Sobre o resultado eleitoral em Natal
Balanço das eleições municipais de 2024 na capital potiguar
Este balanço eleitoral preliminar é escrito à luz da recente eleição municipal em Natal, no interior da qual atuamos de forma independente e militante como organização a partir do PSOL. Acreditamos que é necessário construir uma avaliação franca e aberta do processo eleitoral, na tentativa de contribuir com as lutas que virão, com a afirmação de um programa conectado aos interesses da classe trabalhadora e a construção um polo da esquerda radical e independente que exerça influência sobre amplos setores da sociedade.
Antes de tudo, é útil mostrar como as tendências nacionais apontadas nos nossos documentos de balanço [1] se encontram de maneira cristalina no Rio Grande do Norte. A onda continuísta de reeleições alcançou 88% no RN, sendo o terceiro maior índice do Nordeste. O chamado “centrão” abocanhou o maior número de prefeituras, destacando-se o MDB (45), o União Brasil (28) e o PSD (21). Assim como é possível indicar, em que pese a vitória em Natal, sobre a qual trataremos a seguir, que o bolsonarismo liderado pelo PL de Rogério Marinho saiu aquém do projetado, com derrotas em duas das três cidades mais importantes do estado: Mossoró e Parnamirim. O PT, por sua vez, embora com o Governo Estadual sob as mãos de Fátima Bezerra, elegeu apenas 7 prefeituras, confirmando também em nível local um quadro eleitoral marcado por uma derrota.
Natal na rota nacional, ainda que com importantes elementos particulares
“Nem toda derrota eleitoral é uma derrota política”, declarou Natália Bonavides (PT) após o resultado do segundo turno. O PT não disputava o segundo turno em Natal há 28 anos. Natália teve a maior votação da história do partido na capital com mais 179 mil votos, fazendo do segundo turno uma campanha movimento que animou amplos setores no enfrentamento à extrema-direita organizada ao redor de Paulinho Freire (União Brasil). Sua afirmação, portanto, é verdadeira, mas não absoluta, porque depende dos rumos que serão imprimidos depois das eleições. Somos da posição que, qualquer que sejam os rumos, embora já hajam motivos para indica-lo, se mantém a necessidade de construir um polo da esquerda radical em Natal, com um programa de combate vinculado aos interesses da classe trabalhadora potiguar.
Como é de conhecimento público, travamos uma dura batalha no interior do PSOL para que o partido se apresentasse em primeiro turno com a candidatura própria de Camila Barbosa. Acreditávamos que era a tática eleitoral que nos colocava em melhor posição para combater a extrema-direita e as oligarquias, além de afirmar um programa de esquerda capaz de acumular forças no debate público às vésperas de um inescapável segundo turno – para o qual a presença de Natália Bonavides (PT) não dependeria dos votos do PSOL. A proposta de apoio crítico a candidatura do PT já no primeiro turno acabou se estabelecendo por meio de uma inédita e burocrática intervenção do Diretório Nacional do PSOL, que invalidou a decisão tomada no Diretório Municipal do PSOL Natal pela candidatura própria de Camila.
O apoio crítico e não a entrada formal na coligação liderada por Natália se deu pelo fato do PT ter construído seu arco de alianças em Natal com o MDB, àquela altura um dos partidos cotados para indicar o vice de Natália. Isso evidentemente, sobretudo se tomarmos como fotografia a própria eleição e o papel do MDB em nível nacional, destacadamente em São Paulo onde Ricardo Nunes foi o legítimo representante da extrema-direita, não é mera formalidade, senão uma posição de princípio defendida por nós no interior do PSOL segundo a qual o partido não deve ter alianças com partidos burgueses e tampouco governar com eles.
Queremos indicar, portanto, que este erro custou a entrada do PSOL na coligação. Antes do fim do primeiro turno, vimos o MDB desembarcar na campanha de Carlos Eduardo (PSD) com anuência do vice-governador Walter Alves. O partido que apostava suas fichas na eleição de Júlio Protásio, condenado pela Operação Impacto pela venda de votos na revisão do Plano Diretor de Natal, não elegeu um mandato sequer em Natal. O PSOL, ao contrário, além de ter feito uma campanha militante pela candidatura de Natália do começo ao fim das eleições, somou mais de 22 mil na capital votos e elegeu a mulher mais votada de Natal: Thabatta Pimenta. O PT de Natália poderia ter feito uma ampliação à esquerda, incorporando o PSOL – partido que têm candidaturas majoritárias próprias em Natal desde sua fundação. Decidiu, no entanto, ampliar-se à direita, assistindo – repetimos – o MDB sair da sua campanha ainda durante o primeiro turno.
