O governo Allende. Revolução e contrarrevolução no Chile
M41_walker_bulldog_de_la_caballeria_blindada_Chilena

O governo Allende. Revolução e contrarrevolução no Chile

Aos 50 anos do golpe militar de Pinochet no Chile, publicamos um capítulo do livro “Setenta anos de lutas e revoluções na América Latina”, de Pedro Fuentes

Pedro Fuentes 10 set 2023, 14:24

O triunfo da Unidade Popular

Como parte do processo de ascenso da luta das massas, nas eleições gerais de 1970 no Chile, a Unidade Popular triunfou, uma frente entre o Partido Socialista, o Partido Comunista e a ala esquerda do Partido Democrata Cristão encabeçado por Vladimiro Tomic. Esta vitória foi uma consequência do fato de que a burguesia haver se dividido em dois partidos.

A vitória eleitoral abriu no Chile uma situação de efervescência de massas e de luta por suas reivindicações. O governo Allende tomou medidas enormemente progressistas diante do imperialismo. Nacionalizou as minas de cobre, o recurso econômico mais importante do país, levou a cabo uma reforma agrária em setores muito produtivos do campo, nacionalizou outras fábricas e implementou um sistema de produção mista e cooperativas. Ele nacionalizou o sistema bancário e iniciou profundas reformas educacionais.

Allende apareceu para os jovens, e não tão jovens, latino-americanos como o segundo governo socialista depois de Cuba. E assim ficou registrado na história, e Allende apareceu como um mártir para a causa socialista latino-americana, empunhando uma metralhadora no Palácio Moneda enquanto era bombardeado. É claro que ele estava longe de ser como os governos social-democratas tradicionais da Europa, mas ele também não era como Fidel. Na época, foi dito que ele estava inaugurando um caminho pacífico para o socialismo, mas infelizmente não foi assim.

Como definir o governo Allende?

Se o compararmos com o governo e o regime cubanos, ele estará longe de ser similar. As instituições fundamentais do Estado, entre elas o braço armado da burguesia, permaneceram intactas e faziam parte do regime. Até mesmo um partido minoritário da burguesia participou do governo. Na Europa, os governos dos partidos socialistas e comunistas com alguma participação da burguesia como era o caso da França (1936) foram definidos como Frente Popular. Trotsky denunciou este governo e alertou sobre sua futura capitulação para a burguesia, o que na França acabou acontecendo em 1938.

Para nós, um governo de Frente Popular em um país com desenvolvimento atrasado não é a mesma coisa. Tratava-se de um governo que tinha fortes choques irreversíveis com a burguesia imperialista. Por essa razão, levantamos a caracterização de que tratava-se de um governo anti-imperialista com o qual foi imposta a tática da Frente Unida Anti-Imperialista, ou seja, apoiá-la em suas medidas, para defendê-la contra o imperialismo marchando separadamente. Ou seja, não foi um governo de duas medidas, mas um governo pequeno e burguês anti-imperialista. Embora tenham havido profundas transformações, a estrutura do Estado não foi modificada e uma instituição fundamental, o exército, permaneceu a mesma. Pinochet foi seu comandante-em-chefe nomeado por Allende.

Avançando ainda mais na caracterização, concluímos que Allende, como Torres na Bolívia em 1971 (do qual falaremos mais tarde), eram governos de um regime “kerenkista”, usando a comparação com Kerenski na Rússia. Assim como Kerensky, Allende foi um governo “sanduiche” colado entre os trabalhadores e a mobilização popular de um lado e a burguesia pró-imperialista reacionária do outro. Na Rússia havia uma dupla potência que eram os soviéticos, no Chile, à medida que o processo se tornava mais radical e o perigo de um golpe militar aumentava, formavam-se os cordões industriais. Na Rússia havia sovietes de soldados, no Chile havia descontentamento entre os soldados o que levou, até, a uma revolta dos marinheiros em Valparaíso. Enquanto na Rússia houve uma centralização dos soviets, isto ocorreu apenas parcialmente no cordão industrial ao redor de Santiago. O Partido Comunista, que liderou a CUT, se opôs a esses cordões em nome da defesa do institucionalidade. É bom lembrar o que foram estes cordões eram através das palavras de dos dirigentes, Armando Cuevas, presidente do cordão Vicuña Mackenna. Ele disse:

“A organização de um cordão industrial custa muito. Porque é preciso levar em conta que organizar 350 empresas é uma situação muito difícil, e que isto está sendo organizado por trabalhadores, trabalhadores e não por dirigentes da CUT. ! Jovens! …., o camarada que fala com vocês tem 26 anos, sou presidente do Sindicato Industrial de El Metal e sou presidente do Cordão Vicuña Mackenna. Aqui você pode ver claramente que o trabalho é bastante árduo. Temos que trabalhar na empresa como dirigentes e no cordão com essas 350 empresas. Problemas todos os dias por causa do reformismo. Onde os camaradas ocupam uma empresa e o governo a ordena devolvê-la e os camaradas vêm aos dirigentes do cordão: E o que fazemos? Como somos uma semente do poder popular e vamos proteger nossos irmãos e irmãs de classe, nos mobilizamos contra o governo, quando o governo toma uma posição reformista, uma posição de compromisso com o inimigo, uma posição de culto aos militares. Para os dirigentes do cordão, e para todos os trabalhadores, este gabinete (com os militares) foi visto como uma traição à classe trabalhadora; os militares no governo, assim como em outubro, é uma garantia para os patrões e não para a classe trabalhadora. Por essa razão, vemos isso como bastante perigoso, porque acreditamos que os alinhamentos vão continuar e acreditamos que muitos trabalhadores, todos nós que estamos lutando, neste momento, pelo poder popular, vão cair”.

