O sindicalismo perante a crise ecológica
TUED-Nov2021

O sindicalismo perante a crise ecológica

Uma reflexão sobre as tarefas dos sindicatos perante a emergência climática e a necessidade de transição energética

Martín Lallana 28 mar 2025, 09:29

Foto: Mobilização sindical por democracia energética em Nova York, 2021. (CUNY/TUED)

Via Viento Sur

A dominação do trabalho e a dominação da natureza fazem parte do mesmo processo de acumulação de capital, que leva ao esgotamento de ambos os corpos.1 Essa premissa determina o lugar das lutas sindicais em uma era marcada pela crise ecológica.

É importante destacar uma história de conflitos que mostra como a questão ecológica se tornou amplamente politizada na segunda metade do século XX graças ao movimento dos trabalhadores, e não apesar dele.2 Ao longo da década de 1970, as lutas sindicais por um ambiente saudável foram reproduzidas em diferentes países para enfrentar os efeitos da poluição industrial sobre a saúde dos trabalhadores e dos territórios. No País Basco, encontramos um vínculo claro entre o ambientalismo e o sindicalismo nas mobilizações em Erandio, em 1969, em resposta aos gases poluentes das indústrias siderúrgica, química, de cimento e de vidro que tornavam o ar tóxico e irrespirável.3 Além da esfera industrial, é possível reconstruir uma historiografia das lutas dos trabalhadores que vinculam a questão ecológica à reprodução social. Dois exemplos disso podem ser encontrados na década de 1980: na campanha que exigia o pagamento pelo trabalho doméstico adicional que a construção de uma usina nuclear no Reino Unido acarretaria, e na luta dos seringueiros da Amazônia brasileira pela criação de reservas extrativistas que garantissem sua atividade de extração de borracha e evitassem o desmatamento.4

No entanto, essa rica história do movimento operário deve ser vista à luz de uma crise ecológica cada vez mais catastrófica.5 A história do fracasso da transição ecológica de cima para baixo, com suas expressões mais importantes no aquecimento global, na perda da biodiversidade, no uso de combustíveis fósseis e no uso de recursos materiais não renováveis, pesa muito sobre nossos ombros. Concentrando-nos na primeira área, vemos como cinco décadas após a Cúpula da Terra de Estocolmo (1972), três décadas após a Cúpula da Terra do Rio (1992), duas décadas após o Protocolo de Kyoto (2005) e uma década após o Acordo de Paris (2015) as emissões globais de CO2 continuaram a aumentar. De fato, mais da metade das emissões da era industrial ocorreu entre 1990 e hoje. Esse fracasso é explicado por estruturas de governança centradas em mecanismos de mercado, que tentaram combinar crescimento econômico, maior concorrência e preservação ambiental.6

Ao mesmo tempo, é importante observar que o impacto ecológico do modo de produção capitalista nas últimas décadas não está localizado em uma era de redistribuição social. Pelo contrário, as décadas em que o consumo de energia e as emissões dispararam são as mesmas em que a divisão internacional do trabalho se aprofundou com a globalização e as realocações, os salários foram atacados agressivamente, os aumentos de produtividade estagnaram, a participação da renda do trabalho na renda do capital caiu e o investimento privado fugiu para as finanças na ausência de rentabilidade suficiente na esfera produtiva.7

Até agora, o que o modelo de transição ecológica de cima para baixo nos trouxe pode ser resumido como: muito pouco, muito tarde e muito injusto. As transformações socioeconômicas que alcançaremos nas próximas duas décadas terão um impacto de séculos nas condições de vida da classe trabalhadora. Isso reforça a necessidade de definir e implementar estratégias sindicais condizentes com a mudança sistêmica que precisamos promover. Para avançar nessa direção, consideramos fundamental partir da seguinte afirmação: é possível alcançar um decrescimento no uso de energia e materiais que, ao mesmo tempo, signifique uma melhoria nas condições de vida de amplos setores da classe trabalhadora.8 No entanto, a lógica do mercado capitalista impõe seus imperativos e nos afasta desse rumo, de modo que, para alcançar esse objetivo, é essencial uma profunda democratização econômica.9 Um sindicalismo que incorpore a dimensão ecológica deve confrontar o capital e incorporar a democracia econômica para responder às questões fundamentais: o que produzir, como, para quem e quem decide.10

Infelizmente, a estrutura para a transição ecológica que foi adotada pela maioria do sindicalismo está muito aquém dessa orientação.

