Orgulho Lésbico: visibilidade, resistência e legado
Do Ferro’s Bar às lutas feministas e trabalhistas, o orgulho lésbico resiste, denuncia violências e afirma um legado de dignidade, prazer e justiça social
Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
No dia 19 de agosto, celebramos o Dia Nacional do Orgulho Lésbico, uma data potente que ressoa no Brasil e se conecta ao Mês Internacional da Visibilidade Lésbica. Este é um momento para honrar a existência, a resistência e as lutas das mulheres lésbicas em uma sociedade marcada por desigualdades de gênero, orientação sexual, raça e classe.
É também uma oportunidade de reconhecer sua contribuição histórica em momentos cruciais, como a Revolta do Ferro’s Bar, a epidemia de HIV, as greves do ABC e o legado no movimento feminista, além de incentivar o consumo de obras de autoras e escritoras lésbicas feministas anticapitalistas, cujas vozes desafiam sistemas opressivos.
A Revolta do Ferro’s Bar, em 1983, foi um marco na luta lésbica no Brasil. Em São Paulo, mulheres lésbicas foram expulsas do Ferro’s Bar, um ponto de encontro da comunidade, sob a alegação de que “afastavam” outros clientes. Em resposta, organizaram um protesto conhecido como o “Stonewall brasileiro”, que deu origem ao Grupo de Ação Lésbica-Feminista (GALF). Esse ato de resistência simboliza a coragem de mulheres que, enfrentando repressão, lutaram por dignidade e liberdade.
Durante a epidemia de HIV, nas décadas de 1980 e 1990, mulheres lésbicas desempenharam um papel essencial no ativismo pela saúde e pelos direitos humanos. Apesar de serem menos afetadas diretamente pelo HIV devido a práticas de menor risco, muitas se engajaram em movimentos de solidariedade, apoiando pessoas soropositivas, combatendo o estigma e exigindo políticas públicas de prevenção e tratamento. Sua atuação foi fundamental em organizações de base, que pressionaram o Estado por acesso a medicamentos e cuidados, reforçando a luta por justiça social.
Na luta de classes, as mulheres lésbicas também marcaram presença, especialmente durante as greves do ABC paulista, na década de 1970 e início dos anos 1980. Embora muitas vezes invisibilizadas, elas participaram ativamente dos movimentos sindicais, articulando demandas trabalhistas e conectando a luta de classe à resistência contra a opressão de gênero e orientação sexual. Sua presença nesses espaços desafiou a narrativa predominantemente masculina do movimento operário, trazendo à tona a interseccionalidade das opressões.
No movimento feminista, o legado lésbico é inegável, especialmente na defesa do direito ao prazer. Mulheres lésbicas foram pioneiras em questionar normas patriarcais que subordinavam o prazer feminino ao masculino, reivindicando autonomia sobre seus corpos e desejos. Essa luta ampliou o entendimento do feminismo, destacando que a libertação das mulheres inclui o direito de amar e viver sua sexualidade livremente, sem medo ou repressão.
As mulheres lésbicas enfrentam violências específicas, como o “estupro corretivo”, uma prática hedionda que busca “corrigir” sua sexualidade por meio da violência sexual. Essa forma de lesbofobia, frequentemente silenciada, reflete o machismo estrutural. A ausência de dados específicos sobre essas violências dificulta a criação de políticas públicas eficazes.
A falta de estatísticas e a imprecisão dos dados relacionados a essas violências, torna a luta ainda mais desafiadora. Assim, dificultando a compreensão sobre a dimensão dessas problemáticas. Além disso, a invisibilização em áreas como a da saúde, onde enfrentam preconceito em atendimentos, e no mercado de trabalho persistem, a discriminação limita oportunidades, agrava os desafios, especialmente para lésbicas negras, indígenas e periféricas.
Para transformar essa realidade, é essencial consumir, apoiar e dar visibilidade ao trabalho de autoras e escritoras lésbicas feministas anticapitalistas, como Audre Lorde, Adrienne Rich, Monique Wittig e, no Brasil, Cassandra Rios e Lívia Natália. Suas obras desconstroem narrativas opressivas, questionam o capitalismo e oferecem perspectivas poderosas sobre identidade, resistência e justiça social. Ler e divulgar essas vozes é uma forma de fortalecer a luta por visibilidade e equidade.
O Mês Internacional da Visibilidade Lésbica nos convoca a ouvir essas histórias e exigir mudanças. Combater a lesbofobia exige ações concretas: criminalizar práticas como o estupro corretivo, incluir recortes de gênero e orientação sexual em pesquisas oficiais e fortalecer redes de apoio comunitárias, além de compreender que o amor entre mulheres não é uma consequência de relacionamentos heteronormativos falidos.
Precisamos reafirmar e celebrar sempre, mesmo após o Dia Nacional do Orgulho Lésbico, a força de mulheres que amam mulheres, que transformam o mundo com sua resistência e deixam um legado de luta pelo direito ao prazer, à dignidade e à justiça. Que possamos apoiar suas vozes, consumir suas obras, lutar por uma sociedade onde todas vivam com liberdade e segurança.