A situação foi exatamente como o camarada descreveu. Corvalan, o dirigentes máximo do PC e a liderança da CUT, foram desintegradores da já embrionária forma de duplo poder que nasceu dos cordões industriais.

O fracasso do caminho pacífico para o socialismo no Chile

Ainda existe a idéia em muitos setores da vanguarda de que com o governo Allende o caminho pacífico para o socialismo foi aberto, ou que o Chile já era socialista.

Como dissemos, este governo começou a ser um sanduíche entre o movimento de massas que queria radicalizar o processo em direção ao socialismo e a burguesia e o imperialismo que começou a pressioná-lo da direita. A ala direita deu um aviso prévio de seus movimentos, mas o governo não respondeu. Em agosto, houve a primeira tentativa de golpe que radicalizou ainda mais os trabalhadores. Em muitas fábricas, sob pressão da ala direita que lançou uma greve de caminhoneiros, começou a produção de armas. Os trabalhadores viram o confronto como inevitável e se prepararam para ele. Entre os suboficiais do exército, e particularmente entre os marinheiros, houve uma revolta contra os conspiradores militares, especialmente após a primeira tentativa de golpe. Entretanto, Allende continuou sendo o defensor da “institucionalidade”, até mesmo nomeando Pinochet como comandante-chefe do exército.

O conhecido gesto de Allende de enfrentar o atentado ao Palácio La Moneda com uma metralhadora não apaga o fato de que ele tinha em suas mãos todas as possibilidades de enfrentar o golpe, não apenas com uma metralhadora em suas mãos, mas facilitando – e não dificultando – o armamento dos trabalhadores e do povo. Isto é o que Allende não queria fazer. O governo requisitou as armas nas fábricas dias antes do golpe. O golpe militar de Pinochet em 11 de setembro de 1973, sem a resistência de Allende para evitar, segundo o Partido Comunista, uma guerra civil, fechou todas as possibilidades de avançar como em Cuba.

As mortes da ditadura e os desastres que ela causou foram certamente muito maiores do que teriam sido se Allende tivesse convocado a mobilização popular contra o golpe e permitido o armamento da classe trabalhadora. Os trabalhadores do Chile, e do resto da América Latina, foram imobilizados pelo golpe do general sanguinário orquestrado na embaixada Yankee. Se Allende tivesse resistido, certamente numerosas brigadas latino-americanas teriam ido à luta pelo Chile socialista.

Se, como vimos anteriormente, os revolucionários latino-americanos tiveram que lutar contra o foquismo guerrilheiro, por outro lado, também tivemos que lutar contra o chamado caminho pacífico para o socialismo utilizado em todo o continente pelos partidos comunistas. Esta estratégia, que descaradamente rompeu com a do Che (dois, três, muitos Vietnãs), serviu para dizer que tínhamos que manter a legalidade no Chile, não provocar a ala direita e seguir o curso institucional.


TV Movimento

Balanço e perspectivas da esquerda após as eleições de 2024

A Fundação Lauro Campos e Marielle Franco debate o balanço e as perspectivas da esquerda após as eleições municipais, com a presidente da FLCMF, Luciana Genro, o professor de Filosofia da USP, Vladimir Safatle, e o professor de Relações Internacionais da UFABC, Gilberto Maringoni

O Impasse Venezuelano

Debate realizado pela Revista Movimento sobre a situação política atual da Venezuela e os desafios enfrentados para a esquerda socialista, com o Luís Bonilla-Molina, militante da IV Internacional, e Pedro Eusse, dirigente do Partido Comunista da Venezuela

Emergência Climática e as lições do Rio Grande do Sul

Assista à nova aula do canal "Crítica Marxista", uma iniciativa de formação política da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco, do PSOL, em parceria com a Revista Movimento, com Michael Löwy, sociólogo e um dos formuladores do conceito de "ecossocialismo", e Roberto Robaina, vereador de Porto Alegre e fundador do PSOL.
Editorial
Israel Dutra | 21 dez 2024

Braga Netto na prisão. Está chegando a hora de Bolsonaro

A luta pela prisão de Bolsonaro está na ordem do dia em um movimento que pode se ampliar
Braga Netto na prisão. Está chegando a hora de Bolsonaro
Edição Mensal
Capa da última edição da Revista Movimento
Revista Movimento nº 54
Nova edição da Revista Movimento debate as Vértices da Política Internacional
Ler mais

Podcast Em Movimento

Colunistas

Ver todos

Parlamentares do Movimento Esquerda Socialista (PSOL)

Ver todos

Podcast Em Movimento

Capa da última edição da Revista Movimento
Nova edição da Revista Movimento debate as Vértices da Política Internacional

Autores

Pedro Micussi