É preciso defender o BPC
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É preciso defender o BPC

As propostas de mudança no benefício de prestação continuada afetam diretamente os PCDs e idosos mais vulneráveis

Camila Valadão e Hudson Vassoler 13 dez 2024, 18:04

Foto: CorenSP/Reprodução

O desespero tomou conta de grupos do Whatsapp e redes sociais de mães e familiares de pessoas com deficiência nos últimos dias. Inicialmente, pensamos que se tratava de mais uma avalanche de Fake News disseminadas pela extrema direita para desgastar o Governo Federal. Mas, ao ler o Projeto de Lei n. 4614/2024 protocolado pelo Deputado Federal José Guimarães (PT), Líder do Governo na Câmara, concluímos que a aflição tem fundamento.

O Projeto de Lei n. 4614/2024 compõe o pacote de ajuste fiscal do Governo e teve sua urgência aprovada na Câmara Federal no dia 04 de dezembro, dias antes da Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) completar 31 anos de promulgação, após anos de luta em defesa de sua regulamentação. A medida em questão altera, entre outras coisas, as regras para a concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC)1, o que compromete os avanços e conquistas do direito socioassistencial no Brasil, penalizando os setores mais vulneráveis da população, como idosos e pessoas com deficiência.

Entre as previsões da proposta com enorme impacto social e político, destacamos aqui a revogação do Parágrafo 14, art. 20. da Lei Orgânica da Assistência Social (Lei n. 8.742/1993), que garante o não cômputo de outro benefício de prestação continuada ou previdenciário de até um salário-mínimo concedido a idoso acima de 65 anos ou pessoa com deficiência para a concessão de BPC. É importante ressaltar que a inclusão do Parágrafo 14 na LOAS ocorreu apenas em 2020, a partir de muita luta em defesa de condições dignas de vida, principalmente para as famílias compostas por mais de uma pessoa com deficiência e/ou idosos, em muitos casos com necessidades especiais de alimentação, cuidados médicos, medicamentos, terapias e, etc.

Nesse sentido, a alteração proposta pelo PL 4614/2024 ameaça a dignidade humana e as condições de sobrevivência de famílias com múltiplos membros em situação de pobreza. Ao limitar ainda mais o acesso ao BPC, a medida de ajuste do Governo lança a própria sorte milhares de pessoas, em especial mulheres negras que, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad Contínua 2022), representam duas em cada três pessoas que não têm trabalho remunerado por conta das tarefas do cuidado.

Outro ponto de extrema preocupação na proposta é o art. 40-B, Parágrafo 3° que define pessoa com deficiência como “aquelas incapacitadas para a vida e para o trabalho, sendo sempre obrigatório o registro, nos sistemas informacionais utilizados para a concessão do BPC, do código da Classificação Internacional de Doenças (CID)”. Essa previsão remonta o “modelo biomédico” para avaliação de pessoas com deficiência e viola a Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência e a Lei Brasileira de Inclusão (Lei n. 13.146/2015).

O movimento de pessoas com deficiência lutou por décadas por mudanças de paradigma e perspectiva acerca do tema, cobrando que as políticas públicas reconheçam a deficiência para além do que o olhar médico descreve sobre o corpo, mas principalmente as barreiras sociais e ambientais que restringem e segregam à participação de PcDs. É possível afirmar, portanto, que o PL 4614/2024 tem um viés capacitista e representa um retrocesso na defesa dos Direitos Humanos e uma ameaça para a população beneficiária, para os setores mais vulneráveis e também para os serviços locais e órgãos executores das políticas públicas que, diante da impossibilidade de garantir o acesso ao benefício, terão uma sobrecarga de demandas por serviços e proteção social.

No concreto, estamos evidenciando um aumento presumível da demanda por atendimento nos Centros de Referência da Assistência Social (CRAS), Centro de Referência Especializado da Assistência Social (CREAS) e demais serviços e equipamentos da rede socioassistencial, já tão precarizados pela lógica de ajuste permanente. Desde a implantação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) em 2005, os CRAS e CREAS enfrentam enormes dificuldades e desafios, com estruturas improvisadas, espaços físicos inadequados e insuficientes, vínculos de trabalho precarizados com contratos temporários e baixas remunerações.

De acordo com os estudos da Confederação Nacional dos Municípios (CNM)2, o desfinanciamento do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) coloca em risco a sua sustentabilidade. Os dados sistematizados em uma série histórica evidenciam a gravidade dos cortes. Em 2026, o Governo Federal reduziu em mais de 364 milhões os recursos do cofinanciamento dos principais serviços do SUAS; em 2017, a perda orçamentária foi de 458 milhões; em 2018, uma redução de R$ 250 milhões; em 2019, foi de 44 milhões; em 2020, a queda representou R$ 605 milhões, saindo de R$ 2,505 bilhões para R$ 1,899 bilhão. Ou seja, de 2018 a 2020, houve aproximadamente R$ 900 milhões de perdas acumuladas. Mesmo com a pandemia da COVID-19, a assistência social perdeu recursos e em 2022 teve uma previsão orçamentária de aproximadamente 27% menor que 2021, um corte de mais de R$ 558 milhões.

Não podemos, ainda, deixar de destacar o desrespeito desse processo com a participação e o controle social, visto que os investimentos na política de assistência social e no BPC aparecem constantemente em propostas das conferências de assistência social. Na última Conferência Nacional da política realizada entre 5 a 8 de dezembro de 2023, várias deliberações reforçam a importância de se garantir o financiamento do SUAS e BPC.

Ao invés do Governo recompor o orçamento rapinado da assistência social, a estratégia escolhida é avançar nas medidas que, em síntese, remontam as famigeradas contrarreformas que remodelaram os sistemas de Seguridade Social e transformaram as políticas sociais em ações pontuais e compensatórias direcionadas para os efeitos perversos da crise. É a seletividade disfarçada de eficácia e moralidade, mas que, na prática, consiste em mais uma estratégia para reduzir os gastos públicos e restringir as necessidades humanas a sua mísera expressão animal.

Cabe ao que defendem a democracia e as conquistas civilizatórias, se opor firmemente ao PL 4614/2024 e as demais medidas do ajuste contra o povo!

Notas

  1. O Benefício de Prestação Continuada (BPC) foi regulamentado pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), Lei n. 8.742/93, e é a garantia de um salário mínimo por mês ao idoso com idade igual ou superior a 65 anos, ou à pessoa com deficiência de qualquer idade. Para ter direito ao benefício, a família precisa comprovar que a renda por pessoa do grupo familiar é igual ou menor que 1/4 do salário mínimo. OBPC não é aposentadoria.Para ter direito a ele, não é preciso ter contribuído para o INSS. Diferente dos benefícios previdenciários, o BPC não paga 13º salário e não deixa pensão por morte. ↩︎
  2. Disponível em: https://cnm.org.br/storage/biblioteca/ET_O-desfinanciamento-do-Suas-e-o-risco-a-sua-sustentabilidade.pdf ↩︎

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