Ainda assim, sem tergiversar, diante da necessidade de derrotar a candidatura bolsonarista de Paulinho Freire (União Brasil), decidimos apoiar a Natália Bonavides desde o primeiro turno. Fizemos ali um ato político do PSOL organizado pelas campanhas de Robério Paulino e Camila Barbosa para mais de 300 pessoas, com as presenças de Sâmia Bomfim e Glauber Braga, no qual entregamos a Natália uma carta-programa cujo centro era a revogação de todas as medidas contra os trabalhadores aprovadas por Álvaro Dias e a defesa de temas centrais como a licitação do transporte público, o passe livre e o fim das filas nos CMEIs. Estabelecemos assim a unidade ao redor do programa e da necessidade de combater e derrotar a extrema-direita nas urnas, sem rebaixar nossa crítica à política de alianças do PT. Hoje devidamente experimentada pelo executivo estadual de Fátima Bezerra, que amarga índices de reprovação popular e mantém choques com o funcionalismo público com inclusive indefensáveis judicializações de greve.
Os elementos particulares dos quais falamos, como a ida do PT ao segundo turno depois de 28 anos, não fizeram, contudo, Natal ter uma posição peninsular ante o quadro nacional. Estamos nos referindo em especial ao peso do fundo eleitoral e das emendas controladas pela direita. O crescimento vertiginoso e a vitória eleitoral de Paulinho Freire também se explicam pelo fato dele ter sido o candidato da “máquina pública”, acumulando o apoio da atual gestão de Álvaro Dias (Republicanos), de dois dos três senadores (Rogério Marinho e Styversson Valentim) e da maioria acachapante de vereadores (17 dos 29 na largada e, no segundo turno, 21 entre os eleitos), formando assim a maior coligação e tendo maior tempo de propagando eleitoral na televisão.
Pelo programa eleitoral de Paulinho passavam os parlamentares federais como fiadores do seu possível mandato, afirmando compromissos de envio de emendas para Natal. Empenhavam à luz do dia emendas para Paulinho Freire, concluindo que esta ou aquela obra, este ou aquele investimento, só aconteceriam em caso de vitória do seu candidato. O que é mais uma prova, como afirmamos no documento de balanço escrito pelo Secretariado Nacional, do salto na cristalização do regime político brasileiro, com o chamado “centrão – esse bloco fisiológico, com alguma variação regional e posições à direita – dando as cartas.
Há outro elemento comum do quadro nacional, ainda que com importantes particularidades: a apatia social durante as eleições, traduzida nos altos índices de abstenção. No primeiro turno, a abstenção de Natal foi a maior do Nordeste: 25,22% (enquanto a média nacional foi de 21,71%). Já no segundo turno, houve um aumento módico para 26% (aproximadamente 150 mil eleitores), ficando abaixo da média nacional de 29,26%. Ainda que alta e passível de uma reflexão mais profunda, avaliamos que a campanha de rua feita por Natália no segundo turno, apostando conscientemente na mobilização de rua, foi importante para ficarmos abaixo da média nacional de abstenção (ao contrário do primeiro turno, que inclusive superamos). Eis aí o elemento particular importante do qual falamos: a aposta decidida na mobilização em meio a uma eleição marcada pela apatia, sem grandes atos e passeatas de rua Brasil afora e com o peso artificial de máquinas eleitorais.
A campanha de Natália Bonavides (PT)
Avaliamos que a campanha de Natália no segundo turno encontrou a justa medida no enfrentamento a extrema-direita quando optou por tomar as ruas, defendeu aberta e combativamente temas de maioria social e não se eximiu de denunciar o papel reacionário dos grandes meios locais de comunicação. Isso pavimentou o crescimento exponencial de Natália, que saiu de 28% no primeiro turno para 44% no segundo turno. Paulinho cresceu 10,6 pontos percentuais enquanto Natália cresceu 16,15%.
