Jards Macalé (1943-2025)
Homenagem a Jards Macalé, que morreu ontem aos 82 anos
Duas semanas separam a morte de Lô Borges do desaparecimento físico de Jards Macalé. Perdas importantes para a MPB. Após as homenagens justas a Lô, a despedida daquele considerado como um dos mestres do encontro entre as palavras e o som, o “eterno maldito”, Jards Macalé.
Recordo de um épico show de “Dobrando a carioca”, projeto que reuniu Jards Macalé, Zé Renato, Guinga e Moacyr Luz, no comecinho dos anos 2000, salvo engano.
Nascido carioca, da região de “dentro” da Tijuca, bairro conhecido como “Boca do Mato”, Jards se destacou pelo brilhantismo precoce, pelo envolvimento na cena cultural alternativa e pelo equilíbrio entre suas letras, a “poesia pura” e as melodias singulares. Fruto dessa condição especial, sua parceria com Wally Salomão, ficaria imortalizada como um dos grandes momentos da arte no Brasil.
Sua condição periférica e livre, circulando entre a urbe, os morros, a zona sul, lhe proporcionou uma universalidade capaz de combinar crítica social com rigor de compositor, contido, com sua própria erudição.
Engajou-se já nos conflituosos anos 60 na equipe de apoio do épico grupo de teatro “Opinião”, seguindo parcerias com nome como Capinam e Torquato Neto; seu batismo de fogo foi com nos festivais, com “Gotham City”, em 1969.
O clima de época do auge da repressão, na viragem dos anos 60 para os 70, onde a ditadura buscava explorar o patriotismo com a máxima “Brasil, ame-o ou deixe-o” levou ao exilio parte da intelectualidade e dos artistas. Em Londres, numa parceria profícua com Caetano, Jards ampliou seu repertório e formação, consagrando a defesa do “marginal” como um tipo de arte de resistência, bandeira que seguirá empunhando quando retorna ao Brasil, ao final de 1971.
Reunido ao cinema, Jards esteve em filmes com Glauber Rocha e Nelson Pereira dos Santos.
Sua produção não cessou nos anos 80, apesar de fortes crises depressivas e problemas de saúde. Adentrou aos anos 90 e ao novo século no panteão dos grandes músicos e compositores. Gal imortalizou “Vapor Barato”, que ganhou releituras contemporâneas com Zeca Baleiro e O Rappa.
Sua presença era constante e produtiva, com canções que se ressignificavam ao longo do tempo. Prova disso, é “Movimento dos Barcos”, clássico, que retornaria as paradas ao ser parte da trilha sonora da minissérie premiada “Onde está meu Coração”, de 2021.
Os quase 70 anos de atividade pública de Jards Macalé marcaram o cenário brasileiro. Há muito o que dizer e estudar de suas obras, de seu legado, de sua postura, e sobretudo, de sua inventividade.
Não se pode dizer que a música brasileira fica mais “pobre”, em termos absolutos, porque Jards Macalé seguirá existindo, além do tempo, como legado e nostalgia, ao lado de Torquato, Wally Salomão, Haroldo de Campos, Hilda Hist. Um gênio entre gênios. Maldito entre malditos.
“Mal Secreto
Não choro
Meu segredo é que sou rapaz esforçado
Fico parado, calado, quieto
Não corro, não choro, não converso
Massacro meu medo
Mascaro minha dor, já sei sofrer
Não preciso de gente que me oriente
Se você me pergunta
Como vai?
Respondo sempre igual
Tudo legal
Mas quando você vai embora
Movo meu rosto no espelho
Minha alma chora
Vejo o Rio de Janeiro
Vejo o Rio de Janeiro
Comovo, não salvo, não mudo, meu sujo olho vermelho
Não fico parado, não fico calado, não fico quieto
Corro, choro, converso
E tudo mais jogo num verso
Intitulado Mal Secreto”