Para que serve o PSOL? Um diálogo em defesa do partido
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Para que serve o PSOL? Um diálogo em defesa do partido

Um debate sobre os rumos do PSOL

Letícia Chagas 17 mar 2025, 16:59

Foto: PSOL/Reprodução

Quando o PSOL nasceu, eu tinha 4 anos de idade. Era um partido que surgia a partir da necessidade de se construir uma alternativa de esquerda ao projeto lulista. Lula, que tinha sido eleito dois anos antes, afirmara na campanha que o Brasil precisava de uma mudança, e não de uma quase mudança1, mas logo mostrou que em seu governo algumas coisas continuariam como sempre foram.

Em 2003, o governo Lula aprovou uma reforma da previdência que foi rechaçada pelos movimentos sociais, porque atacava o baixo escalão do setor público enquanto mantinha os privilégios dos grandes cargos. Alguns parlamentares do PT se recusaram a votar a favor da proposta do governo, entre eles a então deputada federal Luciana Genro2. Pouco tempo depois, foram expulsos do PT3 e passaram a se mobilizar para criar um novo partido: o PSOL.

Conheci o PSOL dez anos depois, em 2014, assistindo a um debate presidencial com meu pai. Luciana Genro, então candidata a presidente pelo PSOL, era a única capaz de representar a minha família. Meus pais, um caminhoneiro e uma empregada doméstica que nem terminaram o ensino médio, nunca foram próximos da política. A política tradicional era pra nós algo distante, e os políticos, ao fim e ao cabo, eram todos meio parecidos.

Luciana era diferente. Com muita firmeza, dizia que estava ali para defender os trabalhadores, já que para defender os banqueiros já tinha a Dilma, o Aécio e a Marina4. Ela acreditava que era possível mudar a realidade, que “o novo sempre vem”5. Luciana ecoava o programa do PSOL: um partido que tinha como principal objetivo defender a classe trabalhadora, e jamais ganhar eleições a qualquer custo6. Naquele ano, meus pais votaram em Luciana.

Acredito que é essa perspectiva de transformação que atraiu ao PSOL setores historicamente excluídos da política brasileira. Pessoas como eu, que me filiei ao PSOL em 2020. Naquela época, eu cursava Direito na USP como parte da primeira turma de cotistas étnico-raciais. Em 2018, meu primeiro ano de faculdade, Bolsonaro tinha sido eleito presidente da república, e a esquerda enfrentava, portanto, novos desafios. Eu acreditava que para enfrentá-los era necessário me organizar coletivamente.

Diante desse cenário, apoiar o PT nas eleições de 2018 e 2022, ainda que de maneira crítica, foi necessário para derrotar eleitoralmente a extrema direita. No século passado, Trotsky já anunciava que, para derrotar o fascismo, os comunistas eram obrigados a “entrar em acordos práticos até com o Diabo e sua avó7. Mas a unidade tática para derrotar a extrema direita não pode ser confundida com uma unidade condescendente com ataques aos trabalhadores.

Assim como em 2003, o governo Lula hoje tem tomado medidas prejudiciais à classe trabalhadora. Prometeu que, se eleito, revogaria o teto de gastos, a reforma trabalhista e a reforma do ensino médio8. Não fez nada disso, e ainda editou um novo teto de gastos – o arcabouço fiscal – que tem diminuído investimentos sociais e buscado aumentar a arrecadação do governo às custas dos trabalhadores. Medidas como essas aumentam, com motivo, a frustração da população com o governo, dando mais munição para a extrema direita. Construir uma alternativa de esquerda, portanto, é hoje mais urgente do que nunca.

Mas o PSOL de hoje não parece estar assim tão comprometido com a criação dessa alternativa. Ao contrário: o setor majoritário do partido – representado por parlamentares como Guilherme Boulos, Erika Hilton, Taliria Petrone e Pastor Henrique Vieira – está comprometido em fazer do PSOL um partido da ordem, tornando-se parte do projeto petista e apoiando o governo Lula incondicionalmente.

Vez ou outra, esse setor faz críticas a medidas do governo, claro. Mas são sempre no sentido de afirmar que Lula não consegue fazer melhor porque está sendo pressionado pelo centrão, pelo mercado. Diferente de Luciana Genro, que acreditava que nada é impossível de mudar, estes acreditam que devemos mudar apenas o que é possível.

Parecem ter se esquecido de que tudo que os movimentos sociais conquistaram até hoje foi após décadas de muita luta por aquilo que parecia impossível. O movimento negro, por exemplo, lutou por décadas até que finalmente a política de cotas étnico-raciais fosse aprovada, inclusive enfrentando a resistência de muitos intelectuais de esquerda. Sem a crença no impossível, eu não seria advogada hoje.

Por isso, defender um PSOL rendido ao governo Lula é, na prática, defender o fim do partido. Sem um PSOL que se propõe a buscar alternativas para a crise política, econômica e ambiental que vivemos, qual a necessidade de um partido de “esquerda” que não o PT? Poderíamos todos sair do PSOL e rumar ao Partido dos Trabalhadores, afinal.

