Após apagão em SP, Enel deixa 100 mil às escuras em cidades do Rio
Mais de 48 horas após tempestade, regiões de Niterói e São Gonçalo seguem sem energia. Para especialistas, saída é “desprivatizar”
Foto: Pixabay
A concessionária de energia elétrica Enel, epicentro da revolta dos paulistanos após um temporal há duas semanas, agora é alvo de revolta de clientes da região metropolitana do Rio de Janeiro. Cerca de 48 horas depois de uma tempestade atingir a região, quase 100 mil famílias de Niterói e de São Gonçalo seguem sem luz. No caso paulista, houve casos em que o fornecimento foi retomado apenas uma semana depois do sinistro.
Na segunda-feira (20), moradores dos dois municípios protestaram contra a ineficiência da empresa. No bairro Fonseca, em Niterói, um grupo ateou fogo a lixo e chegou a fechar um sentido da Ponte Rio-Niterói. Também houve protesto na Rodovia Amaral Peixoto, altura de Maria Paula, em São Gonçalo. Em algumas localidades, a falta de energia compromete também o fornecimento de água, dizem os moradores.
O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) instaurou um procedimento para apurar as falhas no serviço após centenas de queixas de consumidores. O procedimento será anexado ao processo em tramitação na justiça que condenou a empresa Ampla (controlada pelo Grupo Enel) à obrigação de restabelecer a energia elétrica no prazo de seis horas, sob pena de multa de R$ 20 mil para cada descumprimento.
“A Promotoria de Justiça do Consumidor também acompanha a CPI da Enel, instalada em março deste ano, pela Câmara de Vereadores de Niterói, e que apura as falhas da concessionária que resultam em interrupções no fornecimento de energia elétrica. Há inquéritos ainda em andamento que cobram previsão da troca de postes, instalação de transformadores, entre outros aspectos do serviço”, informou o MP, em nota.
De novo, a culpa é da chuva
Através de comunicado, a Enel informou não ter sido notificada sobre a ação do MPRJ. Também afirma que 91% dos clientes afetados pela tempestade da noite de sábado (18) já tiveram o serviço restabelecido. Como feito anteriormente, a empresa atribuiu os danos à rede à chuva e a ventania, sem colocar em questão a falta de manutenção, a carência de equipes e a demora para fazer os reparos solicitados pelos clientes
“O evento climático, com chuva, rajadas de vento e descargas atmosféricas, causou danos severos à rede elétrica de várias cidades fluminenses, interrompendo o fornecimento de energia. Neste momento, as cidades mais afetadas são Niterói, São Gonçalo, Petrópolis e Maricá”, informou a empresa. “A Enel segue trabalhando com força total para recuperar todos os clientes o mais rápido possível”.
O porta-voz da Enel, José Luis Salas, disse que equipes da Enel em São Paulo estão chegando ao Rio de Janeiro para dar apoio nas ocorrências que ainda estão pendentes.
“Nós estamos preparados para enfrentar esses eventos climáticos”, garantiu o porta-voz em vídeo enviado à imprensa.
O deputado estadual Josemar Carvalho (PSOL-RJ) atribui a situação não apenas a Enel, mas também ao governo do Estado, que falha ao não fiscalizar ou cobrar um mínimo de eficiência da concessionária.
“A Enel jogou São Gonçalo num pesadelo. É um misto de descaso com incompetência. Mas eles não são os únicos culpados. Essa empresa atua há anos de forma negligente, sob a proteção e conivência do governo estadual. Não há mais a menor condição de serem responsáveis pela energia no nosso município. Pelo fim dessa concessão nefasta!”, criticou.
Privatizar não dá certo
Especialistas do setor elétrico apontam os casos ocorridos recentemente no Rio de Janeiro, em São Paulo e no Rio Grande do Sul são novas provas de que a privatização de serviços essenciais é um tiro no pé. Mas há piores: em 2021 o Amapá ficou sem energia por 21 dias, e os cortes no fornecimento são frequentes no Centro-Oeste.
Em entrevista ao BdF, a economista Clarice Ferraz – pesquisadora Associada do Grupo de Economia de Energia do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e diretora do Instituto Ilumina – explicou que a falta de manutenção de redes elétricas é uma estratégia das concessionárias para obter lucro, já que o contrato com o governo tenta coibir aumentos de tarifa.
“No contrato atual, os custos das empresas com manutenção não são repassados para tarifa de energia. Então, a concessionária deixa no poste parafuso enferrujado, que depois pode derrubar uma linha inteira. Já quando ela põe um ativo novo, joga isso no cálculo da tarifa e aumenta o retorno dele”, exemplificou. “A manutenção é uma obrigação da concessionária, mas a Aneel não fiscaliza”, disse.
A especiaisra acrescenta que o governo precisa, sim, considerar a possibilidade de reestatização da distribuição energia no país. Não seria incomum. Conforme dados da Transnational Institute (TNI), da Hoanda, 1.658 privatizações foram revogadas em todo o mundo desde 2000. E a maioria são referentes a empresas de distribução de água (393) e energia (383).