A resolução transfóbica do CFM e o ataque da extrema direita às pessoas trans
Ofensiva transfóbica do Conselho Federal de Medicina representa enorme retrocesso
Foto: Mobilização em defesa das pessoas trans. (ANTRA/Reprodução)
No dia 8 de abril de 2025, em uma ofensiva contra as pessoas trans, o Conselho Federal de Medicina publicou a Resolução Nº 2.427/2025. Tal norma restringe as regras de acesso à terapias de afirmação de gênero, proibindo o uso de bloqueadores hormonais para menores de 18 anos, as cirurgias de afirmação de gênero para menores de 21 anos e instituindo a obrigatoriedade de acompanhamento psiquiátrico por mais de 1 ano antes que adultos trans comecem a terapia hormonal.
Essas medidas, historicamente criticadas pelo movimento trans, são baseadas em falácias médicas utilizadas para a perseguição dessa população. Os bloqueadores hormonais são substâncias utilizadas em crianças e adolescentes com o intuito de diminuir a velocidade da puberdade. São medicamentos utilizados e aprovados há décadas em crianças cis que têm uma puberdade precoce ou com baixa estatura idiopática.
Em crianças e adolescentes trans, são utilizados com o intuito de atrasar o desenvolvimento de características sexuais secundárias, as quais são permanentes e muitas vezes fontes de enorme disforia para essas pessoas. A ideia por trás desse tratamento é permitir aos jovens um maior tempo para consolidarem sua identidade de gênero, facilitando a terapia de substituição hormonal, caso o jovem decida continuar com a transição. Se trata de um tratamento reversível, historicamente aplicado em pessoas cis e com inúmeros benefícios aos jovens trans, que evitam passar por uma puberdade que, muitas vezes, pode ser traumática.
A obrigatoriedade de acompanhamento psiquiátrico, por sua vez, vem de uma patologização da transgeneridade que é de extrema violência para a nossa população. Historicamente, setores conservadores se esforçam para tornar a transgeneridade e a homossexualidade uma doença no imaginário social. É importante lembrarmos que a Organização Mundial da Saúde considerava a homossexualidade uma doença até 1990 e a transgeneridade até 2019. Caracterizar o “diferente” como “doente”, implica em haver algo a ser tratado e o CFM, ao tornar obrigatório o acompanhamento psiquiátrico para pessoas trans acessarem tratamentos que salvam suas vidas, caminha para essa lógica.
Em meio a uma decisão que, claramente, não tem respaldo técnico adequado, mas que impacta fortemente a vida de milhares de pessoas trans, cabe a pergunta: Por que o CFM está perseguindo essa população? A verdade é que a Resolução n° 2.427/2025 não é um ato isolado, mas sim uma pequena parte de uma ofensiva mundial da extrema-direita contra as pessoas trans. Nos Estados Unidos, o governo Trump vem emitindo vistos e passaportes de pessoas trans com o gênero com os quais elas foram assinaladas ao nascer e vem transferindo as mulheres trans presas para presídios masculinos. No Reino Unido, após pressão de grupos feministas “radicais”, aliados à extrema-direita e financiados pela burguesia britânica, a Suprema Corte adotou uma definição de “Mulher” que, propositalmente, exclui pessoas trans.
Internacionalmente, a extrema direita vem adotando uma nova estratégia para convencer as massas de seu projeto de morte: a criação de um pânico moral contra certas populações (pessoas trans, imigrantes, muçulmanos, etc.). A partir da associação homofóbica da comunidade LGBT com a pedofilia, é criada a narrativa de que pessoas trans buscam atacar a juventude e que a nossa luta para que crianças e adolescentes trans possam ter acesso a esses tratamentos que salvam suas vidas seria parte disso. Num contexto de suposto ataque à infância, líderes fascistas surgem se reivindicando como os únicos que têm a coragem de combater esse problema.
No Brasil, o efeito dessa nova estratégia da extrema direita já pode ser visto, não só pela ofensiva do CFM, mas também através de figuras como o Lucas Pavanato, vereador mais bem votado de São Paulo, que não só se elegeu prometendo tirar pessoas trans de espaços como banheiros e esportes, mas logo no seu primeiro mês de mandato protocolou 3 projetos de lei antitrans. Em um contexto de crise do bolsonarismo, com a inelegibilidade de Bolsonaro, a perseguição às pessoas trans tem sido uma das estratégias desse setor para manter a sua relevância e tentar retomar o poder.
Nesse sentido, vale retomarmos debates anteriormente feitos por essa plataforma acerca de como derrotar a extrema direita. Ao contrário do que alguns setores da esquerda defendem, não é possível dizer que uma prisão do Bolsonaro, articulada única e simplesmente pelo Supremo será o suficiente para barrar o bolsonarismo, que continua enraizado nas massas. Para derrotar de vez o fascismo, é preciso alimentar processos de mobilização que avancem na consciência da população e desmoralizem a extrema-direita. Assim, se nos propomos a ir às últimas consequências no combate à extrema-direita, é papel dos revolucionários estar ao lado das pessoas trans, por reconhecermos que elas tem sido sistematicamente utilizadas de espantalho por esse setor político, que não pensa duas vezes antes de sacrificar seus direitos por ganho político.
Isso significa, dentre outras tarefas, estarmos lado a lado na luta das pessoas trans por seu direito à saúde e contra a Resolução Nº 2.427/2025 do CFM. Essa luta, que terá um grande polo no dia 24 de abril, com o ato nacional puxado pelo IBRAT e a ANTRA, tem mobilizado milhares de jovens trans, que estão dispostos a se confrontar com a extrema-direita para a manutenção dos seus direitos. Devemos ir às ruas não apenas pela dignidade e direito à saúde da juventude trans, mas também por entender que esses ataques são parte de uma estratégia do bolsonarismo para manter a sua relevância.