Cresce pressão contra privatização dos rios da Amazônia
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Cresce pressão contra privatização dos rios da Amazônia

Manifesto denuncia caráter colonial, ilegal e ecocida do Decreto 12.600/2025, enquanto movimentos sociais, povos da floresta e especialistas alertam para impactos irreversíveis na Amazônia

Redação da Revista Movimento 25 nov 2025, 10:59

Foto: Rio Madeira. (Wikimedia Commons/Reprodução)

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

A publicação do Decreto nº 12.600/2025, que inclui trechos dos rios Madeira, Tocantins e Tapajós no Programa Nacional de Desestatização (PND), desencadeou uma onda de indignação em toda a Amazônia e no país. Povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, ambientalistas e parlamentares do campo progressista afirmam que a medida representa “a entrega de um patrimônio comum da humanidade” e denunciam que o governo federal está transformando hidrovias vitais em ativos privados destinados a atender exclusivamente os interesses do agronegócio e da mineração.

A crítica central é que o decreto privatiza não apenas rotas de transporte, mas o próprio curso de rios amazônicos – sistemas ecológicos complexos, fundamentais para a segurança alimentar, o modo de vida e a soberania territorial de centenas de comunidades tradicionais. 

“Os rios amazônicos são ecossistemas vivos, fonte de alimento, cultura, ancestralidade e espiritualidade”, afirma o manifesto assinado por movimentos sociais, coletivos ambientais e entidades de pesquisa. Para eles, a decisão rompe com pilares fundamentais da política socioambiental brasileira ao ignorar direitos, protocolos e salvaguardas reconhecidos internacionalmente.

Violação da Convenção 169 da OIT

Um dos pontos mais graves apontados pelos grupos é a ausência de consulta livre, prévia e informada – direito assegurado pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil em 2004, e pelo Supremo Tribunal Federal em decisões como a ADI 3239 e o RE 1.017.365. A inclusão dos rios no PND foi feita de forma unilateral, sem qualquer diálogo com povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e pescadores que dependem diretamente dessas águas para sobreviver.

“A medida é autoritária, racista e colonialista”, denuncia o manifesto. Pesquisadores da Universidade Federal do Pará (UFPA) e do Instituto Socioambiental (ISA) reforçam que projetos de infraestrutura fluvial na Amazônia historicamente geram deslocamentos compulsórios, contaminação por sedimentos, perda de áreas de pesca e alterações hidrológicas que comprometem a biodiversidade.

Socioambientalistas alertam para impactos irreversíveis

A privatização das hidrovias amazônicas abre espaço para dragagens agressivas, derrocamentos de formações rochosas – como o Lourenção, no Tapajós – e intensificação do tráfego de barcaças de soja e minério. Estudos do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) mostram que esses processos elevam a turbidez da água, afetam rotas migratórias de peixes, aumentam riscos de acidentes e prejudicam a reprodução de espécies essenciais à pesca de subsistência.

A dragagem do rio Madeira, realizada em contratos anteriores, já havia provocado queda abrupta na disponibilidade de peixes, afetando diretamente 15 municípios do Amazonas e Rondônia, como apontou relatório do Ministério Público Federal (MPF) em 2021. Para entidades da região, repetir esse modelo agora, sob lógica privatista e com menor controle estatal, representa risco ampliado.

Tarifas, restrição de circulação e perda de autonomia

Outro ponto de preocupação é a possibilidade de cobrança de tarifas para circulação em trechos privatizados – medida que, segundo especialistas do Observatório dos Rios da Amazônia, pode afetar profundamente o direito de ir e vir das populações tradicionais. A concessão privada, afirmam, tende a impor restrições à navegabilidade tradicional, aumentando desigualdades e criminalizando o modo de vida ribeirinho.

“As hidrovias privatizadas atendem à lógica do agronegócio e não às necessidades das comunidades”, afirma o manifesto. De fato, estudos da EPE (Empresa de Pesquisa Energética) mostram que os três rios incluídos no PND são parte das principais rotas de escoamento de soja do MATOPIBA e minério do Pará, beneficiando grandes conglomerados do setor logístico.

“Risco à soberania nacional”, alertam entidades

Além dos impactos sociais e ambientais, a medida desperta preocupação geopolítica. Organizações como a Frente Amazônica de Mobilização (FAM) e o Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional consideram que delegar a gestão de hidrovias amazônicas à iniciativa privada – muitas vezes associada a empresas transnacionais – fragiliza o controle territorial do Estado brasileiro sobre recursos estratégicos.

“É uma afronta à soberania nacional”, afirmam os signatários do manifesto. A crítica se intensifica pelo fato de que os megaprojetos previstos serão financiados com recursos públicos, enquanto os lucros serão privatizados.

 “O orçamento virá do Governo Federal, o que significa que o Estado seguirá pagando, enquanto empresas privadas lucram e destroem a natureza.”

Resistência cresce no Congresso

No Legislativo, parlamentares progressistas articulam a reação. A deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP) protocolou o PDL 942/2025 para sustar o decreto, afirmando que se trata de “um passo gigantesco na privatização da Amazônia e na subordinação dos povos da floresta à lógica predatória do capital”. O PDL está alinhado ao entendimento do STF de que atos executivos que alteram regime jurídico de bens públicos podem ser sustados pelo Congresso quando violam interesses coletivos.

Outras lideranças, como a bancada ambientalista e a Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Indígenas, defendem que o decreto seja derrubado e que qualquer política de navegação na Amazônia seja construída com participação direta das comunidades afetadas.

Mobilizações populares se espalham pelo país

Movimentos sociais preparam atos em diversas capitais, retomando uma consigna que ecoa há décadas na região: “Os rios não se vendem, rios se defendem!”. A Coalizão Negra por Direitos, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e o Greenpeace Brasil já anunciaram apoio ao manifesto pela revogação.

Para pesquisadores e ativistas, o Decreto 12.600/2025 simboliza mais do que privatização: representa uma reedição de práticas coloniais em pleno século XXI, que tratam a Amazônia como corredor de exportação e seus povos como obstáculos ao lucro.

Clique aqui para assinar o manifesto!


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