Entrevista com Karl Marx, o fundador do socialismo moderno
Em dezembro de 1878, a Chicago Tribune publicava entrevista com uma das maiores personalidades da modernidade: o filósofo Karl Marx.
Karl Marx, fundador do socialismo moderno, mora numa pequena casa em Haverstock Hill, bairro do noroeste de Londres. Banido em 1844 de sua pátria, a Alemanha, por ter propagado teorias revolucionárias, vive desde então no exílio. Retornou ao seu país em 1848, mas foi expulso dois meses depois de seu retorno. Marx estabeleceu-se, em seguida, em Paris, onde, já no ano seguinte, suas idéias políticas lhe valeram uma nova expulsão. Desde então, fez de Londres o seu quartel-general. Suas convicções não cessaram, desde o primeiro dia, de lhe criar dificuldades e, a julgar pelo aspecto de sua casa; elas não Ihe proporcionaram grande conforto. Durante todo esse tempo, Marx pregou suas convicções com uma obstinação, indubitavelmente fundada na certeza que tem da justeza delas.Por mais que se possa ser contrário à difusão dessas idéias, é preciso admitir que a abnegação deste homem, atualmente em idade venerável, merece uma certa apreciação.
Encontrei-me duas ou três vezes com o Dr. Marx, que me recebeu em sua biblioteca, sempre com um livro numa mão e um cigarro na outra. Ele deve ter mais de setenta anos. E um homem solidamente constituído, de ombros largos e porte ereto. Tem a fronte do intelectual e os modos do judeu culto; sua cabeleira e sua barba são longas e grisalhas; sobrancelhas espessas sombreiam seus olhos negros e brilhantes. Nada inclinado a circunspecção, reserva aos estrangeiros em geral a melhor acolhida. Todavia, o venerando alemão, que recebe o visitante, não aceita dialogar com qualquer de seus compatriotas senão quando este lhe apresenta uma carta de recomendação. Assim que se adentra a biblioteca e Marx tenha ajustado seu monóculo, maneira de assumir a postura intelectual, abandona a reserva que até aí demonstrara. Então ele expõe, diante do visitante cativado, seu conhecimento dos homens e das coisas de todos os recantos do mundo. Ao longo da conversa, longe de se revelar um espirito limitado, toca em tantos assuntos quantos são os volumes dispostos sobre as prateleiras de sua biblioteca. Pode-se julgá-lo a partir dos livros que lê. O leitor terá uma idéia quando tiver dito o que me revelou uma rápida olhada as prateleiras: Shakespeare, Dickens, Thackeray, Molière, Racine, Montaigne, Bacon, Goethe, Voltaire, Paine; coleções administrativas (Blues books) inglesas, americanas e francesas; obras políticas e filosóficas e russo, alemão, espanhol, italiano etc.
Para minha grande surpresa, nossos colóquios me revelaram que Marx conhecia fundo os problemas americanos dos últimos vinte anos. A singular justeza das críticas que dirigia ao nosso sistema legislativo, tanto o da União quanto o dos Estados, me deu a impressão de que possuía dados de fontes bem informadas. Contudo, esse saber não se limita a América, mas engloba, igualmente, toda Europa.
Quando chega ao seu tema predileto, o socialismo, não se lança a tiradas melodramáticas que lhe são geralmente atribuídas. Atém-se a seus planos utópicos de “emancipação do gênero humano” com uma gravidade e uma energia que demonstram que está convencido de que suas teorias se realizarão um dia, no próximo, se não for neste século.
O Dr. Karl Marx talvez seja conhecido na América sobretudo por sua dupla qualidade de autor de O Capital e de fundador da Internacional, ou, pelo menos, como um de seus principais sustentáculos. A entrevista que segue esclarecerá o que ele pensa desta associação na sua forma atual. Eis aqui, antes de mais nada, alguns excertos dos estatutos publicados em 1871 aos cuidados do Conselho Geral, que permitem, a qualquer um, formar um juízo imparcial sobre o objeto e a finalidade da Internacional.