A impotência do marco da Transição Justa

Desde suas origens no sindicalismo dos EUA, em meados da década de 1980, até os dias de hoje, o marco da Transição Justa sofreu mutações e se tornou praticamente indistinguível do marco do crescimento verde e do diálogo social. Compreender esse processo e suas consequências é fundamental para a reconstrução de uma alternativa sindical que seja compatível com a crise ecológica.

Durante a década de 1990, o sindicalismo começou a usar o termo Transição Justa nas cúpulas da ONU sobre meio ambiente e mudanças climáticas. Ele foi usado para se referir à importância de se levar em conta o impacto sociolaboral da economia de transição energética.11 Desde meados da década de 2000, a atividade sindical em favor da Transição Justa tem se concentrado principalmente em fazer lobby junto aos governos nas negociações climáticas, adotando uma abordagem técnica e concentrando-se na exigência de políticas públicas.12 Em 2010, a Confederação Sindical Internacional adotou o termo, vinculando-o a políticas para lidar com os impactos negativos da transição energética com uma perspectiva de diálogo social em todos os níveis.13 Sua inclusão no preâmbulo do Acordo de Paris e a publicação das Diretrizes Políticas da Organização Internacional do Trabalho (OIT) para uma Transição Justa14 em 2015 consagraram o termo nas arenas políticas internacionais.

Podemos resumir a lógica atual desse marco em três afirmações:

  • a transição ecológica requer crescimento econômico,
  • um cenário em que todos saem ganhando será alcançado com mais empregos e maior competitividade, e
  • a responsabilidade pela transformação é dos governos, das empresas e dos investidores, enquanto o papel dos sindicatos é participar do diálogo social.

Essa é uma abordagem que tem sido particularmente criticada por enquadrar a transição como uma questão de ambição e vontade política.15 Como os críticos apontam: “Esse não é um problema de vontade política; é um problema da economia política capitalista e dos imperativos de expansão perpétua nos quais ela se baseia”.16 A não consideração desse fato faz com que as estratégias sindicais dependam de iniciativas lideradas pelo governo, que buscam influenciar o mercado por meio de suas ferramentas limitadas. O diálogo social simplesmente não está equipado para provocar a transformação socioeconômica necessária, pois rejeita qualquer desafio sério aos atuais regimes de poder, propriedade e lucro.17

Há dois motivos principais que invalidam a eficácia da atual abordagem da Transição Justa:

  • a deterioração do pacto social nos países do centro imperialista; e
  • as dificuldades econômicas enfrentadas por uma estratégia de crescimento verde.

Por um lado, o pacto social keynesiano começou a mostrar sinais de esgotamento na década de 1970, com um processo de desindustrialização, alto desemprego e baixo crescimento econômico.18 Isso se explica pelo excesso de capacidade e pelo esgotamento das melhorias na produtividade do trabalho, que relutam em aumentar apesar das sucessivas inovações tecnológicas introduzidas.19 Os processos de reorganização capitalista introduzidos desde então aprofundaram a desigualdade e intensificaram os ataques ao poder dos sindicatos. A desindustrialização e a mudança para o setor de serviços levaram a uma economia dependente de atividades de mão de obra intensiva, em que as empresas aumentam seus lucros por meio de salários mais baixos ou condições de trabalho mais intensas.20 Nesse processo, várias reformas legislativas foram implementadas com o objetivo de moderar os salários, acabar com os conflitos trabalhistas e tornar o mercado de trabalho mais flexível.21 Na Espanha, um resumo desse processo seria: os Pactos de Moncloa (1977), o Estatuto dos Trabalhadores (1980), a Lei de Reconversão (1981), o Acordo Social e Econômico (1984) e as sucessivas reformas trabalhistas (1994, 2010, 2012). Tudo isso levou ao enfraquecimento da negociação coletiva e dos conselhos de empresa.22

Dessa forma, podemos ver uma espécie de encruzilhada nas últimas décadas: à medida que o pacto social e o poder de negociação dos sindicatos foram enfraquecidos, uma estrutura de Transição Justa baseada no diálogo social foi adotada com maior ênfase.

