Contra a PEC da Bandidagem e da Anistia: a luta de massas e a organização popular
Por que só a organização popular pode derrotar a PEC da blindagem e da anistia para golpistas
Foto: Manifestação no último domingo (21/09) contra as PECs da Bandidagem e da Anistia. (Agência Senado)
A chamada PEC da Blindagem, popularmente conhecida como PEC da Bandidagem, não é apenas mais um projeto de lei no Congresso. Ela busca institucionalizar a impunidade, blindando políticos corruptos e garantindo a sobrevivência política de setores autoritários. Ao mesmo tempo, tramita na Câmara dos Deputados a tentativa de aprovar uma anistia ampla aos crimes do bolsonarismo, incluindo os ataques golpistas de 8 de janeiro, além de propostas de alteração das decisões já tomadas pelo Supremo Tribunal Federal. Mais do que simples manobras parlamentares, esses projetos representam a convergência de interesses do bolsonarismo, do centrão e de parte da velha política, que tentam normalizar aquilo que é inaceitável para a democracia.
A boa notícia é que a CCJ do Senado barrou a PEC da Blindagem, impedindo que avance no Congresso. A anistia ampla também enfrenta resistências cada vez maiores e, com a pressão contínua da sociedade, é improvável que seja aprovada. Essas vitórias parciais da mobilização popular demonstram que a luta organizada faz diferença e que a sociedade pode frear projetos que ameaçam a democracia.
A gravidade da PEC da Bandidagem e da proposta de anistia deve ser compreendida no contexto de um avanço global da extrema direita. Ao longo da última década, assistimos a mobilizações massivas que demonstraram a força popular e a capacidade de resistência contra políticas autoritárias, políticas de austeridade que retiram direitos e aprofundam desigualdades. Nos Estados Unidos, por exemplo, houve protestos gigantescos contra o racismo estrutural e contra medidas regressivas, mas mesmo assim Donald Trump foi reeleito no ano passado, consolidando uma base social sólida que até hoje ameaça a democracia do país. Na Europa, também vimos grandes manifestações populares, mas, em paralelo, a extrema direita avançou em governos como na França, Alemanha e Itália, muitas vezes apoiada em discursos nacionalistas e na aplicação de políticas de austeridade que penalizam os trabalhadores. Esses exemplos mostram que a luta é contínua e que a resistência isolada, sem direção política estratégica, não basta para conter seu avanço. Esse histórico reforça a necessidade de reação organizada, articulada e permanente, que transforme indignação em mobilização concreta, conectando a luta democrática à luta social e de classes.
No Brasil, é possível reconhecer padrões semelhantes. Em 2013, milhões de pessoas ocuparam as ruas contra a precarização da vida e pela melhoria de serviços públicos. A ausência de uma direção política à esquerda capaz de canalizar essas mobilizações para alternativas estruturadas abriu espaço para que setores da extrema direita cooptassem parte do movimento e se fortalecessem politicamente. É importante destacar que os setores da esquerda que souberam se localizar e disputar nesse momento, como o PSOL, cresceram e consolidaram sua presença. Ao mesmo tempo, é fundamental ressaltar que esses movimentos não podem ser apropriados por oportunismos eleitoreiros; a luta popular precisa manter sua autonomia e coerência estratégica. Hoje, diante da PEC da Bandidagem e da proposta de anistia, essa experiência histórica reforça a necessidade de organizar as massas e liderar de forma estratégica, para que a insatisfação popular não seja apropriada por forças autoritárias.
Um aspecto importante da resistência contemporânea é o potencial de mobilização dos trabalhadores mais precarizados, como os trabalhadores de aplicativo e aqueles submetidos à pejotização ou atuando como MEI. Embora ainda não tenham tradição de organização coletiva, e muitos de seus movimentos recentes tenham surgido de forma espontânea ou até parcialmente cooptados pelas próprias plataformas, eles expressam claramente a insatisfação com as condições de exploração e precarização que enfrentam. Parte desses trabalhadores, inclusive, mantém simpatias pelo bolsonarismo, mas não deixam de perceber como o sistema os oprime. É um desafio estratégico da esquerda incorporar essa parcela da classe trabalhadora às lutas populares, conectando suas reivindicações à mobilização de massas, mostrando que é possível transformar indignação individual em ação coletiva e ampliar a força social contra a extrema direita e a impunidade.
