Crise com Campos Neto: passar das palavras aos atos
A ortodoxia econômica do governo, apesar das diferenças entre Lula e o presidente do Banco Central, expressam limitações de sua política atual sobre o tema
Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado
A troca de farpas entre Lula e o presidente do BC, Roberto Campos Neto, escalou nesta semana. A batalha ao redor da última reunião do COPOM, onde foi definido por unanimidade que não haveria redução dos juros, levou a crítica de Lula contra o presidente do BC e os juros altos.
Diante do cenário político instável, onde a burguesia pressiona por mais ajuste, o centrão e a extrema direita atuam para debilitar o governo e a equipe econômica acena para o rentismo, quais tarefas e propostas a esquerda deve levantar?
O cavalo de Tróia do BC
Campos Neto, neto do economista neoliberal conservador que comandou o Ministério do Planejamento na época da ditadura, foi indicação de Bolsonaro, para seguir a frente do Banco Central, com mandato que se manteve nos dois primeiros anos de Lula.
Em maio, um dividido COPOM (Comitê de Política Monetária) votou pela queda da taxa de juros, ainda numa escala menor do que a que mesmo setores do governo reinvidicavam. Contudo, em 19 de Junho, a reunião do COPOM manteve a taxa de juros em 10, 25%. Lula lamentou afirmando que quem “perde é o Brasil”.
Campos Neto, por sua parte faz gestos à oposição bolsonarista, sendo convidado de honra de um jantar com o governador Tarcisio de Freitas, se postulando como futuro ministro num eventual governo da direita.
A pressão da burguesia pela manutenção de um severo ajuste, pode ser notada pela alta do dólar.
Haddad e a linha da Faria Lima
Apesar das críticas da Lula, a votação unanime (em 19 de junho) e o papel de Galipolo indicam que há acordo entre o BC e o centro da política economica.
Como está bem ilustrado na coluna de Vinicius Torres Freire (28/06): “Issac Sidney, presidente da Febraban, disse que ‘há ruídos de uma eventual fragilidade fiscal, mas estamos distantes do descontrole e que o ministro da Fazenda tem compromisso com o arcabouço fiscal, seja por meio do aumetno de receitas seja na tentativa de controlar despesas”, demonstrando verbalmente o apoio dos banqueiros aos planos de Haddad.
A entrevista de Rogerio Ceron indica que, na orientação prática, o governo federal não descuida do ajuste fiscal nem quando uma crise emergencial abre, por decisão unânime do congresso, a exceção no arcabouço. E com ajuste fiscal como o atual a reconstrução do RS será muito mais difícil e demorada – e já tem sido – do que clama a necessidade popular.
A saída é pela esquerda – passar das palavras aos atos
É necessário levar adiante o conteúdo das críticas que Lula faz ao BC, a começar pelos juros, passando das críticas às tarefas concretas. É preciso mudar a orientação econômica do governo, para ter condições de realizar maciços investimentos nas áreas sociais, ameaçados pelo ajuste contido no arcabouço fiscal.
Como outro modelo, que leve em conta das demandas da maioria social, da defesa do meio ambiente, temos que lutar contra o rentismo, colocando o problema da dívida – que consome bilhões – que faltam para saúde, educação e moradia
O PSOL e a esquerda, devem utilizar seus espaços políticos e a própria eleição que se avizinha para defender outra agenda econômica – com centralidade nas demandas do povo – como forma de derrotar a extrema direita de Bolsonaro e Campos Neto, se apoiando nos exemplos de mobilizações das ruas como foram as mulheres que recentemente apontaram um caminho na luta contra o PL 1904.
As centrais sindicais, logo depois das declarações de Lula, puxaram mobilizações. Mas foram tão fracas, tão sem preparação, que nem vale dar esse nome. Não pode ser forte o que é feito apenas quando o presidente diz amén. A distância da base cobra seu preço. Não apoiaram os servidores, não fizeram um 1 de maio digno de nota e agora chamam às ruas de modo burocrático. É preciso um caminho de luta verdadeiro. Uma explicação paciente ao povo. E uma decisão de enfrentamento contra o neoliberalismo.