Por outro lado, uma estratégia de crescimento verde enfrenta sérios limites em um contexto de baixas taxas de investimento, baixas taxas de crescimento e baixas taxas de aumento da produtividade. Na verdade, a transição energética e ecológica exige enormes quantidades de investimento produtivo para transformar setores econômicos inteiros, alguns deles localizados em atividades de baixo retorno. Esse contexto leva a uma espécie de jogo de soma zero, em que a concorrência global se intensifica e a política industrial verde é usada para iniciar guerras comerciais.23 Ao mesmo tempo, a estagnação econômica torna extremamente difícil a descarbonização de setores industriais altamente intensivos em capital, como os setores siderúrgico e automotivo.24 No primeiro caso, dada a situação atual de excesso de capacidade siderúrgica global e as baixas margens de rentabilidade, as empresas estão em uma posição desfavorável para assumir os altos investimentos e o aumento dos custos de produção associados à transformação para o aço de baixo carbono.25 De modo geral, uma transformação do modelo de produção orientada pela expectativa de lucro para o capital só parece possível por meio de uma formidável intensificação da exploração e de uma expansão dos mercados para novas esferas da vida.26

Isso questiona seriamente a estrutura da Transição Justa baseada no crescimento verde. Se uma transição energética orientada pelo mercado fosse possível, o que é improvável27, não há dúvida de que ela estaria longe de ser justa.

Essa impotência torna necessário propor uma abordagem alternativa. A rede internacional Trade Unions For Energy Democracy (TUED) argumenta que qualquer luta pela Transição Justa deve colocar a questão da propriedade de setores estratégicos no centro da abordagem sindical.28 Outros críticos apontam que as mobilizações populares extraparlamentares serão necessárias para alimentar uma transformação guiada pelo conflito.29 Ambos concordam que é preciso reconhecer que haverá vencedores e perdedores na transição, o que inevitavelmente criará tensões e resistência.

Hipóteses e estratégias para um sindicalismo ecossocialista

Acreditamos que a alternativa sindical à crise ecológica deve ter como objetivo a superação do sistema capitalista por meio de um programa de transição ecossocialista.30 Esse programa consistiria no controle público de setores estratégicos, no planejamento democrático da economia e na desmercantilização de áreas essenciais da vida cotidiana, como moradia, transporte e suprimentos básicos. Essencialmente, planejar uma transformação radical do sistema socioeconômico orientado por necessidades ecológicas e sociais, em oposição ao domínio do lucro privado para poucos em detrimento de muitos.31 Esse horizonte só pode ser alcançado com base nas lutas concretas do presente, no fortalecimento do poder de classe e em uma orientação política comprometida com a ruptura da ordem existente.

O sindicato deve assumir seu lugar e cumprir suas tarefas nesse horizonte de transformação ecossocialista. Promover, planejar e contestar a reorganização do sistema de produção, distribuição e consumo são tarefas que o sindicalismo sociopolítico e de contrapoder deve assumir como suas. Essas tarefas não são algo externo ao sindicato, mas a estrutura de ação sobre a qual orientar e guiar os conflitos trabalhistas das próximas décadas. Ainda mais quando a crise ecológica é um vetor que atravessará a maioria dos conflitos trabalhistas do futuro, seja direta ou indiretamente. Isso obriga o sindicato a incluir em suas discussões, planejamento e ação diária os conflitos que constroem o ambientalismo da classe trabalhadora. Isso representa uma estratégia substancialmente diferente daquelas baseadas em lobby junto aos governos e na exaltação do diálogo social.

