Marielle: um crime por vingança?
Em delação ainda não homologada, miliciano Ronnie Lessa acusa conselheiro do TCE-RS de mandar matar Marielle
Foto: Divulgação
Sem resposta há cinco anos, a pergunta “Quem mandou matar Marielle?” pode estar perto de ser respondida. Em delação premiada à Polícia Federal (PF), o ex-PM Ronnie Lessa, um dos acusados da execução da vereadora e de seu motorista Anderson Gomes, apontou o ex-deputado estadual Domingos Brazão (MDB) como um dos mandantes do crime, segundo reportagem do Intercept Brasil.
A delação de Lessa, preso desde março de 2019, ainda precisa ser homologada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), uma vez que Brazão, hoje, é conselheiro do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro e tem foro privilegiado. Apesar de sempre negar participação no crime ocorrido em 14 de março de 2018, Domingos Brazão chegou a figurar entre os suspeitos do caso e, em 2019, foi acusado formalmente pela Procuradoria-Geral da República (PGR) por obstruir as investigações.
O imbróglio se deu após o depoimento do policial militar Rodrigo Jorge Ferreira, o Ferreirinha, que no início das investigações acusou o então vereador Marcello Siciliano (PHS) e o miliciano Orlando Oliveira de Araújo, o Orlando Curicica, como mandantes do crime. A Polícia Federal desconfiou e concluiu, após investigação, que Ferreirinha e sua advogada faziam parte de organização criminosa cujo objetivo era atrapalhar as investigações sobre a morte da vereadora. Brazão estaria por trás dessa armação.
E seu nome voltou à tona no fim do ano passado, quando o ex-policial militar Élcio Queiroz, motorista que dirigiu o carro para Ronnie Lessa durante o assassinato, fez sua delação. Mas o que o teria levado a mandar matar Marielle? Conforme as fontes do Intercept, seria uma vingança contra o atual presidente da Embratur, Marcelo Freixo (PT), à época deputado estadual pelo PSOL.
CPI das Milícias
A rivalidade entre ambos remonta ao relatório final da CPI das Milícias, presidida por Freixo, que apontou ligações entre Brazão e família e organizações criminosas de Rio das Pedras, na zona Oeste do Rio. Em 2017, Freixo também esteve por trás da Operação Cadeia Velha, que prendeu nomes proeminentes do MDB no estado, como os deputados estaduais Paulo Melo e Edson Albertassi e Jorge Picciani. O ex-psolista defendeu a manutenção da prisão dos três deputados no plenário da Assembleia Legislativa. Naquele mesmo ano, Brazão foi preso na Operação Quinto do Ouro, um desdobramento da Lava Jato no Rio de Janeiro, sob acusação de receber propina de empresários. Acabou afastado do TCE-RJ por cinco meses.
Como Marielle foi assessora de Freixo por 10 anos – cargo que só deixou após ser eleita vereadora, em 2016 – Polícia Civil do Rio e o Ministério Público começaram a trabalhar com a possibilidade de Brazão ter agido por vingança. Em maio de 2020, quando foi debatida a federalização do caso Marielle, a hipótese foi levada para a ministra do STJ Laurita Vaz, que relatou:
“Cogita-se a possibilidade de Brazão ter agido por vingança, considerando a intervenção do então deputado Marcelo Freixo nas ações movidas pelo Ministério Público Federal, que culminaram com seu afastamento do cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro”, diz o relatório da ministra. “Informações de inteligência aportaram no sentido de que se acreditou que a vereadora Marielle Franco estivesse engajada neste movimento contrário ao MDB, dada sua estreita proximidade com Marcelo Freixo”.
É preciso cautela
Em nota pública sobre o andamento das investigações, a viúva de Marielle Franco, Monica Benício, reafirmou a luta do Comitê Justiça por Marielle e Anderson, mas pediu cautela. Lembrando que a delação de Ronnie Lessa ainda não foi validada pelo STJ, ela manifestou preocupação com “o vazamento de informações que possam comprometer a condução das investigações e os ritos processuais adequados”.
“Aguardamos com esperança que a delação de Ronnie Lessa apresente de fato novos elementos probatórios que representem um avanço significativo na busca por justiça. No entanto, é necessário ressaltar que, até o momento, não houve atualizações oficiais por parte das autoridades envolvidas, e a delação ainda precisa ser homologada pelo Superior Tribunal de Justiça para confirmar sua validade. As famílias reiteram seu apelo por responsabilidade na veiculação de informações sobre o caso, evitando usos de diversas ordens e finalidades. Não aceitaremos que o Caso Marielle e Anderson seja simplificado e interpretado apenas como objeto de disputas e interesses pessoais ou de grupos políticos”, diz trecho da nota.
Em suas redes sociais, o deputado estadual Prof Josemar Carvalho (PSOL-RJ) avaliou como importante as informações trazidas pela imprensa, mas disse acreditar que há mais a ser revelado.
“A PF trabalha, de forma bastante consolidada, com a linha de que existe um segundo mandante para o assassinato. Desejamos que toda essa complexa teia criminosa seja elucidada!”, comentou.