O legado de Trostky aplicado às lutas hodiernas
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O legado de Trostky aplicado às lutas hodiernas

Sobre a herança do trotskismo para os tempos atuais

Lis Alletrop 19 nov 2024, 10:00

Foto: Nacho Facello/Flickr

“A Revolução Permanente” foi um dos meus primeiros contatos com as obras do Trotsky. Lembro de ter adquirido o livro num sebo e, quando comecei a folhear, estava escrito na primeira página: “é melhor ser um subversivo do que ser um sub-ser-vivo!”. Confesso que essa frase ficou na minha mente por algum tempo. Tantas décadas de luta, tantos líderes, tantas organizações exemplares e, mesmo assim, assistimos à ascensão da extrema-direita mais uma vez. Mas é exatamente em momentos difíceis como esse que voltar às nossas origens e, principalmente, entender o porquê da nossa luta, parece renovar as esperanças. Frente ao avanço do fascismo e a um difícil processo de união da classe trabalhadora, lembremos dos que vieram antes de nós. Lembremos que a história pertence aos que ousam sonhar com um mundo onde a dignidade e a solidariedade triunfam sobre a opressão. Lembremos que sim, é melhor ser um subversivo do que ser um sub-ser-vivo, por mais difíceis que sejam as condições impostas. E, para além de lembrar, entendamos a base teórica do que sustenta a nossa luta, até porque, como já dizia Lênin, “Sem teoria revolucionária, não pode haver movimento revolucionário.”

Sinto que o que se ensina nas aulas de história das escolas não é fiel a Trostky. Recordo-me que, quando estudei a Revolução de Outubro e a posterior consolidação da URSS, a única aparição dele era em metade de um slide. Tinha a sua clássica foto com o óculos e estava escrito o termo “Revolução Permanente”, seguido de uma explicação de uma linha que dizia “expandir o socialismo para outros países”. Sim, de fato é “Revolução Permanente”, mas condensar seu pensamento em uma frase me parece uma domesticação e limitação do verdadeiro potencial de mudança inserido em sua teoria. Reduzir o pensamento de Trotsky, comportamento infelizmente comum em nossa sociedade, a uma mera fórmula de “expandir o socialismo para outros países” é ignorar aspectos importantes de sua visão revolucionária, que vai além das fronteiras geográficas: trata-se da libertação universal da classe operária das correntes do capitalismo, do imperialismo e da opressão.

Embora eu tenha estudado a sua teoria há algum tempo, teve um momento específico em que eu entendi ao que exatamente ele se referia com o termo “internacionalismo operário”: estava conversando com um camarada e falei “imagina se o mundo fosse dividido em duas partes de modo a se implantar o socialismo em uma e o fascismo em outra, o que você acha que aconteceria?”. Apesar de se tratar de uma reflexão completamente utópica, daquelas que a gente tem em conversa de bar, a resposta dele clarificou tudo para mim: “Uma guerra.” – fiz uma expressão de confusão, então ele me explicou – “nosso objetivo é libertar a classe trabalhadora como um todo, portanto lutaríamos contra essa metade fascista”. É óbvio, eu pensei. Como não tinha percebido antes? Nós seríamos oposição e buscaríamos unir a Classe Operária Internacional visando à construção de uma organização revolucionária autêntica e à consequente consolidação de um Estado Operário. Essa reflexão me fez perceber o verdadeiro alcance do pensamento de Trotsky e a urgência de compreender sua teoria na profundidade que ela exige. A Revolução Permanente não é apenas uma estratégia para expandir o socialismo, mas um chamado à ação global, à cooperação internacional e à necessidade de união da classe operária como um todo, principalmente em momentos como o que estamos enfrentando.

Ainda, não pude deixar de lembrar de suas críticas à corrompida Terceira Internacional ao assistir “Ainda estou aqui”. Chamou muito a minha atenção o quanto a solidariedade internacional era imprescindível na denúncia dos crimes cometidos pela Ditadura Brasileira e elemento essencial na esperança de talvez reencontrar os presos políticos. Ao assistir àquelas cenas de resistência, não pude deixar de pensar na urgência do que Trotsky, mesmo décadas atrás, já nos alertava: a classe trabalhadora, em todos os cantos do mundo, precisa estar unida e agir como uma força solidária, independente das fronteiras espaciais que nos dividem. A repressão que assolava o Brasil nos anos de ditadura não era exclusivamente um sofrimento nacional, mas um reflexo de um sistema global imperialista que oprime os trabalhadores em todas as suas formas.

A luta pela denúncia dos crimes cometidos não era isolada e só foi possível devido à solidariedade internacional que ultrapassa qualquer falso sentimento de nacionalismo moralista criado para tentar distrair as massas do que realmente importa. Como Trotsky já sabiamente afirmava, o nacionalismo é apenas uma cortina de fumaça, uma armadilha que busca nos separar e enfraquecer, enquanto o capitalismo se perpetua através das fronteiras que ele mesmo criou. Portanto, analisando as reflexões trazidas por Trotsky na obra em pauta, entendemos que a verdadeira emancipação dos trabalhadores não está em defender a pátria de um opressor, mas sim em sua capacidade de se unir a partir da consciência de classe e da certeza de que, mais do que um simples interesse local, sua luta é global.

Assim, em um cenário no qual o ódio e a intolerância tentam prevalecer, é fundamental que olhemos para o passado, buscando modificar o futuro, e não nos esqueçamos das lições aprendidas por nossos ascendentes. A resistência precisa ser mais do que uma resposta reativa aos ataques do presente; ela deve ser fundamentada na compreensão profunda da nossa realidade material. Ao lermos “Revolução Permanente” em sua complexidade e entendermos o pensamento de Trostky, vemos que a unidade da classe trabalhadora não é apenas um ideal abstrato, mas uma necessidade concreta para enfrentar as ameaças do imperialismo. O Brasil, hoje, é palco de uma luta que integra uma realidade global de enfrentamento da burguesia fortalecida e de um contínuo movimento de desmobilização dos trabalhadores. Temos uma responsabilidade histórica de continuar a luta, de nunca nos conformarmos em sermos apenas um “sub-ser-vivo” e de integrarmos, dia após dia, a construção de uma luta coletiva, atuando como agentes ativos na modificação de nossa realidade e na libertação de nossa classe, pois, como atemporalmente disse Trotsky: “A história é feita pelos homens, mas não por qualquer homem. É feita pelos homens que têm consciência de sua missão histórica.”


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