Uma abordagem ecossocialista deve assumir a tarefa de reconstruir o sujeito de classe por meio da crise ecológica. A hipótese que formulamos aqui é a de que devemos aproveitar os conflitos trabalhistas ligados à crise ecológica para desenvolver um sindicalismo de contrapoder que aumente o poder de classe, acumule vitórias, enfraqueça a acumulação capitalista, afine os contornos de um horizonte ecossocialista e coloque a classe trabalhadora como sujeito ativo da transição ecológica que defendemos. Para fazer isso, devemos partir de uma composição ampla da classe:32

  • uma concepção ampliada da classe trabalhadora, definida pela obrigação de vender sua força de trabalho,
  • uma concepção de trabalho que inclua tanto a produção quanto a reprodução, e
  • uma concepção dos interesses da classe trabalhadora que englobe o local de trabalho como a comunidade ou o território.

Por outro lado, isso implica concentrar-se mais no como do que no quê: é o fortalecimento da organização popular e do sindicalismo de contrapoder que determina o sucesso das lutas enfrentadas. Esse fortalecimento será a condição necessária para o enfrentamento de futuras lutas de caráter ofensivo-propositivo que nos permitirão ter a capacidade de decidir sobre a direção da transformação produtiva.

Há três eixos de trabalho que consideramos fundamentais nos conflitos trabalhistas decorrentes da transformação produtiva: planejamento, propriedade pública e participação das pessoas trabalhadoras.33

Consideramos fundamental conseguir mecanismos de participação dos trabalhadores nas transformações de seus setores econômicos por dois motivos. Por um lado, para deixar de apresentar a transição como um processo em que o conflito está ausente e para reconhecer que há interesses conflitantes. Por outro lado, porque é essencial que aqueles cujos empregos serão afetados pela transição ecológica tenham a capacidade de contestar e decidir sobre a direção dessas transformações produtivas. Essa demanda por participação pode ser uma ferramenta poderosa para a ação sindical, útil tanto em momentos de negociação coletiva quanto em momentos de conflito sobre ajustes, demissões ou fechamentos.

Para avançar nessa direção por meio de conflitos trabalhistas, esboçamos quatro hipóteses e propostas estratégicas para o desenvolvimento desse sindicalismo ecossocialista em um futuro próximo. Trata-se de esboços incompletos, a serem testados no campo da experiência, e não de um programa acabado.

A) Antecipação e planejamento de conflitos trabalhistas

Já podemos saber quais setores serão mais afetados tanto pela crise ecológica quanto pela reorganização ecológica do capital. Do ponto de vista de uma transição eco-social justa, há setores que precisam reduzir sua atividade e seu impacto, como o petroquímico, o siderúrgico, o cimento, as usinas térmicas e a indústria automotiva. Outros setores precisam se transformar e aumentar sua atividade, como o transporte público, o setor agroalimentar, o manejo e a reciclagem de resíduos, a reabilitação energética de edifícios ou as energias renováveis.

No entanto, sabemos que as transformações que as empresas desses setores vão propor estão longe de ser uma transição eco-social justa. É por isso que propomos a necessidade de identificar e antecipar futuras fontes de conflito, estudando tendências, mudanças legislativas e planos corporativos. É essencial trabalhar com antecedência para planejar como chegar a esses momentos nas melhores condições possíveis. Não devemos esperar por anúncios de fechamentos, demissões ou reestruturações corporativas.

Esse trabalho de antecipação pode assumir três formas concretas.

Em primeiro lugar, criando espaços de discussão sobre o futuro do seu setor com delegados, afiliados e pessoas trabalhadoras desses setores em transformação.

Em segundo lugar, desafiando empregadores e empresas a garantir que os conselhos de empresa e as seções sindicais tenham voz ativa nas decisões sobre transformações futuras. Começar a articular o conflito e a negociação coletiva a partir daí: forçar metas para manutenção do emprego, condições de trabalho, recolocação ou treinamento vocacional para reciclagem.

Em terceiro lugar, elaborar nossas próprias propostas para a reconversão de setores34, discuti-las com os trabalhadores envolvidos e trazê-las para as estruturas de ação sindical e negociação coletiva.

