‘Apagão’ em São Paulo escancara a real face da privatização
Quatro dias após temporal, mais de 200 mil imóveis seguem sem luz. Por lucro, empresa que controla antiga Eletropaulo demitiu um terço dos funcionários e negligenciou manutenção
Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
A capital paulista entrou, nesta terça-feira, no quarto dia de “apagão” após a tempestade que a atingiu na última sexta (3). Conforme a Enel, empresa que detém a concessão dos serviços de energia elétrica no Estado, ainda há 200 mil imóveis sem luz, mas o número total de atingidos foi estimado em 2 milhões de residências. Tanto o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) quanto o prefeito Ricardo Nunes (MDB) buscaram responsabilizar o evento climático atípico pelo transtorno gigantesco na maior cidade do país, mas acabaram tendo que capitular.
Se há gente sem luz em São Paulo, a culpa é da privatização e não apenas da ineficiência da empresa responsável pelo serviço. Acompanhando a lógica do Capital, a Enel – controladora da Eletropaulo desde 2018, num contrato de concessão com duração de 30 anos – enxugou o quadro de funcionários em quase 36%. Conforme dados levados pela própria companhia à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), entre 2019 e 2023, o número de servidores caiu de 23.835 para 15.366. Em contrapartida, o universo de clientes aumentou 7% no mesmo período (e apenas na região metropolitana). Hoje, em média, cada empregado da companhia trabalha para atender um grupo de 511 consumidores. Quando a Enel iniciou a operação, a média era 307 clientes por funcionário.
O processo de desmonte da companhia – que até 2018 atendia ocorrências em um prazo médio de 15 minutos – ainda afetou superintendências regionais, distribuição e manutenção de redes. A situação contraria as alegações do governo tucano que, à época da privatização da Eletropaulo, prometia eficiência superior na prestação de serviços caso a empresa estivesse nas mãos da iniciativa privada. É o mesmo discurso falacioso empregado para convencer a sociedade da necessidade de vender a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp).
“Você tem uma piora da qualidade de serviço que vem a partir de uma lógica que é totalmente baseada no lucro, e mais nada. Não é baseada no papel social, não é baseada em redução de desigualdade, o que você quer fazer é mandar Sabesp para o mesmo caminho. A Sabesp é uma empresa que não é perfeita, nós sabemos, assim como não era o Eletropaulo. Mas o que acontece é que quando você tem um processo de privatização, você tem uma piora da qualidade e um aumento do preço. Isso é geral. Foi isso que aconteceu com a luz e, se privatizar a Sabesp, vai acontecer também com a água”, pondera a vereadora Luana Alves (PSOL).
Na Justiça
Na segunda-feira (6), a deputada estadual Mônica Seixas, do PSOL de São Paulo, ofereceu duas representações no Ministério Público e no Tribunal de Contas do Estado (TCE) contra a Enel. A parlamentar pede que os órgãos exijam que o governo de São Paulo apresente um plano de ação com metas e prazos para fiscalizar os serviços prestados pela concessionária, e que caso a situação persista, o contrato seja revogado.
Também na segunda-feira, a CPI da Enel na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) protocolou um requerimento para convocar Max Xavier Lins, diretor-presidente da Enel Distribuição São Paulo, para depor na comissão.
“Será que o presidente da Enel está sem energia em casa há 5 dias como tantos cidadãos do Estado? O VENTO é o culpado? Convocamos a presença de Nicola Cotugno na CPI da ENEL, queremos muito ouvir o que ele tem a dizer”, adendou a deputada Monica Seixas.
O Ministério da Justiça e o Procon-SP notificaram a concessionária e o Ministério Público de São Paulo vai apurar se houve omissão no atendimento aos consumidores afetados.
A queda na qualidade do serviço, em geral acompanhada do reajuste de tarifas, não é um caso exclusivo de São Paulo. Recentemente, a Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do RS (Agergs) aplicou uma multa de R$ 24,3 milhões à CEEE Equatorial, responsável pelos serviços de energia elétrica em parte do Rio Grande do Sul. A penalidade resulta de uma fiscalização realizada pela Agergs em agosto passado, que apontou o descumprimento parcial do Plano de Resultados de 2022 estabelecido para a concessionária, além da precariedade da manutenção de suas instalações.
Nas tempestades que causaram destruição e alagamentos no estado há cerca de dois meses, algumas regiões do Rio Grande do Sul chegaram a ficar até duas semanas sem fornecimento de energia, conforme a agência. Assim como no caso da Enel, a Equatorial demitiu boa parte do quadro funcional. Dos 2,5 mil trabalhadores herdados ao adquirir a CEEE, há dois anos, mil já foram dispensados.
Outro lado
Procurada, a Enel disse que “os profissionais da companhia seguem trabalhando 24 horas por dia para agilizar os atendimentos e normalizar o fornecimento para quase a totalidade dos clientes até esta terça-feira (7), conforme anunciado em reunião com o prefeito de São Paulo”.
Além da Enel, o estado de São Paulo também conta com outras fornecedoras de energia, que também foram afetadas. Entre elas estão a CPFL, Elektro, EDP SP e ESS.