Síria: O silêncio
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Síria: O silêncio

Agora, emergem das masmorras sírias vítimas e relatos escabrosos. Não são uma surpresa. Não são invenções. Não são propaganda. São milhares e milhares de vidas destruídas ao longo de décadas. Não podem dizer que não sabiam

Carlos Carujo 16 dez 2024, 16:43

Foto: Anadolu/Reprodução

Via Esquerda.Net

Não podem dizer que não sabiam. Durante anos, houve vozes da esquerda síria a denunciar as atrocidades sanguinárias da ditadura de Assad. Parte da esquerda ocidental escolheu não as ouvir, varrê-las para debaixo de um tapete feito de cálculos fantasiosos sobre um xadrez de potências em que era preciso calar a parte mais fraca em nome de um suposto bem maior. Houve quem até lhe chamasse “anti-imperalismo” e jurasse que era assim que se combatia o poder letal do imperialismo norte-americano. A preto e branco. Os inimigos dos nossos inimigos seriam nossos amigos. Seria preciso retocar o que estava à vista, seguir piamente a desinformação pré-fabricada por outra potência imperialista a bombardear no terreno, mostrar um ditador que perseguia os nossos como um chefe de Estado digno e respeitável, parte do “campo do bem”. Que se lixassem os “danos colaterais” que só podiam ou ser parte de uma grande conspiração de serviços secretos ou idiotas úteis que acabavam por cair para o lado de lá sem sequer ter consciência disso. Nunca pessoas, nunca camaradas, pensavam ou diziam do lado de cá os mestres da política internacional.

Agora, emergem das masmorras sírias vítimas e relatos escabrosos. Não são uma surpresa. Não são invenções. Não são propaganda. São milhares e milhares de vidas destruídas ao longo de décadas. Não podem dizer que não sabiam.

Só que o silêncio, esse, mantém-se em vários lados. Geopoliticamente cínico. Desumanamente desinteressado. Feito de manobras de diversão para não encarar a sua falência. Política mas também moral.

Enquanto o jogo das potências continua e a instabilidade das relações de forças está à vista, é fácil ser condescendente com a esperança ou só o alívio que muitos daquele país, à esquerda sublinhe-se de novo, mostram. É fácil calcular, quase como se fosse isso que se deseja que venha a acontecer, que tudo vai correr mal. Para que se possa dizer um redentor: “vejam, tínhamos sempre razão”.

Não, dizer que os outros, os que tomaram o poder são maus, foram considerados terroristas pelos EUA, não iliba, não apaga estes silêncios. Não, sublinhar que grande parte da imprensa mainstream está pronta para chamar um dia terroristas e no outro salvadores da pátria aos mesmos tipos não iliba, não apaga estes silêncios.

Obviamente, chamar os crimes da ditadura síria pelo seu nome não é fechar olhos aos “jihadistas”, aos seus crimes passados e às suas repressões presentes, eles que triunfaram não só também por causa das bombas e dos gaseamentos que dizimaram os movimentos populares na Síria. O que, repita-se à exaustão, muitos escolheram calar ou retratar, apenas e só, por um prisma a preto e branco que, curiosamente, apenas pode ver em todo o lado em que seja conveniente, nas ditaduras “boas”, que estariam do “nosso lado”, “revoluções coloridas” maquiavelicamente fomentadas. Porque haveria sítios onde a raiva contra a repressão e a exploração poderia explodir e outros em que isso seria impossível acontecer e só poderia ser uma conspiração. Porque a revolução seria muito linda e muito pura mas teria os limites geográficos precisos dos interesses um determinado eixo de países contra-revolucionários.

Obviamente, para chamar os crimes da ditadura síria pelo seu nome não é preciso colocar-se do lado da Turquia de Erdogan, das bombas norte-americanas, dos genocidas israelitas que continuam a bombardear a Síria e aproveitaram para ocupar mais território. Não é preciso deixar de pensar nos efeitos internos e externos, nas relações de forças internacionais.

Mas é preciso deixar de lado a arrogância de achar que se sabe aquilo que os sírios (e tantos outros já agora) não sabem, a partir do conforto do Ocidente e das leituras pequeninas feitas apenas à medida da confirmação do que se quer à partida confirmar.

E sobretudo é preciso um instrumento que continua a ser fundamental para a esquerda: o internacionalismo.


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