B) Redução das horas de trabalho sem redução de salário

A demanda por uma redução nas horas de trabalho sem redução de salário tornou-se mais central nos últimos tempos. Desde o âmbito do decrescimento enfatiza-se que a redução da jornada de trabalho liberaria o tempo das pessoas, que poderia ser dedicado ao cuidado, e estabilizaria o emprego em uma transição eco-social na qual a produção é reduzida.35 Publicações recentes examinaram o impacto sobre a biodiversidade no Estado Espanhol em diferentes cenários de emprego, incluindo a redução da jornada de trabalho para 32 horas semanais.36 No entanto, a situação de referência mostra que a mudança legislativa por si só não é suficiente, pois 52% da população assalariada do Estado Espanhol tem atualmente uma jornada de trabalho que excede o limite legal.37 Por outro lado, 29% dos trabalhadores da indústria têm de trabalhar em alta velocidade e com prazos apertados em função da atividade econômica, o que está ligado a um aumento nas taxas de acidentes.

A redução da jornada de trabalho adquire especial relevância em vista das reorganizações produtivas que deverão acarretar uma redução da carga de trabalho em setores específicos. Desde a indústria automotiva, devido à mudança para veículos elétricos, até a indústria siderúrgica e as fábricas de cimento, onde a automação de alguns processos está sendo considerada, juntamente com a modificação para um processo de produção menos poluente. Isso não pode significar fechamentos e demissões traumáticas: precisamos avançar em direção a uma redução substancial das horas de trabalho que redistribua a carga de trabalho e amorteça as transformações. Além disso, a luta pela redução da jornada de trabalho é uma ferramenta com uma função tripla:

  • ofensiva, que significa uma melhoria imediata nas condições materiais;
  • defensiva, amortecendo o impacto traumático da reorganização produtiva; e
  • como facilitadora de outras transformações, como a redistribuição dos trabalhos de cuidados.

Essa última área é particularmente importante, uma vez que 45% de todas as horas de trabalho são trabalho de cuidado não remunerado e as mulheres realizam 76% dessas horas de trabalho, com uma carga mais de três vezes maior do que a dos homens.38

Não há atalhos para atingir esse objetivo: essa vitória deve ser construída com base no conflito. Sem uma forte base de poder sindical nos locais de trabalho, qualquer decreto real continuará sendo letra morta. Pesquisas recentes apontam como uma redução no tempo de trabalho sem uma ruptura com a acumulação capitalista exigiria uma governança que garantisse a taxa de lucro no setor privado e a estabilidade macroeconômica.39 Rejeitar o conflito, portanto, implica um compromisso com o capital e assumir o papel de administrar as misérias do neoliberalismo. Como mencionamos anteriormente, nem no presente nem, previsivelmente, no futuro, encontraremos uma nova era de ouro do capitalismo que permita que um forte programa de reformas ecossociais seja implementado pelo Estado sem episódios de conflito e ruptura.

C) Propostas de reconversão industrial em conflitos concretos

Além das propostas macroprogramáticas, é cada vez mais interessante poder colocar sobre a mesa propostas de reconversão industrial para conflitos concretos, como fechamentos, demissões e reestruturações. Isso é algo que foi feito na Nissan em Barcelona40, na fábrica da GKN na Itália41 ou na Mecaner no País Basco42. Em todos os três casos, quando o anúncio do fechamento foi feito, uma proposta foi apresentada pelos sindicatos e pelos trabalhadores:

  • propunham uma reconversão industrial para produtos ecológica e socialmente necessários, e
  • foi exigido um envolvimento ativo das instituições para que assumissem a propriedade das instalações.