Durante minha visita, assinalei ao Dr. Marx que J. C. Bancroft Davis havia juntado ao seu relatório oficial de 1877 um programa que me parecia ser, até o presente, a mais clara e concisa exposição dos objetivos do socialismo. Respondeu-me que esse programa fora extraído da ata do Congresso socialista de Gotha, realizado em maio de 1875, mas que a tradução estava repleta de equívocos. O Dr. Marx fez-me o favor de corrigi-la e transcrevo aqui o texto tal como me foi ditado:
Sufrágio universal, igual, direto, secreto e obrigatório para todos os cidadãos maiores de vinte anos e para todas as eleições gerais e comunais. O dia da eleição será um domingo ou um dia feriado;
- Legislação popular direta. guerra e a paz decididas pelo povo;
- Nação Armada. Substitui ao do exército permanente pela milícia popular;
- Supressão das leis de exceção, notadamente as leis sobre a imprensa, reuniões e associações; em geral, todas leis;
- Instituição de tribunais populares. Gratuidade da justiça;
- Educação geral e igual do povo pelo Estado. Obrigação escolar. Instrução gratuita em todos os estabelecimentos escolares;
- Máxima extensão possível dos direitos e liberdade, no sentido das reivindicações acima citadas;
- Imposto único e progressivo sobre a renda, para o Estado e as comunas, em lugar de todos os impostos indiretos, especialmente daqueles que sobrecarregam o povo;
- Direito ilimitado de associação;
- Jornada de trabalho correspondente as necessidades sociais. Proibição do trabalho aos domingos;
- Interdição do trabalho das crianças, bem como do trabalho cuja natureza prejudique a saúde e seja ofensivo à moral da mulher;
- Leis de proteção a vida e a saúde dos trabalhadores. Controle sanitário dos alojamentos operários. Fiscalização do trabalho nas usinas, fábricas e oficinas, bem como trabalho a domicílio, por funcionários eleitos pelos trabalhadores. Lei delimitando claramente as responsabilidades;
- Regulamentação do trabalho nas prisões.
A comunicação de Bancroft Davis contém ainda um décimo segundo artigo, o mais importante de todos, que reivindica:
“O estabelecimento de cooperativas socialistas de produção com a ajuda do Estado, sob o controle democrático da população trabalhadora”.
Quando pergunto ao Doktor por que ele omitiu este artigo, ele me responde:
Marx – Na época do Congresso de Gotha, em 1875, havia uma cisão na social democracia. Os partidários de Lassalle formavam uma de suas alas; a outra havia adotado em geral o programa da Internacional e era chamada de partido dos eisenachianos. O decimo segundo artigo, de que estamos tratando aqui, não pertencia ao programa propriamente dito, mas fora inserido na introdução geral como uma concessão aos lassalianos. Não se voltou a falar dele depois disso. O senhor Davis não se refere ao fato de que este artigo foi introduzido no programa a título de compromisso, sem nenhuma importância particular. No entanto, enfatiza-o, com a maior seriedade, como se tratasse de um ponto fundamental.
Tribune – Mas os socialistas não consideram, então, a passagem dos meios de trabalho a propriedade social coletiva como o grande objetivo do movimento?
Marx – Certamente, dizemos que tal será o resultado do movimento. E portanto uma questão de tempo, de educação e do desenvolvimento de formas sociais superiores.
Este programa é aplicável unicamente a Alemanha e a mais um ou dois outros países
Extrair de um programa apenas essas conclusões seria desconhecer as atividades do movimento. Inúmeros pontos deste programa não têm a menor significação fora da Alemanha. A Espanha, a Rússia, a Inglaterra e a América do Norte tem seus próprios programas particulares, adaptados às suas próprias dificuldades. O único ponto comum é o objetivo final.
E esse objetivo final é o poder operário?
E a emancipação dos trabalhadores.
Os socialistas europeus encaram com seriedade o movimento americano?
Sim. Esse movimento é o resultado natural do desenvolvimento desse país. Tem-se dito que lá o movimento operário foi importado do estrangeiro. Quando, há uns cinqüenta anos, o movimento operário tinha dificuldades em abrir caminho na Inglaterra o mesmo foi presumido. E isso muito tempo antes de se falar em socialismo! Na América, o movimento operário adquiriu, a partir de 1857 uma importância maior. Foi quando os sindicatos locais tomaram impulso, na seqüência, uma central sindical reuniu as diversas categorias profissionais, depois do que surgiu a União Nacional dos Trabalhadores. Esses progressos cronológicos demonstram que o socialismo nasceu na América, sem apoio estrangeiro, pura e simplesmente da concentração do capital e das mudanças ocorridas nas relações entre operários e patrões.
O que o socialismo conseguiu até hoje?
Duas coisas: os socialistas demonstraram que, em toda parte, uma luta geral opõe o Capital ao Trabalho, em suma, demonstraram seu caráter cosmopolita. Em conseqüência, procuraram efetivar um acordo entre os trabalhadores de diversos países. Este acordo é tanto mais necessário visto que os capitalistas se tornam cada vez mais cosmopolitas. Não é somente na América, mas também na Inglaterra, França e Alemanha, que trabalhadores estrangeiros são empregados para serem utilizados contra os trabalhadores do próprio país. Criaram-se, imediatamente, vínculos internacionais entre os trabalhadores de diversos países. Eis o que provou que o socialismo não era unicamente um problema local, mas, antes, um problema internacional, que deve ser resolvido pela ação igualmente internacional dos trabalhadores. A classe operária põe-se espontaneamente em movimento, sem saber para onde o movimento a conduzirá. Os socialistas não criaram o movimento, mas explicaram aos operários seu caráter e seus objetivos.
