Uma verdade incômoda: a mudança climática
O furacão Irma que atingiu o Caribe e a Flórida no começo desse mês é mais um sinal inequívoco do processo de mudança climática que o mundo atravessa.
Irma, o grande furacão que atingiu o Caribe e a Flórida, traz à memória – de novo – uma verdade incômoda: a mudança climática, inocultável para além dos discursos elaborados pelo poder e a ignorância. Fenômenos naturais cada vez maiores e mais destrutivos sacodem o mundo. Inundações e secas, frios e calores extremos, tanto quanto os recentes furacões, são notícia cotidiana em todas as esquinas do planeta. Segundo afirma a grande maioria dos cientistas, esses fenômenos naturais – como cavaleiros climáticos do apocalipse – são a consequência global do aumento das temperaturas e das variações climáticas extremas. E isto recém começa… A razão nos diz que esta cadeia de catástrofes causadas por desordens climáticas severas deveria demolir as posições negacionistas. Mas o tema não é fácil. O poder geralmente não se rege pela razão, menos ainda aquela daqueles que imaginam um mundo em paz e fraternidade. Mais comum é que a razão se atrofie ao gosto e prazer do poder.
Só pensemos em posições como as de Donald Trump, para quem a mudança climática é um “conto inventado pelos chineses”. Semelhantes leituras, às vezes caindo no ridículo, no fundo escondem os compromissos adquiridos com poderosos interesses. E neste perverso mundo onde a pós-verdade é filha da modernidade capitalista pura e dura, não faltam os “cientistas” que encontram outras explicações para estes fenômenos naturais. Tampouco faltam os que estão convencidos que os problemas se resolvem pela tecnologia e a técnica, nem os que já fazem contas das utilidades a obter remediando o destruído ou construindo obras para afrontar os próximos e inevitáveis e cada vez mais dantescos fenômenos climáticos. Sem minimizar por nada a busca de respostas científicas ao problema, é hora de politizá-lo globalmente. Não basta que alguns dias as grandes mídias priorizem a cobertura jornalística do que está sucedendo. Para completar, seu fugaz interesse geralmente combina-se com reportagens tendenciosas. Além disso, repetir uma e outra vez que “já sabemos o que está por vir” é fútil.
Urge ir mais além e revisar todos esses feitos para estabelecer as correspondentes inter-relações, suas causas e seus responsáveis, que sim existem. Não há dúvida de que vamos enfrentar novas tragédias. Devemos nos preparar, mas isso não basta. Cabe conhecer as origens e alcances destes complexos fenômenos, ao tempo que debatemos as políticas da crise que acabamos de presenciar e também aquelas políticas radicais que necessitamos para prevenir – ou ao menos para minimizar – os impactos de novas crises. E, sobretudo, há que nomear as origens e os causadores destes problemas com transparência e conectando seus principais nós: extrativismos vorazes, consumismo exacerbado, contaminação imparável, desperdícios até programados, subsídios a combustíveis fósseis, racismo ambiental, inequidades socioeconômicas… Notemos igualmente que os recursos orçamentários disponíveis para enfrentar esta avalanche em crescimento são exíguos ao comparar-se, por exemplo, com os enormes, prejudiciais e insultantes gastos em armas e segurança repressiva, causadores – por sua vez – de graves problemas sociais, políticos e inclusive ambientais. Em uma linha similar estariam os multimilionários recursos destinados aos resgates bancários. Aproveitemos o momento para propor soluções globais profundas. Há que impulsionar medidas que reduzam drasticamente as emissões de gases de efeito estufa, algo factível se diminui o consumo e a extração de cada vez mais petróleo, carbono e gás; apoiando iniciativas como a proposta – do Equador – para deixar no subsolo o cru no Yasuní. Requeremos repensar integralmente nossas cidades e seus sistemas de transporte.
Igualmente necessitamos repensar o campo como provedor crucial do alimento com o qual as cidades sobrevivem. Os padrões de consumo devem mudar profundamente. Em suma, a organização das sociedades não pode seguir como até agora: com grupos relativamente reduzidos de população que consomem acima de suas capacidades – e inclusive acima de suas necessidades – enquanto o resto – quase a totalidade de habitantes do planeta – vive tratando de emular os privilegiados, em um sobre-esforço condenado à frustração permanente.
Chamar as coisas pelo seu nome nos obriga a superar conceitos fracos de conteúdo, como aquele de antropoceno, uma armadilha nada casual. Falemos sem rodeio de capitaloceno. Não negamos que a humanidade provoca os tremendos desajustes que hoje vive a Terra, mas a responsável não é qualquer humanidade, é a humanidade do capitalismo. Uma civilização que sufoca a vida tanto dos seres humanos como da natureza a fim de alimentar o poder que conhecemos como o nome de capital. E nesse empenho de chamar as coisas como são, caberia renomear os monstruosos furacões e fenômenos extremos por seus verdadeiros nomes: Chevron-Texaco em vez de Irma, British Petroleum em vez de Harvey, Exxon em vez de Maria…
Só a verdade servirá para construir nossa emancipação!
(Artigo publicado originalmente no site Rebelión. Tradução de Marcelo Martino.)