Natália remou não só contra a maré imposta pela vultosa máquina eleitoral do seu adversário, mas também contra os índices de reprovação do governo estadual que lhe apoiava. A pesquisa mais recente indicou que 73% dos natalenses desaprovam o governo Fátima. Natália, no entanto, não escondeu Fátima de sua campanha e, na nossa opinião, abriu caminho para que a governadora voltasse a ter presença nas ruas, indicando que a hipótese de reversão do quadro de reprovação popular passa centralmente pela mobilização social combinada a mudança de rumo no governo.
As primeiras notícias depois do resultado inédito do PT em Natal, no entanto, caminham no sentido oposto: Fátima já prepara mudanças no secretariado ensaiando uma recomposição mais ampla e à direita com o PSDB de Ezequiel, o MDB de Walter Alves e o PSD de Zenaide Maia.
Isto posto, é importante registrar que a campanha de Natália reuniu ao seu redor um amplo movimento democrático e popular de forças postas em movimento contra a extrema-direita organizada na candidatura de Paulinho. A campanha saiu dos redutos tradicionais da esquerda em Natal, com caminhadas nos bairros populares (acumulando vitórias no segundo turno em lugares como Mãe Luiza, Santos Reis, Praia do Meio e Rocas). Os comitês nos locais de trabalho, estudo e territórios se multiplicaram aos borbotões na reta final de campanha, dando um sentido militante na luta contra a extrema-direita. A vinda de Lula também se constituiu como o maior ato político e eleitoral da campanha, com a correta escolha de ter sido realizada na Zona Norte de Natal.
Além disso, do ponto de vista programático, Natália defendeu a licitação dos transportes com controle social e participação popular e a implementação gradual do Passe Livre. Trata-se de um acerto, sobretudo se considerarmos que o transporte público é um dos principais problemas apontados pela população de Natal. Teve firmeza e altivez ao responder a fake-news do furto insignificante e por necessidade, do qual é co-autora do PL de Talíria Petrone (PSOL), desmascarando o voto de Paulinho Freire em favor de Chiquinho Brazão. Tudo isto explica também sua “vitória política” apesar da derrota eleitoral.
O lugar do PSOL
Nestas eleições, avaliamos que o PSOL em Natal tenha alcançado em número de votos um desempenho regular, similar ao que partido teve em 2016 (na casa dos 22 mil votos). Se considerarmos a redução em 40% das candidaturas proporcionais com a aparição das federações, se pode dizer que o partido perdeu terreno eleitoral nos últimos anos. A candidatura de Natália no primeiro turno, ao contrário do que alguns setores do partido defendiam, não foi determinante para um eventual crescimento eleitoral do PSOL na disputa proporcional. O PT, por sua vez, ampliou sua bancada de 2 para 3 vereadores (às custas de um mandato do PCdoB, que integra a mesma federação). Pode-se dizer, portanto, que a esquerda em sentido ampliado não cresceu na Câmara Municipal de Natal, em que pese o desempenho inédito do PT na disputa do executivo municipal.
O PSOL em Natal manteve sua representação parlamentar de uma cadeira, antes ocupada por Robério Paulino e agora por Thabatta Pimenta. Thabatta elegeu-se como a mulher mais votada de Natal, com uma campanha orientada pelos temas da diversidade e da inclusão. Robério, por sua vez, quase triplicou sua votação anterior, mas foi superado pela reeleição de Eribaldo Medeiros (Rede). A Rede, que somou pouco mais de 5 mil votos, contou com os mais de 22 mil votos do PSOL para renovar seu mandato. Sem falar do custo político: Eribaldo fez parte da bancada de situação de Álvaro Dias e campanha para Carlos Eduardo no primeiro turno. Apostávamos na hipótese de que o PSOL elegesse dois mandatos, nomeadamente Thabatta e Robério. Tivemos, portanto, um recuo ante o que projetávamos.
