Ecossocialismo ou Extinção: defender a vida, construir territórios livres e o Ecossocialismo de e para os Povos

Ecossocialismo ou Extinção: defender a vida, construir territórios livres e o Ecossocialismo de e para os Povos

Declaração do II Encontro Ecossocialista Latino-americano e Caribenho realizado em Belém nos dias 08 a 11 de novembro

Nos reunimos em um momento de profunda ofensiva do capital contra a vida, no âmbito das ações que os povos organizamos frente à COP 30. Este encontro nos permitiu, mais uma vez, reafirmar que tanto a ascensão das extremas-direitas quanto as falsas soluções de governos que se nomeiam progressistas, mas que, logo, não hesitam em privatizar os bens comuns ou facilitar agressões contra os povos e lideranças que enfrentam, dia a dia, as consequências da lógica do crescimento infinito do capital em seus territórios, nos instam a lutar por um mundo em que os sistemas de vida sejam o centro de todas as nossas construções políticas e a repudiar energicamente qualquer tentativa de intimidação.

Tivemos um exemplo do que acontece quando, em lugar de fortalecer a luta dos povos que defendem seus territórios com suas próprias vidas, os defensores do neoliberalismo progressista se colocam a serviço do capital e do extrativismo depredador. As ameaças políticas sofridas pela companheira indígena Auricelia Arapiun, durante sua fala em nossa mesa de análise de conjuntura, são a radiografia de um setor que atua dentro das comunidades para instalar o medo e a fragmentação. Entretanto, nós — assim como Auricelia expressou em sua resposta à ameaça — não nos calamos e não conciliamos.

A ofensiva da extrema-direita, sabemos, também se traduz em nossos territórios como tentativas de violação de nossa soberania, reproduzindo as mesmas lógicas de submissão e dominação que existiram no passado e que têm continuidade no presente. Frente a essa ofensiva imperialista, nós, as/os ecossocialistas, defendemos uma frente única para resistir e nos defender.

O ecossocialismo, como ferramenta de construção de outro mundo, se faz necessário e urgente. A aceleração da destruição massiva das capacidades de reprodução dos ecossistemas e o caráter neocolonial e imperialista das supostas alternativas apresentadas pelo mesmo sistema que gerou o atual quadro de emergência climática são uma ameaça à nossa continuidade como espécie e estão nos levando a um ponto de não retorno.

Frente a esse desafio, impõe-se como única saída possível a organização coordenada de nossas lutas com o objetivo de superar o sistema capitalista. É a luta organizada dos povos, sua resistência contra os sistemas de dominação e o avanço na construção de outros mundos baseados na solidariedade, complementaridade e reciprocidade — respeitando os saberes e cosmovisões dos distintos povos e seu direito legítimo à autodefesa e à autodeterminação — a base fundamental de nossa estratégia.

Nestes dias de debate, representantes de povos em luta das distintas latitudes de Abya Yala e de outros continentes, em nível global, levantamos nossa voz para denunciar que os extrativismos capitalistas e imperialistas vêm promovendo a destruição ambiental e humana nos diversos territórios. É preciso fortalecer as articulações dos povos que resistem para combater essa destruição, ao mesmo tempo em que reforçamos as formas de produção da vida que os povos desenvolveram historicamente e que estão em risco devido à contaminação e à apropriação da água, da terra e do ar por parte das empresas transnacionais e dos governos.

As vozes dos povos originários foram protagonistas neste encontro, identificando um contexto comum de colonialismo, invasão, despojo, extrativismo e falsas soluções, acompanhado de uma política de aniquilamento e de genocídio, em que não só se mata, mas também se invisibilizam estes povos, criminalizando-os e perseguindo-os. Neste ponto, vemos a relação entre corpo e território como um tecido em que, embora habitem violências estruturais, também habita a disputa pela vida. Essa disputa é evidente e se traduz nas resistências alternativas, através da valorização e articulação de saberes, cosmologias em que a ancestralidade e a natureza se fazem presentes, além da autodefesa, da autodeterminação, da vida comunal e da importância da esperança e da unidade dos distintos territórios.