O caso da antiga fábrica da GKN perto de Florença foi o mais longe, mantendo o conflito ativo por mais de três anos, elaborando uma proposta de lei regional, elaborando um plano industrial detalhado para a produção de bicicletas de carga e painéis fotovoltaicos e formando uma cooperativa com quase 4 milhões de euros de capital social.43

É uma ferramenta que pode ser usada para responder a situações críticas, ampliando a estrutura política do conflito. Essa ferramenta tem a virtude de repolitizar a esfera produtiva: ela discute elementos centrais sobre o que produzir, como, para quem e quem decide. Ela também nos permite questionar e contestar politicamente a atual política industrial verde das instituições, tornando visível seu caráter corporativo e exigindo o uso desses recursos públicos para uma reconversão ecológica de baixo para cima, nas empresas em conflito. Por fim, introduz uma disputa sobre a propriedade dos meios de produção e destaca a incapacidade atual de alcançar uma transformação produtiva real orientada pela expectativa de lucro do capital. Entretanto, é importante observar que o resultado desses processos até o momento não pode ser classificado como bem-sucedido em termos absolutos, e devemos tirar lições honestas de cada experiência.44

Ampliação de direitos e desmercantilizar a sobrevivência

Por fim, haverá uma necessidade cada vez maior de ação sociossindical além dos limites do local de trabalho. Garantir condições de vida decentes e, ao mesmo tempo, reduzir o consumo de energia e materiais requer contestação em várias áreas da vida cotidiana. A sobrevivência, na qual o acesso a bens essenciais está mediado pelo mercado, impõe uma escassez artificial que cria dependência do crescimento econômico.45 Romper essa dependência requer uma abundância radical dos meios para garantir a sobrevivência: requer a melhoria e a expansão dos serviços públicos universais. Isso traz à tona uma longa lista de conflitos sindicais para expandir os serviços públicos existentes e estendê-los a outras esferas que permanecem mercantilizadas. Do transporte público à alimentação, da assistência à moradia, da saúde e educação ao abastecimento de água e energia. Isso também possibilita combinar as lutas trabalhistas com as demandas desde os bairros e vilas. Um exemplo recente pode ser encontrado na Alemanha, onde o movimento climático uniu forças com o sindicato Ver.di para promover a mega greve que paralisou todo o país, exigindo uma melhoria no acordo coletivo para motoristas de ônibus e a expansão do transporte público.46

Para avançar nessa direção, esse sindicalismo ecossocialista deve incluir em seu núcleo o restante das renovações sindicais da última década. É essencial consolidar um sindicalismo feminista, que melhore as condições de trabalho dos setores mais feminizados e promova a luta por um sistema público de atendimento comunitário.47 É essencial aprofundar um sindicalismo antirracista, que construa ferramentas úteis para a defesa dos direitos e a organização coletiva dos trabalhadores imigrantes ou racializados.48 É urgente construir uma hibridização entre o sindicalismo trabalhista e a luta pelo acesso à moradia digna: atacar juntos os rentistas e os patrões para aumentar os salários e baixar os preços.49 Estabelecer um diálogo e um caminho conjunto entre essas abordagens aumentará sua força e coerência.

A combinação dessas estratégias em um sindicalismo sociopolítico e de contrapoder delineia a construção de um programa de transição ecossocialista. Colocar essas orientações em prática possibilitará testar sua eficácia e superar a impotência política da estrutura da Transição Justa baseada no diálogo social. Equipar-nos com as ferramentas sindicais apropriadas para um contexto de estagnação econômica e crise ecológica mostrará até que ponto seremos capazes de levar adiante as transformações socioeconômicas de que precisamos para evitar uma catástrofe.