Ainda assim, apresentamos uma chapa com importante sustentação política em temas fundamentais e de camaradas que refletiam as lutas mais latentes na cidade. Pelo MES, acreditamos que Camila cumpriu um papel fundamental desde o princípio vocalizando a luta por independência no PSOL (o que provocou a intervenção nacional do PTL em unidade com Sandro Pimentel) e depois se tornando a candidatura da esquerda socialista em Natal, com apoio de organizações revolucionárias como o PCBR, PCB e LSR. Sua campanha destacou-se pela defesa do transporte público, do passe livre e da educação pública, especialmente na defesa do fim dos sorteios nos CMEIs. Foi também uma candidatura de combate contra a extrema-direita.
Ainda pela nossa organização, apresentamos a candidaturas de Tiago Lincka, liderança destacada na greve federal da educação na UFRN e que fez sua campanha com propostas para o esporte e o meio ambiente. Além dele, o camarada Fábio Costa pelo cicloativismo. Fora do MES, destacamos a candidatura de Lourenço: jovem militante do PSOL, que fez sua campanha orientada pelo ativismo socioambiental e teve uma votação absolutamente expressiva (sendo o terceiro mais votado do partido).
Mesmo sendo as eleições um espelho distorcido da realidade, acreditamos que está aberta no PSOL em Natal uma nova situação, a partir da qual serão disputados dois projetos de partido: um partido militante, independente e radical de um lado e de outro um partido burocrático, absorvido pelos aparelhos de Estado e sem capacidade de se apresentar como uma alternativa de esquerda.
Sofremos uma derrota quando o Diretório Nacional interviu inédita e burocraticamente sobre Natal, destituindo a candidatura própria de Camila. Não se tratava, insistimos, sobre um debate lícito sobre táticas eleitorais, senão sobre uma interdição sobre a maioria e contra independência do partido na capital. Há um setor do partido que atua em unidade com a Rede para ampliar sua presença no aparelho do governo Fátima, jogando também os jogos das emendas parlamentares, às custas de que o PSOL tenha vida própria, militante e independente. A defesa de apoio crítico à Natália, contra a qual não tínhamos uma posição de princípio, era apenas a aparência, não a essência.
Está posta a necessidade, portanto, de fortalecer um polo militante, independente e anticapitalista no PSOL em geral e em particular em Natal e no RN, onde o PSOL não disputou, por exemplo, eleições majoritárias em nenhuma das dez cidades mais importantes. Mantém-se a necessidade de unidade com amplos setores da esquerda quando precisamos enfrentar a extrema-direita e o bolsonarismo, mas sem prescindir de ser a esquerda que diz o próprio nome.
Para tanto, é preciso lutar com independência, por exemplo, contra a política econômica neoliberal arquitetada por Haddad e Tebet e hospedada no governo Lula. Iniciativas como do manifesto contra o pacote antipopular, reunindo parlamentares, ativistas e intelectuais, são absolutamente fundamentais e dão razão de ser ao que chamamos de esquerda, nomeadamente a esquerda radical. O pacote antipopular que hoje ameaça os pisos constitucionais da saúde e da educação, conquistas históricas do povo brasileiro inscritas na constituição, está arregimentado, por exemplo, pelo Novo Arcabouço Fiscal, a favor do qual Natália Bonavides (PT) votou.
Não queremos com isso dizer que a campanha de Natália não foi um instrumento útil e fundamental na luta contra a extrema-direita em Natal. Evidentemente foi, razão pela qual nos incorporamos de maneira ativa desde o primeiro turno. Mas se mantém a necessidade de apostar na construção de um polo da esquerda radical, com figuras próprias públicas próprias que levem às últimas consequências o combate contra a extrema-direita e o neoliberalismo. Do contrário, vamos empilhar derrotas (como agora nas eleições).
As eleições revelaram, flagrantemente, uma derrota para toda chamada esquerda. Acreditamos que aí, em nível de enquadramento metodológico, como recentemente escreveu Roberto Robaina, seja importante reclamar a existência de uma extrema-esquerda, dentro do qual está a esquerda revolucionária tem lugar. A extrema-direita ocupa hoje sozinha a crítica radical ao “sistema”, ainda que seja ela mesma a expressão atrasada desse mesmo sistema.
[1] Sobre o resultado eleitoral do primeiro turno por Secretariado Nacional
Notas para um balanço do 2º turno eleitoral por Executiva Nacional do MES/PSOL