Quer dizer, a derrubada da ordem social dominante?
Neste sistema, o capital e a terra são propriedades dos empresários, enquanto o operário não possui nada além de sua força de trabalho, que é constrangido a vender como uma mercadoria. Afirmamos que este sistema não constitui nada mais do que uma fase histórica, que ele desaparecerá e cederá lugar a uma ordem social superior. Notamos por toda parte a existência de uma sociedade dividida (em classes). O antagonismo entre essas duas classes caminha, lado a lado, com o desenvolvimento dos recursos industriais nos países civilizados. Do ponto de vista socialista, os meios para transformar revolucionariamente a fase histórica presente já existem. Em numerosos países, organizações políticas tomaram impulso a partir dos sindicatos. Na América, é evidente, hoje, a necessidade de um partido operário independente. Os trabalhadores não podem mais confiar nos políticos. Os especuladores e as “cliques” se apoderaram dos órgãos legislativos e a política tornou-se uma profissão. Não é somente o caso da América, mas ai o povo é mais resoluto do que na Europa; as coisas amadurecem mais rápido; não se faz rodeios e se vai direto aos fatos.
Como o senhor explica o rápido crescimento do partido socialista na Alemanha?
O atual partido socialista teve um nascimento tardio. Os socialistas alemães não tiveram de romper com os sistemas utópicos, que alcançaram certa importância na França e na Inglaterra. Os alemães, mais do que os outros povos, são inclinados à teoria e tiraram outras conclusões praticas das experiências anteriores. Não esquecer, acima de tudo, que na Alemanha, ao contrário dos outros países, o capitalismo moderno é coisa completamente nova. Coloca, na ordem-do-dia, questões já um tanto quanto esquecidas na França e na Inglaterra. As novas forças políticas, às quais os povos desses países se submeteram, encontraram em face delas, na Alemanha, uma classe operária já convicta das teorias socialistas. Assim, os trabalhadores puderam formar um partido político independente, quase simultaneamente à instalação da indústria moderna (em seu país). Eles têm seus próprios representantes no Parlamento. Como não existe nenhum partido de oposição à política governamental, este papel recai sobre o partido operário. Retraçar aqui a história do partido levaria demasiado longe, mas posso dizer o seguinte: se a burguesia alemã não fosse composta pelos maiores poltrões, ao contrário das burguesias americana e inglesa, ela de há muito teria-se oposto politicamente ao regime.
Quantos lassalianos existem nas fileiras da Internacional?
Enquanto partido, os lassalianos não existem. É claro, podem ser encontrados, entre nós, alguns adeptos, mas apenas um pequeno número. Anteriormente, Lassalle fazia uso dos nossos princípios gerais. Quando lançou seu movimento, depois do período de reação que se seguiu a 1848, acreditava que o melhor meio de reanimar o movimento operário consistiam pregar a cooperativa operária de produção. Ele queria, desse modo, estimular os trabalhadores à ação; era, a seus olhos, um simples meio de atingir o objetivo real do movimento. Possuo cartas de Lassalle que vão nesse sentido.
Era então, de certa forma, uma panacéia.
Exatamente. Ele procurou Bismarck para lhe expor suas intenções. E Bismarck encorajou as aspirações de Lassalle de todas as maneiras concebíveis.
O que Bismarck tinha em mente?
Ele queria jogar a classe operária contra a burguesia oriunda da Revolução de 1848.
Diz-se que o senhor é a cabeça e o guia do movimento socialista e que da sua casa, o senhor puxa todos os cordéis das organizações, revoluções etc., verdade?
Eu sei disso. É uma coisa absurda, mas que tem seus aspectos cômicos. Assim, dois meses antes do atentado de Hödel, Bismarck queixou-se, na Norddeutsche Zeitung, da aliança que eu teria estabelecido com o superior dos jesuítas, Beck; teria sido por culpa nossa que ele não pudera encetar o movimento socialista.
Mas é mesmo a vossa “Associação Internacional” de Londres que dirige o movimento?
A Internacional teve sua utilidade, mas seu tempo expirou e ela deixou de existir. Ela teve sua atividade, dirigiu o movimento. Mas o crescimento do movimento socialista no curso dos últimos anos, a tornou supérflua. Em diversos países surgiram jornais, que mantém relações recíprocas Este é o único vínculo que os partidos de diversos países conservam entre si. A Internacional foi criada, antes de tudo, como objetivo de reunir os trabalhadores e de Ihes mostrar que valia a pena congregar suas diversas nacionalidades no interior de uma organização. Mas os interessados partidos operários não são idênticos nos diversos países. O espectro de um chefe da Internacional, sediado em Londres, é uma pura e simples invenção. Entretanto, é exato que demos instruções às organizações operárias, na época em que a associação das Seções Internacionais estava solidamente estabelecida. Desse modo, fomos obrigados a excluir algumas secções de Nova Iorque, entre outras, aquela na qual figurava em primeiro plano a senhora Woodhull. Isto aconteceu em 1871. Havia numerosos políticos americanos que teriam, deliberadamente, feito do movimento um negócio pessoal. Não quero citar nomes: os socialistas americanos conhecem muito bem.