Notas

  1. Jason W. Moore (2020). El capitalismo en la trama de la vida: ecología y acumulación de capital. Traficantes de sueños, Madrid. ↩︎
  2. Lorenzo Feltrin y Emanuele Leonard (2024). Ecologismo de la clase trabajadora y justicia climática. viento sur, 192. ↩︎
  3. Iñaki Barcena (2005). Ocho tesis ecosindicalistas. Contradicciones y afinidades entre ecologismo y sindicalismo. Manu Robles Arangiz Fundazioa. ↩︎
  4. Stefania Barca (2024). Workers of the earth: Labour, ecology and reproduction in the age of climate change. Pluto Press, Londres. ↩︎
  5. William J. Ripple, Christopher Wolf, Jillian W. Gregg, Johan Rockström, Michael E Mann, Naomi Oreskes, Timothy M Lenton, Stefan Rahmstorf, Thomas M Newsome, Chi Xu, Jens-Christian Svenning, Cássio Cardoso Pereira, Beverly E Law, Thomas W Crowther, The 2024 state of the climate report: Perilous times on planet Earth, BioScience, 2024. ↩︎
  6. Daniel Tanuro (2011). El imposible capitalismo verde: Del vuelco climático capitalista a la alternativa ecosocialistaviento sur y La Oveja Negra, Madrid. ↩︎
  7. Isidro López y Rubén Martínez (2021). La solución verde: Crisis, Green New Deal y relaciones de propiedad capitalista. La Hidra Cooperativa: Barcelona. ↩︎
  8. Jefim Vogel, Julia K. Steinberger, Daniel W. O’Neill, William F. Lamb, y Jaya Krishnakumar (2021). Socio-economic conditions for satisfying human needs at low energy use: An international analysis of social provisioning. Global Environmental Change, 69 (maio). ↩︎
  9. Julia Steinberger, Gauthier Guerin, Elena Hofferberth, y Elke Pirgmaier (2024). Democratizing Provisioning Systems: A Prerequisite for Living Well within Limits. Sustainability: Science, Practice and Policy 20 (1). ↩︎
  10. Manuel Garí (2020). Clase obrera, productivismo y crisis climática. En Juanjo Álvarez y Manuel Garí (Coord.) (2020). Como si hubiera un mañana: Ensayos para una transición ecosocialista. Sylone-viento sur, Barcelona. ↩︎
  11. Diego A. Azzi (2021). Trade Union Politics for a Just Transition: Towards Consensus or Dissensus?. En Nora Räthzel, Dimitris Stevis, y David Uzzell (Ed.) (2021). The Palgrave Handbook of Environmental Labour Studies. Palgrave Macmillan, Londres. ↩︎
  12. Adrien Thomas y Valeria Pulignano (2021). Challenges and Prospects for Trade Union Environmentalism. En Nora Räthzel, Dimitris Stevis, y David Uzzell (Ed.) (2021). The Palgrave Handbook of Environmental Labour Studies. Palgrave Macmillan, Londres. ↩︎
  13. Sean Sweeney y John Treat (2018). Trade Unions and Just Transition: The Search for a Transformative Politics. Trade Unions for Energy Democracy Working Paper 11. ↩︎
  14. Organización Internacional del Trabajo (2015). Directrices de política para una transición justa hacia economías y sociedades ambientalmente sostenibles para todos. ↩︎
  15. Damian McIlroy, Seán Brennan and John Barry (2022). “Just transition: A conflict transformation approach”. En Luigi Pellizzoni, Emanuele Leonardi y Viviana Asara (Ed.) (2022). Handbook of Critical Environmental Politics. Edward Elgar Publishing, Cheltenham. ↩︎
  16. Sean Sweeney y John Treat (2018). Op. Cit. ↩︎
  17. Sean Sweeney y John Treat (2018). Op. Cit. ↩︎
  18. Aaron Benanav (2021). La automatización y el futuro del trabajo. Traficantes de Sueños, Madrid. ↩︎
  19. Robert Brenner (2009). La economía de la turbulencia global. Akal, Madrid. ↩︎
  20. Alexis Moraitis (2022). From the post-industrial prophecy to the de-industrial nightmare: Stagnation, the manufacturing fetish and the limits of capitalist wealth. Competition & Change, 26(5), 513-532. ↩︎
  21. Unai Vicente (2023). Crisis y desindustrialización en el último cuarto del siglo XX. Arteka 39. ↩︎
  22. Emilio Majuelo Gil (2004). Historia del sindicato LAB (1975-2000). Txalaparta, Iruña. ↩︎