Essas disputas pela vida também nos encontram a partir dos ecofeminismos, realçando a luta de mulheres e corpos feminizados de distintos territórios de Abya Yala, que se enfrentam à estreita e histórica relação entre o capitalismo e a violência a que estão submetidos a terra, os territórios e as mulheres.

Dos diferentes extrativismos subjaz uma violência que se expressa na contaminação e destruição da terra; na depredação e no roubo de nossos bens comuns; na fragmentação das perspectivas culturais; e nos corpos feminizados, empobrecidos e racializados de milhares de mulheres do Sul Global.

Esta análise, além de identificar o capitalismo como a origem estrutural de todas as violências territoriais, propõe também soluções que podem superar essas contradições, como a gestão comunitária das águas, a autonomia alimentar, o autogoverno, a justiça comunitária e uma forma de entender os cuidados de maneira subversiva — isto é, a partir de uma crítica estrutural à neoliberalização do discurso dos cuidados, que segue sustentando a lógica do capital. Em vez disso, nos posicionamos a partir dos cuidados coletivos e comunitários, em prol de uma transformação radical.

A luta ecosindical é um elemento fundamental da luta ecossocialista. A luta por mais e melhores condições de trabalho, combinada com a consciência de que a exploração da classe trabalhadora e o despojo de nossos bens comuns estão a serviço do capital e se complementam, cria condições para mobilizar e avançar sobre as causas estruturais das opressões que sofremos dentro do sistema capitalista. Nesse sentido, repudiar a prática do fracking na Colômbia, na América Latina, no Caribe e no mundo é uma tarefa que assumimos com responsabilidade, com o objetivo de contribuir para a construção de territórios livres. Sabemos que isso só será possível se as organizações sindicais estiverem articuladas com os processos sociais, populares, indígenas e camponeses de cada país, mantendo suas autonomias na defesa dos territórios, da vida e de sua reprodução. Através da solidariedade internacionalista, comprometemo-nos a impulsionar espaços de denúncia das violações aos direitos trabalhistas, humanos e naturais.

É a partir desse tecido que somos que gritamos, de forma unânime: Palestina Livre, do rio ao mar; cessar-fogo em Gaza; e condenação ao Estado genocida de Israel pela matança do povo palestino. Um povo que resiste, que semeia, que conserva a convicção de seguir de pé — e ao qual abraçamos a partir da solidariedade internacionalista, multiplicando as ações globais de apoio, como o BDS e a Flotilha, exemplos de resistência a partir de baixo que estão sendo vistos como ameaças por Israel.

Além disso, exigimos dos governos da região que rompam suas relações com Israel, como no caso dos acordos com a Mekorot, a empresa nacional de água de Israel, que se converteu em um instrumento de dominação colonial. A água é um bem comum e, na Palestina, é utilizada como arma política e econômica: Israel controla as fontes, impede os palestinos de perfurar poços, recolher água da chuva ou manter cisternas, criando assim uma dependência total e um sistema de apartheid hídrico. A Palestina é um laboratório de dominação, cujas técnicas se expandem para outros territórios, e a resistência e a solidariedade com o povo palestino precisam ser globais. Nós, ecossocialistas do mundo inteiro, acompanhamos e construímos solidariedade ativa com o povo palestino e seu direito a existir.

A poucos dias do início da COP 30, observamos mais uma vez que este não é

um espaço capaz de dar respostas às necessidades dos territórios; ao contrário, se instaura como um mecanismo de financeirização da natureza. Por isso, reafirmamos a denúncia e o rechaço ao pagamento das dívidas odiosas e ilegítimas, e advogamos pelo fechamento dos mecanismos internacionais que as impulsionam e legitimam. Esses mecanismos hipotecam nosso futuro em troca da entrega dos bens estratégicos de que o capital precisa para sua reprodução ilimitada. É essencial o desmantelamento do sistema da dívida, que subordina e limita as capacidades de saída do sistema de forma planificada.