Atualmente, chegamos ao cúmulo de ouvir dirigentes partidários afirmarem que, diante da extrema direita, precisamos “do Lula moderado, o Lula que negocia com o centrão a governabilidade do Congresso Nacional”, como afirmou recentemente Valério Arcary, dirigente da tendência Resistência9. Me pergunto qual o motivo de pessoas como ele ainda construírem o PSOL, e não outro partido.

Aqueles que defendem o fim do PSOL frequentemente afirmam que o partido precisa “crescer”. “Crescer”, no caso, é um eufemismo para ganhar eleições – especialmente no Executivo – e governar, se tornar um partido que “negocia”, um partido da ordem. Há até quem afirme que essa é a “política real”, e que o resto é “política de DCE”.

Parecem ignorar que essa dita “política real” vem sendo rechaçada por amplos setores da classe trabalhadora. Exemplo disso é que os índices de abstenção têm crescido. Na cidade de São Paulo, por exemplo, o segundo turno das eleições de 2024 teve o maior índice de abstenção da história. A porcentagem de abstenção foi superior à porcentagem de votos que Guilherme Boulos recebeu10. Um fundo eleitoral imenso e um banho de loja para fazê-lo se tornar um político “tradicional” foi insuficiente para ganhar as eleições. A “política real” que tanto defendem tem, na verdade, levado o PSOL tanto ao fracasso programático quanto eleitoral.

Por isso, o PSOL está em disputa. Para evitar que coloquem nele um fim, é necessário retomarmos a esperança e a luta para que a política não se reduza à miséria do possível. Foi essa esperança que fez com que lideranças como Taliria Petrone, Pastor Henrique Vieira e Erika Hilton se elegessem; foi essa esperança que atraiu milhares de jovens negros e LGBTQIA+ ao partido.

O PSOL segue sendo um partido necessário. É hoje um dos maiores partidos de esquerda no Brasil e que congrega parlamentares que, a despeito das pressões, seguem acreditando na construção de uma alternativa de esquerda. Quem fundou o PSOL foi sua ala radical – a ala da qual hoje, com 24 anos, faço parte, com muito orgulho -, e ela segue firme, tendo como representantes parlamentares como Sâmia Bomfim, Luana Alves, Luciana Genro, Fernanda Melchionna, Vivi Reis, Mônica Seixas, Fábio Félix, Glauber Braga e muitos outros. É a esperança nesta luta coletiva que me faz acreditar que sim: vale a pena lutar pelo PSOL.

Referências

  1. Vídeo de campanha eleitoral do Lula em 2002, buscando convencer eleitores indecisos. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=5GAh6NLSMro. Acesso em 12.02.25 ↩︎
  2. Fala de Luciana Genro em plenário da Câmara dos Deputados denunciando a proposta de reforma de Lula, bem como a perseguição que ela e outros deputados do PT vinham sofrendo. Disponível em https://www.camara.leg.br/internet/SitaqWeb/TextoHTML.asp?etapa=5&nuSessao=145.1.52.O&nuQuarto=85&nuOrador=1&nuInsercao=16&dtHorarioQuarto=16:48&sgFaseSessao=OD&Data=19/08/2003&txApelido=LUCIANA%20GENRO&txFaseSessao=Ordem%20do%20Dia&txTipoSessao=Ordin%C3%A1ria%20-%20CD&dtHoraQuarto=16:48&txEtapa=. Acesso em 12.03.25. ↩︎
  3. PT ignora apelos e expulsa quarteto radical do partido”, disponível em https://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc1512200302.htm. Acesso em 12.03.25. ↩︎
  4. Trecho de debate presidencial em 2014, no SBT. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=G4Xxd182hJU. Acesso em 12.03.25. ↩︎
  5. Programa eleitoral de Luciana Genro em 2014, disponível em https://www.youtube.com/watch?v=jHloJpzm2gE. Acesso em 12.03.25. ↩︎
  6. O programa aprovado no Encontro Nacional da Fundação do PSOL enuncia que “Nossa base programática não pode deixar de se pautar num principio: o resgate da independência política dos trabalhadores e excluídos. Não estamos formando um novo partido para estimular a conciliação de classes”. Disponível em https://psol50.org.br/partido/programa/. Acesso em 12.03.25. ↩︎
  7. Trotsky, Leon. “Como esmagar o fascismo“. Autonomia Literária, 2019, p. 198. ↩︎
  8. Lula afirma que revogará o teto de gastos. Disponível em https://www.camara.leg.br/noticias/932451-lula-e-alckmin-desfilam-em-carro-aberto-pela-esplanada-acompanhe-copia-copia-copia-copia. Acesso em 12.03.25. ↩︎
  9. Entrevista de Valério Arcary ao Programa Faixa Livre, minuto 2:04-2:30. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=UCE3pFK_fa8. Acesso em 13.03.25. ↩︎
  10. Cidade de SP bate recorde e tem maior abstenção em um 2º turno; 31% dos eleitores deixaram de votar”. Disponível em https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/eleicoes/2024/noticia/2024/10/27/cidade-de-sp-bate-recorde-e-tem-maior-abstencao-em-um-2o-turno-31percent-dos-eleitores-deixaram-de-votar.ghtml. Acesso em 13.03.25. ↩︎

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