Justiça argentina suspende reforma laboral de Milei
Medida surge na sequência da ação apresentada pela Confederação Geral do Trabalho (CGT), que incide sobre a matéria laboral do Decreto de Necessidade e Urgência (DNU), imposto pelo presidente da Argentina e que entrou em vigor no dia 29 de dezembro
Publicado originalmente em Esquerda.Net
O capítulo IV do Decreto de Necessidade e Urgência (DNU) prevê, nomeadamente, estender o período de experiência dos trabalhadores de três a oito meses, reduzir o montante para calcular a compensação das indemnizações, reduzir as licenças por gravidez, maternidade e paternidade, limitar ao máximo o direito a greve ou outras formas de luta pelos direitos laborais, e anular as multas previstas para os empregadores que não procedam ao devido registo dos seus trabalhadores.
Na sua decisão, um dos juízes questionou a “necessidade” e a “urgência” do decreto de Javier Milei e assinalou que várias das normas que o Executivo pretende modificar sem intervenção dos legisladores “têm natureza repressiva ou sancionatória na medida em que as inclui como parte integrante do direito penal laboral”, em relação às limitações de greve e a anulação de multas a empregadores que tenham trabalhadores sem registar devidamente.
A suspensão é uma medida provisória até que se discuta a validade do DNU no Congresso. O decreto entrou em vigor a 29 de dezembro, com a sua publicação no Boletim Oficial, e somente perderá vigência se for recusado por ambas as câmaras do Congresso, o que nunca aconteceu na história institucional argentina.
Apresentado num contexto de grave crise económica na Argentina, que conta com uma inflação anual que supera 160% e uma taxa de pobreza de 40%, o mega decreto de Javier Milei também abre as portas à privatização de empresas públicas, revoga leis de proteção dos consumidores contra aumentos abusivos de preços, atenta contra o direito à Habitação e ao sistema de saúde, com a sua liberalização generalizada. As medidas do DNU complementam-se com as iniciativas anunciadas pelo ministro de Economia, Luis Caputo, no passado 12 de dezembro, e pela conhecida como “lei omnibus”, com a qual o presidente pretende acumular poderes legislativos.
Estruturas sindicais celebram decisão do tribunal
“Esta decisão judicial põe um travão à reforma laboral regressiva e contrária aos trabalhadores”, assinalou o Conselho Diretivo da CGT. Já a Central de Trabalhadores e Trabalhadoras da Argentina Autónoma (CTA Autónoma) destacou que a decisão “fortalece o questionamento político ao DNU”, e o CELS – Centro de Estudos Legais e Sociais congratulou a suspensão da reforma e assegurou que o decreto é “inconstitucional e regressivo em matéria de direitos humanos”.
Milei depende agora do apoio de outras forças políticas para poder impor as suas propostas. Ao mesmo tempo, enfrenta nas ruas forte contestação, com duas semanas consecutivas de protestos contra as suas medidas. Entretanto, foram já marcadas, pela Confederação Geral do Trabalho (CGT), para o próximo dia 24 de janeiro, uma greve geral e uma grande mobilização em frente ao Congresso da Nação. Acresce que as ações na justiça contra o DNU já ultrapassam uma dezena.
Juristas, académicos e professores de direito repudiam as reformas anunciadas pelo governo de Milei a 12 de dezembro, e que versam sobre matérias que vão desde a saúde mental, a responsabilidade civil, os contratos e até o divórcio.
“Contradiz a sistémica do Código Civil e Comercial da Nação, incentivando um novo foco de conflito interpretativo com a consequente insegurança jurídica”, advertem em comunicado.
Entre os signatários estão Aída Kemelmajer, responsável pela reforma do Código Civil, juntamente com Ricardo Lorenzetti e Elena Highton, Marisa Herrera e o atual presidente do Colégio da Advocacia da Capital Federal (CPACF), Ricardo Gil Lavedra.