É preciso registrar que a responsabilidade não está restrita à extrema direita ou ao centrão. Infelizmente, setores da chamada esquerda institucional, incluindo alguns parlamentares do PT, acabaram cedendo à lógica de conciliação ou fisiologismo, votando a favor da PEC em determinados momentos. Essa postura reforça a necessidade de que a organização popular e a mobilização de massas sejam o motor real das mudanças, e não a confiança exclusiva nas instâncias institucionais. Felizmente, a pressão da sociedade, somada à mobilização das ruas, mostrou sua força ao barrar parcialmente a PEC e dificultar a aprovação da anistia.
Por isso, os atos de rua contra a PEC da Blindagem e a PEC da Anistia revelam uma dinâmica específica da mobilização contemporânea. Diferentemente de outras épocas, os sindicatos e movimentos estudantis brasileiros enfrentam uma crise profunda e, em grande medida, não têm conseguido impulsionar grandes mobilizações. Do mesmo modo, os partidos do chamado centro democrático e da esquerda tradicional fizeram chamados relativamente tímidos, sem capacidade de ocupar o protagonismo político. Nesse contexto, o papel dos artistas e influenciadores digitais foi decisivo: foram eles que encabeçaram, divulgaram e articularam grande parte das manifestações, especialmente através das redes sociais. É preciso reconhecer, porém, que essas plataformas digitais não são neutras: elas têm lados e interesses próprios, e não podemos depender apenas delas para organizar a luta. O desafio estratégico da esquerda é aproveitar esse momento para furar a bolha digital, criar formas de mobilizar e organizar as pessoas além da convocação virtual, e transformar o impulso espontâneo em ação coletiva estruturada. É uma oportunidade de mostrar que a força das ruas pode ser potencializada quando os setores populares, artísticos, digitais e precários se conectam a uma organização consciente e estratégica, capaz de impulsionar uma mobilização real e duradoura.
Sob a ótica marxista, as transformações decisivas não nascem nos gabinetes, mas na força viva das massas em movimento. Rosa Luxemburgo lembrava que a democracia se consolida na ação popular; Trotsky alertava que nos momentos de crise se define se a classe trabalhadora assume a direção ou se a reação avança. É nas ruas, com organização e consciência estratégica, que se constrói o poder social capaz de transformar indignação em avanços concretos, rumo a mudanças estruturais e à emancipação coletiva.
A extrema direita, ao enfrentar derrotas parciais como o bloqueio da PEC da Blindagem e a resistência à anistia, demonstra que seu projeto autoritário não é invencível. Mas a classe trabalhadora e a juventude, se organizadas, podem transformar esses momentos em novas oportunidades de mobilização, abrindo uma etapa de resistência ainda mais estratégica e recolocando a esquerda em posição de força e iniciativa. A tarefa é desafiadora, mas cheia de possibilidades: assembleias populares híbridas, comitês de luta, plenárias sindicais conectadas a plataformas digitais alternativas, atos culturais e performáticos, ocupações simbólicas, intervenções urbanas e plebiscitos populares, como a taxação das grandes fortunas e a luta contra a escala 6×1, são formas de mobilizar, engajar e empolgar novas camadas da população. Ao mesmo tempo, é preciso dar centralidade à luta das minorias, como o movimento negro, mulheres, comunidade LGBT+ e outros setores historicamente oprimidos, porque sem eles não há resistência efetiva nem projeto emancipatório.
Ao mesmo tempo, a luta ambiental, pelo ecossocialismo e pela soberania popular, amplia essa mobilização, conectando áreas urbanas e rurais, a defesa de territórios, a reforma agrária, os territórios dos povos originários e a sustentabilidade com justiça social. É na articulação entre luta ambiental, direitos sociais, terra e soberania que se constrói uma perspectiva transformadora de esquerda, capaz de conectar indignação popular à ação coletiva, mobilizar trabalhadores, juventude, movimentos sociais e minorias, e avançar na construção de um projeto emancipatório e solidário para toda a sociedade.
O momento exige compreensão, organização e coragem. As manifestações contra a PEC da Bandidagem e da Anistia, e as vitórias parciais conquistadas, mostram que a pressão popular é capaz de barrar projetos autoritários e transformar o cenário político. É tempo de ir às ruas e dizer, com a força coletiva de milhões: nenhuma blindagem para os golpistas, nenhuma anistia para os corruptos e nenhuma submissão ao imperialismo de Trump. O futuro será conquistado com luta, organização e socialismo.