente em nosso balanço, mas sim a de, através de traços grossos, ver nossos erros e melhor enfrentar os desafios atuais que temos.

A realidade é que a década de 90 termina sendo – à exceção de processos locais como a Venezuela e a Palestina – um processo dominado pela ofensiva neoliberal. Isto obrigava a mudar as elaborações de Moreno quanto à situação revolucionária mundial e ao modelo de construção da Internacional de que a mesma se daria ao redor do desenvolvimento ou da tomada de poder em um país.

O avanço do neoliberalismo se combina com uma crise na consciência socialista no movimento de massas pela ausência de um modelo alternativo ao capitalismo. Praticamente toda a década de 90 é um período de fragmentação e crise das organizações socialistas revolucionárias e, entre elas, a nossa.


VII. A partir de 1998, abre-se uma nova situação latino-americana: Nacionalismo revolucionário e novos governos e países independentes

Com as insurreições, rebeliões e revoluções que aconteceram no Equador, Bolívia, Argentina e na Venezuela, com a derrota do golpe, abre-se uma nova etapa da luta contra o imperialismo no continente. Entramos em um novo período no qual a história não se repete da mesma forma que antes. Não há uma revolução como nos moldes da cubana, da boliviana e da nicaraguense. Trata-se de processos revolucionários nos quais, ainda que a mobilização tenha provocado mudanças profundas, o poder foi conquistado através de uma combinação de tais mobilizações com processos eleitorais novos em que o povo mobilizado derrotou os partidos do regime e do imperialismo. Foram revoluções ou processos democrático-populares anti-imperialistas com eixos reivindicatórios como a defesa dos recursos naturais, a luta contra o neoliberalismo imposto aos povos e a reforma dos regimes políticos. O motor destas não foi a classe operária como tal, já que debilitada pelo neoliberalismo, mas houve a incorporação dos pobres das cidades, dos desempregados, do campesinato e dos indígenas.

Esses processos foram a resposta ao período, do fim da década de 1980 ao fim da década de 90, de domínio do neoliberalismo em que houve mais avanço da semicolonização imperialista no continente, privatizações, além da transformação dos partidos e governos em instrumentos a serviço das grandes corporações transnacionais. A democracia, conquistada com mobilização popular na derrubada das ditaduras, terminou utilizada pela grande burguesia para impor o modelo neoliberal que foi atacando algumas das conquistas democráticas. Durante o período de auge neoliberal, tem lugar o caracaço, prelúdio do novo período que hoje vivemos, que explica o chavismo e o bolivarianismo latino-americano.

Em 1998, com a mobilização geral camponesa insurrecional da CONAIE no Equador, que fratura as Forças Armadas e chegou até a tomar o Parlamento, começa uma mudança em nosso continente na qual se acumulam novas insurreições ou mobilizações revolucionárias que sacam governos neste país, na Argentina e na Bolívia. Trata-se de processos populares de massas revolucionários contra os governos e os estragos causados pelo neoliberalismo sob demandas anti-imperialistas e democráticas que se ligam ao processo revolucionário venezuelano já em curso.

De memória, recordamos algumas das que aconteceram após o Equador. Na Bolívia, em 2000, é a luta da coordenadora de água de Cochabamba que termina com a concessão ao imperialismo francês. O argentinaço em 2001 quando surgiram na Argentina as assembléias entre vizinhos e se fortaleceram os piqueteiros. O argentinaço derrubou dois presidentes em uma semana e abriu um novo processo no país em que se produziu a moratória da dívida externa, se liquidaram as leis de impunidade dos militares e a classe operária começou a colocar-se no centro da cena política avançando com suas reivindicações.

Em 2002, é derrotado o golpe militar orquestrado pelos EE.UU. na Venezuela, algo inédito até então em nosso continente à exceção da derrota da invasão da Baía de Porcos em Cuba. Após isso, são também derrotados o lock out patronal e a greve petroleira. Posteriormente, triunfa o NÃO no plebiscito revogatório.

Em 2003 e 2005, duas insurreições operárias e populares sacodem a Bolívia. A primeira derruba Sánchez de Losada e a segunda Carlos Mesa, que se havia estabelecido em substituição ao anterior. Como resultado disso, triunfa Evo Morales.

Desde então, o processo não deixou de aprofundar-se. Surgiram um novo tipo de governos nacionalistas pequeno-burgueses e um novo tipo de países independentes em sua relação com o imperialismo. Em diferentes graus, esses são governos de ruptura com as burguesias tradicionais de tais países. Os casos mais avançados são a Venezuela e a Bolívia – país onde, de fato, há um governo de novo tipo índio-camponês que coexiste com instituições burguesas como o exército e onde se produziu uma fratura.

Há, também, uma nova política de integração latino-americana expressa pela Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América (ALBA). Trata-se de um bloco de países que atua de forma independente em um tipo de integração e solidariedade distintos das simples expressões de intercâmbios comerciais do capitalismo.

O golpe em Honduras expressa de forma concentrada esta polarização. De um lado, está a política da burguesia e da Igreja Católica. De outro, estão os setores populares da sociedade. Os golpistas contam com o apoio aberto da direita republicana dos EE.UU. e com o apoio velado do imperialismo ianque. Aqui, novamente, o imperialismo recorre à política da cenoura e do garrote. O novo é o apoio ativo e direto da Venezuela e, por essa via, dos países da ALBA.

A nova situação latino-americana apresentou novas reivindicações e novas tarefas para os revolucionários latino-americanos. Trata-se de um novo desafio – tarefa que estamos cumprindo – avançar na elaboração política:

a) Retomada da política de frente anti-imperialista (ver as teses teóricas do MES), que nos permitiu elaborar o apoio a estes governos e suas medidas progressivas sendo parte dos processos e mantendo, nos mesmos, nossa organização.

b) Compreensão de que se trata de todo um período na luta de classes no continente. Por várias razões, esses governos não avançaram a um processo mais permanente e ininterrupto rumo à expropriação da burguesia, mas não se detiveram nem tampouco se submeteram novamente ao imperialismo como ocorreu em períodos anteriores.


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Pedro Micussi