Misoginia e violência ampliam irrelevância da CPI do MST
Em dia de depoimento do José Rainha, Zucco se entala com ‘hambúrguer’ e mulheres saem por cima, mais uma vez
Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados
A CPI do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) foi constituída em um poço de irrelevância, sem objeto concreto e seu andamento até aqui, não serviu para nada. Mas se por um lado os bolsonaristas que comandam o colegiado se mostram incompetentes em sua intenção de criminalizar o movimento social, têm demonstrado grande talento ao expor sua própria misoginia em casos explícitos de violência política de gênero.
Esse espetáculo – extremamente penoso de assistir – ganhou novo episódio nesta quinta-feira, quando o presidente da CPI, Tenente-Coronel Zucco (Republicanos-RS), fez uma fala machista e gordofóbica à deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP).
A fala ocorreu durante o depoimento de José Rainha, líder da Frente Nacional de Lutas Campo e Cidades (FNL), depois de o relator da CPI, Ricardo Salles (PL-SP), apresentar um vídeo de Rainha pedindo votos a Sâmia Bomfim.
Após pronunciamento de Sâmia, Zucco, em tom irônico, questionou se a parlamentar queria “um hambúrguer” ou “um remédio” para se acalmar.
“A senhora respeite. A senhora está nervosa, deputada? Quer um remédio ou quer um hambúrguer?”, disse o parlamentar.
A pergunta ofensiva surpreendeu inclusive parlamentares da oposição, mas a deputada Taliria Petrone (PSOL-RJ) saiu a frente na indignação, e disse que Zucco desrespeitou o regimento da Câmara.
“O senhor é presidente de uma CPI, o senhor não tem vergonha de envergonhar o parlamento brasileiro e atacar mulheres eleitas?”, declarou, rebatendo tentativas de interrupção de outros integrantes da CPI e da mesa. “O senhor cale a sua boca porque estou no meu tempo, não me interrompa”, disse Taliria.
E pronto. A sessão que intencionava levantar algum “podre” de Rainha, da FNL, do MST, da ligação com a esquerda com os movimentos sociais, voltou a ser sobre machismo, violência e inépcia. Não deve haver na história da Câmara uma CPI tão desmoralizada.
“Essa é a conduta do presidente e do relator desde o início dos trabalhos da CPI, tanto no espaço do Parlamento como nas redes. Isso só corrobora com a desmoralização dessa comissão que, em vez de criminalizar o movimento como eles pretendiam, só tem acumulado episódios de abuso de autoridade e violência política de gênero. Por esse crime, aliás, ambos já respondem a inquérito na PGR e esse fato novo será somado aos autos”, informou Sâmia, em nota.
Conselho de Ética
A deputada pedirá o aditamento das representações já levadas à Procuradoria-Geral da República e ao Conselho de Ética da Câmara por violência política de gênero. O PSOL também entrará com um processo contra Zucco no Conselho de Ética da Câmara.
“As notícias que estampam os jornais de hoje sobre essa CPI são sobre o show de misoginia que aconteceu desde o início, não é sobre outra coisa. E não poderia ser diferente porque o povo brasileiro não concorda com isso, sobretudo as mulheres brasileiras”, disse Sâmia na sessão, após a fala de Zucco. “Nunca calem a boca, nunca se intimidem, nunca abaixem a cabeça para machista nenhum.”
À imprensa, Zucco se faz de vítima e alega ser alvo de ataques e “ofensas de baixo nível”. Segundo ele, parlamentares como Taliria, Sâmia e Fernanda Melchionna (PSOL-RS) atuam para “interromper trabalhos, fazer provocações baixas e desrespeitosas com seus colegas para, no final, posarem de vítimas apenas pelo fato de serem mulheres”. Zucco destaca que pediu a retirada de sua fala das notas taquigráficas da sessão. Tem erros que borracha nenhuma apaga, deputado.
Como diz Sâmia, o “tiro da CPI do MST saiu pela culatra”:
“Restou aos bolsonaristas apenas a baixeza dos ataques misóginos. Tenho orgulho do nosso trabalho nessa CPI e vamos seguir combatendo o agrogolpismo com ainda mais força. As mulheres não abaixarão a cabeça, a nossa coragem é o medo deles!”