Audiência defende mudanças no protocolo de Haia para brasileiras vítimas de violência no exterior
Atividade liderada pela deputada Sâmia Bomfim expôs a realidade das mães que retornam ao seu país com seus filhos e são acusadas de sequestro
Foto: Vinicius Loures/Câmara dos Deputados
Em uma audiência pública realizada na Câmara dos Deputados na última semana, especialistas e autoridades discutiram a necessidade de atualizar a legislação brasileira e internacional para proteger mães e crianças em situações de violência doméstica. A proposta visa evitar que mulheres que retornem ao Brasil com seus filhos, fugindo de agressões no exterior, sejam acusadas de sequestro internacional.
A audiência foi promovida pela Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, a pedido da deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP). A parlamentar destacou que a aplicação da Convenção de Haia de 1980 – ratificada pelo Brasil em 2000 – muitas vezes ignora os riscos enfrentados por mulheres migrantes.
“Nos últimos 40 anos, a aplicação irrestrita desse tratado tem desconsiderado situações de violência doméstica contra mulheres brasileiras e seus filhos”, afirmou Sâmia, que defende a modernização do tratado.
Desafios enfrentados pelas vítimas
O tratado internacional estabelece que a retirada de menores de seu país de residência sem autorização de ambos os pais configura uma violação dos direitos da criança e da família, salvo em casos de grave risco físico ou psicológico. Contudo, a advogada Janaína Albuquerque, da organização Revibra Europa, alertou que a falta de critérios claros para identificar violência doméstica dificulta a defesa das vítimas.
“Cabe à mulher provar a violência, enfrentando barreiras como xenofobia, dificuldades financeiras e até o risco de ser criminalizada. Muitas perdem a guarda dos filhos, são multadas ou até presas”, explicou Janaína, enfatizando que o Brasil poderia liderar mudanças globais nesta área.
O procurador Boni Soares complementou a discussão, afirmando que o contexto histórico da Convenção de Haia, criada em um período em que a violência doméstica era um tabu, reforça a urgência de revisões. Ele propôs aprimorar a Lei Maria da Penha para estabelecer parâmetros mais claros de produção de provas nestes casos.
Projeto de Lei e liderança brasileira
Entre as propostas debatidas está o Projeto de Lei 565/2022, aprovado pela Câmara e em análise no Senado, que considera a existência de risco para mãe e filhos em países onde não há mecanismos efetivos de proteção contra violência doméstica.
Flavia Ribeiro Rocha, representante do Ministério da Justiça, destacou que o Brasil deve assumir protagonismo no tema ao liderar um fórum internacional sobre violência doméstica.
“Precisamos de mecanismos mais específicos e sensíveis para aplicar a Convenção. O Brasil pode contribuir significativamente com soluções”, afirmou.
Relatos de impacto: as “Mães de Haia”
Um momento marcante da audiência foi o depoimento de Raquel Cantarelli, uma das chamadas “Mães de Haia” – mulheres que perderam a guarda dos filhos após decisões judiciais baseadas no tratado. Ela relatou a dificuldade em apresentar provas de crimes graves, como abuso sexual e cárcere privado, cometidos pelo pai de suas filhas na Irlanda.
“Nossas vidas foram violadas por um erro judicial que feriu profundamente os princípios de proteção e dignidade humana”, disse Raquel, que aguarda uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para recuperar a guarda das crianças.
Próximos passos
A audiência reforçou a necessidade de harmonizar a Convenção de Haia com legislações nacionais que reconheçam os direitos das mulheres e crianças em contextos de violência doméstica. Parlamentares e especialistas acreditam que o Brasil tem a oportunidade de liderar mudanças internacionais, garantindo proteção às vítimas e prevenindo novos casos de injustiça.
Assista à íntegra da audiência pública neste link.
Com informações da Agência Câmara