  23. Martín Lallana (2024). “La política industrial ha vuelto, ¿cómo debe posicionarse la izquierda?”. ↩︎
  24. Jack Copley (2023). “Decarbonizing the downturn: Addressing climate change in an age of stagnation”Competition & Change, 27(3-4), 429-448. ↩︎
  25. Jack Copley (2024). “Green Vulcans? The political economy of steel decarbonisation“. New Political Economy, 1–14. ↩︎
  26. Daniel Albarracín Sánchez (2022). “Controversias socioeconómicas sobre la tecnología: ¿Una nueva onda larga expansiva gracias a la revolución digital?“. Revista Internacional De Pensamiento Político, 17(1), 435–456. ↩︎
  27. Jason Hickel (2023). Menos es más: Cómo el decrecimiento salvará al mundo. Capitán Swing, Madrid. ↩︎
  28. Sean Sweeney y John Treat (2018). Op. Cit. ↩︎
  29. Damian McIlroy, Seán Brennan and John Barry (2022). Op. Cit. ↩︎
  30. Martín Lallana (2024). Estrategia ecosocialista en tiempos turbulentosviento  sur. ↩︎
  31. Cédric Durand, Elena Hofferberth y Matthias Schmelzer (2024). “Planning beyond growth: The case for economic democracy within ecological limits“. Journal of Cleaner Production, 437, 140351. ↩︎
  32. Lorenzo Feltrin y Emanuele Leonard (2024). Op. Cit. ↩︎
  33. LAB (2024). Transformar la industria para garantizar el futuro. ↩︎
  34. Cooperativa Garúa (2024). Plan de transición para el sector de la automoción en Euskal Herria. ↩︎
  35. Jason Hickel, Giorgos Kallis, Tim Jackson, Daniel W. O’Neill, Juliet B. Schor, Julia K. Steinberger, Peter A. Victor y Diana Ürge- Vorsatz (2022). “Degrowth can work — here’s how science can help“. Nature 612, 400-403. ↩︎
  36. Elisa Oteros Rozas, Alba Gutiérrez Girón, Camila Monasterio Martín, Marta Hernández Arroyo, Guillermo Amo de Paz, Irene Iniesta Arandia (coord.) (2023). Biodiversidad, economía y empleo en España: Análisis y perspectivas de futuro. Amigos de la Tierra, Ecologistas en Acción, SEO BirdLife, WWF. ↩︎
  37. Álvaro Briales (2023) “El sindicalismo en el debate sobre la reducción de la jornada laboral: una perspectiva de clase, feminista y ecologista“. La Brecha: Análisis de coyuntura económica y social. ↩︎
  38. Organización Internacional del Trabajo (2018). Care work and care jobs for the future of decent work. ↩︎
  39. Basil Oberholzer (2023). “Post-growth transition, working time reduction, and the question of profits“. Ecological Economics, 206, 107748. ↩︎
  40. Anticapitalistas, CGT y CUP (2020). Propuesta para la socialización de Nissan. ↩︎
  41. Lukas Ferrari y Dario Salvetti (2023). La lucha de ex-GKN en Florencia: movimiento social y proyecto de reconversión ecológica desde abajo. ↩︎
  42. Cooperativa Garúa (2024). Plan de transición ecosocial para Mecaner. ↩︎
  43. Martín Lallana (2024). Un plan industrial sin fábrica: La recta final de ex-GKN Florencia. ↩︎
  44. Víctor de la Fuente y Martín Lallana (2024). Lecciones políticas y sindicales de la reapertura de la fábrica de Nissan. ↩︎
  45. Jason Hickel (2023).Universal public services: the power of decommodifying survival. ↩︎
  46. Miguel Sanz Alcántara (2023). Un verdadero plan para ganar: Lucha del sector público alemán por un nuevo convenio colectivo. ↩︎
  47. Diego Díaz Alonso y Maddi Isasi Azkarraga (2023). “El feminismo está llevando a muchas mujeres al sindicalismo”. Nortes. ↩︎
  48. Josefina “Txefi” Roco Sanfilippo (2022). “Antirracista no se nace, se hacePikara Magazine. ↩︎
  49. Abiatu, ekintza sozialeko komunitatea (2024). Negozioa eten! Alokairu publiko eta soziala. ¡Que bajen los precios! ↩︎

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Revista Movimento nº 55-57
Nova edição da Revista Movimento debate as "Encruzilhadas da Esquerda: Desafios e Perspectivas"
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