Não esperamos nada desses espaços que propõem projetos como bônus de carbono que, assim como o TFFF, adotam a narrativa de que o problema é que os bens comuns não foram totalmente mercantilizados e, portanto, haveria uma “falha de mercado” a ser superada. Denunciamos também os governos cúmplices de projetos ecocidas, como é o caso do governo do Brasil que, poucos dias antes do início da COP 30 em Belém — território amazônico — aprovou a exploração de petróleo na foz do Amazonas e que, ademais, já durante a COP 30, aprovou o registro de 30 novos agrotóxicos.

Reafirmamos a agroecologia como um dos caminhos que constroem nossa estratégia ecossocialista. A produção de alimentos agroecológicos, de base camponesa e indígena, não é apenas uma forma de substituição do atual sistema agroalimentar dominante, que tem o agronegócio e a produção de commodities como protagonistas; é também uma forma de recuperação e reconstrução dos ecossistemas e de ruptura da alienação entre campo e cidade, sendo, portanto, fundamental no enfrentamento da mudança climática. É imprescindível compreender que não há agroecologia possível no âmbito de um capitalismo verde, pois ela implica, como prática política, a modificação estrutural das relações de produção e de vida atuais.

Reconhecendo que o ecossocialismo leva anos caminhando na construção de manifestos e programas que delineiam tal estratégia, debatemos os

futuros passos que nos permitem concluir que não há ecossocialismo possível sem territórios livres. Não temos dúvidas de que as lutas eco-territoriais e pela construção de um mundo vivível são o caminho que devemos seguir, fortalecendo solidariamente nossas iniciativas, visibilizando e construindo espaços nos quais possamos avançar na construção de um ecossocialismo de e para os povos.

Para alcançarmos esse objetivo, é necessário acumular vitórias que nos indiquem o caminho. Realizar mobilizações e campanhas entre os distintos coletivos que fazem parte do esforço de construir esse projeto ecossocialista é fundamental para consolidar um processo integral e internacionalista de resistência coordenada e estratégia comum.

A continuidade desta articulação de luta, de construção do programa ecossocialista de que precisamos, e a internacionalização do movimento ecossocialista, são tarefas que iniciamos há dez anos, nestes encontros, e que se consolidaram com a conformação da Rede Internacionalista de Encontros Ecossocialistas, formada em 2024 após o encontro em Buenos Aires.

Como novas iniciativas, temos a realização do Sétimo Encontro Ecossocialista Internacionalista, na Bélgica, em maio de 2026; o Seminário Ecossocialista Internacional, que se realizará no Brasil no âmbito da Primeira Conferência Internacional Antifascista; e o Terceiro Encontro Ecossocialista Latino-Americano e Caribenho, em 2027, na Colômbia. Estamos convencidas de que esses encontros devem superar fronteiras e gerar ações comuns de luta que permitam golpear os poderes concentrados do extrativismo capitalista simultaneamente em cada território onde estivermos.

No entanto, apenas os Encontros Ecossocialistas não são suficientes para avançar na construção de um programa que seja, de fato, enraizado nas lutas concretas. Por isso, propomos a criação de ações e campanhas conjuntas sobre a Palestina, os combustíveis fósseis, a mineração, a dívida e

os tratados de livre comércio; a defesa da água; a luta contra o agronegócio; e a recuperação das florestas. Propomos também mapear quais empresas estão alinhadas com projetos ecocidas nos países da América Latina e do Caribe, para realizar denúncias e comunicados em conjunto. Além disso, propomos que haja encontros ecossocialistas nos territórios, prévios ao encontro na Colômbia, para que os debates possam refletir formulações e propostas eco-territorializadas.

Por último, queremos que nosso espaço de construção seja vivo e diverso, capaz de gerar debates profundos entre os coletivos que o constituem, de modo a pensar e problematizar nossa concepção de ecossocialismo, reafirmando que o ecossocialismo não é o socialismo pintado de verde, mas uma proposta de mudança profunda em nossas relações — tanto entre nós como com a natureza. É outra forma de fazer política, capaz de construir um mundo novo, digno e bonito de ser vivido, tanto para os seres humanos como para o restante dos seres vivos.

Belém, 11 de novembro de 2025.


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