Retirando as vestes eleitorais – uma entrevista
Sobre uma recente entrevista de Guilherme Boulos e a ida ao centro do candidato nas últimas eleições
Foto: Flickr/Reprodução
Causou curiosidade a entrevista de Boulos para Mônica Bergamo, em que ele defende que, se a esquerda “se travestir de centro”, estará cometendo um “suicídio histórico”. Não tanto pela novidade da ideia ou sua raridade, mas principalmente por essa declaração vir logo após uma candidatura marcada justamente pela tentativa — por vezes até atabalhoada — de se vender como centrista.
Entre várias outras propostas programáticas que causaram estranheza à esquerda, Boulos defendeu o modelo de policiamento “ostensivo de proximidade”, incluindo dobrar a guarda municipal. Na saúde, trocou a defesa da administração direta pela ideia de “manter e aprofundar as parcerias” com as Organizações Sociais de Saúde. Sem falar nos temas que Boulos renegou, tanto do programa do PSOL quanto de suas próprias pautas de um passado recente, como a descriminalização das drogas e a ampliação do direito ao aborto. Na crise da ENEL, ele optou por trocar a crítica à privatização por uma reclamação sobre a gestão das podas de árvores pela prefeitura. E se uma imagem vale mais que qualquer concessão programática, talvez a foto dele dividindo um lanche de pernil com o ex-governador Alckmin resuma sua ida ao centro.
Há ainda a questão de ele ter aceitado ser entrevistado por Pablo Marçal, o que levanta a pergunta se isso não contribuiu para normalizar uma figura da extrema direita, que pode ter papel importante nos próximos anos. Mesmo aceitando os argumentos de que Boulos queria dialogar com o eleitorado de Marçal, o tom amistoso e a tentativa, quase desesperada, de mostrar proximidade de ideias soaram deslocados. Se Boulos disse que a esquerda está “perdendo de WO” para a extrema direita na disputa cultural e ideológica na base da sociedade, a forma como abraçou o discurso de empreendedorismo e as propostas do Marçal não colocaram a esquerda em uma posição defensiva, mas sim em uma posição entre subserviente e capituladora.
Tatto-Quaquá: mais Centrão que centro
Esses esforços não trouxeram votos adicionais, pois o eleitorado tinha outro caminho seguro a seguir, e também não agradaram figuras proeminentes do PT, como Jilmar Tatto e Washington Quaquá, que não querem ir ao centro; querem se incorporar no Centrão e chafurdar nas emendas. Mesmo assim, os críticos à direita foram tratados com deferência, chamados pelo nome e lembrados de que se trata de uma diferença de perspectiva, não pessoal. Mas, quando Mônica Bergamo instigou Boulos a responder às críticas que recebeu da esquerda, ele preferiu fazer uma caricatura de um suposto crítico “elitista”, que não conhece o povo e nunca foi à M’Boi Mirim.
A esquerda, no entanto, tem uma chance de disputar a base da sociedade se tiver um programa e coragem de defendê-lo. Além do enfrentamento da extrema direita, seria um bom começo denunciar a ideia de empreendedorismo como uma máscara da precarização do trabalho, defendendo pautas como o fim da escala 6×1 e lutando com coragem contra a retirada de direitos e o corte de gastos sociais — mesmo quando essas medidas vierem do governo Lula.