Atribui-se ao senhor, como a seus partidários, Dr. Marx, toda sorte de propósitos incendiários contra a religião. Com toda certeza, o senhor teria com prazer a eliminação radical deste sistema.
Não ignoramos que é insensato tomar medidas violentas contra a religião. Segundo nossas concepções, a religião desaparecerá medida que o socialismo se fortalecer. A evolução social vai, infalivelmente, favorecer esse desaparecimento, no qual cabe à educação um papel importante.
Recentemente, em uma conferência, o pastor Joseph Cook, de Boston, enfatizava que seria preciso dizer a Karl Marx que uma reforma do trabalho é realizável, sem revolução sangrenta, nos Estados Unidos e na Grã-bretanha, talvez também na França, mas que na Alemanha e na Rússia, assim como na Itália e na Áustria, será preciso derramar sangue para isso.
Já ouvi falar do senhor Cook. Ele não conhece grande coisa de socialismo. É desnecessário ser socialista para observar e prever que revoluções sangrentas se produzirão na Russia, na Alemanha, na Áustria e talvez na Itália, se os italianos continuarem a progredir na direção em que se encontram atualmente. Nesses países, acontecimentos comparáveis aos da Revolução Francesa poderiam efetivamente se produzir. Trata-se, neste caso, de uma evidência que salta aos olhos de qualquer um que esteja informado sobre a situação política. Mas essas revoluções serão feitas pela maioria. As revoluções não serão mais feitas por um partido, mas por toda a nação.
O referido religioso citou uma passagem de uma carta que o senhor teria enviado em 1871 aos comuneiros parisienses, na qual se lê: “Hoje somos três milhões ou mais. Mas, em vinte anos, nós seremos cinqüenta ou talvez cem milhões. Então, o mundo nos pertencerá uma vez que não apenas Paris, Lyon e Marselha, mas também Berlim, Munique, Dresden, Londres, Liverpool, Manchester, Bruxelas, São Petersburgo e Nova Iorque, em suma, o mundo inteiro, sublevar-se-á contra o odioso capital. Em face dessas novas insurreições, jamais vistas pela história até agora, o passado se dissipará como um pesadelo apavorante: o incêndio popular, lavrando em cem lugares ao mesmo tempo, aniquilará até mesmo a lembrança do passado.” Doutor, admite ter escrito estas linhas?
Nem uma única palavra! Jamais escrevi semelhantes absurdos melodramáticos. Reflito maduramente aquilo que escrevo. Isto foi forjado, e apareceu no Figaro com a minha assinatura. Naquele momento, fizeram circular centenas de cartas desse gênero. Escrevi ao Times de Londres para declará-las falsas. Mas se quisesse desmentir tudo o que se diz e se escreve a meu respeito, seria necessário empregar vinte secretárias.
Mas, mesmo assim, o senhor escreveu em favor da Comuna de Paris?
De certo que o fiz, em face do que fora dito a respeito nos editoriais. Todavia, alguns correspondentes parisienses desmentiram bastante, na imprensa inglesa, as alegações daqueles editoriais relativos a dissipações etc. A Comuna não executou mais do que umas sessenta pessoas, aproximadamente. O Marechal Mac Mahon e seu exército de carniceiros mataram mais de sessenta mil. Nenhum movimento desse gênero foi tão caluniado quanto a Comuna.
Os socialistas consideram o assassinato e derramamento de sangue como necessários à realização de seus princípios?
Nenhum grande movimento nasceu sem derramamento de sangue. Os Estados Unidos da América não adquiriram sua independência senão pelo derramamento de sangue: Napoleão III conquistou a França através de atos sangrentos e foi vencido da mesma maneira. A Itália, Inglaterra, Alemanha e os outros países fornecem uma pletora de exemplos do mesmo gênero. Quanto ao homicídio político, não é uma novidade pelo que se sabe. Orsini, sem dúvida, tentou matar Napoleão III, mas os reis mataram mais homens do que ninguém. Os jesuítas mataram, e os puritanos de Cromwellmataram. Tudo isso se passou muito antes de que se tivesse ouvido falar dos socialistas. Hoje, no entanto, se lhes atribui responsabilidade de todo atentado contra os reis e os homens de Estado. A morte do imperador da Alemanha seria, agora, particularmente deplorada pelos socialistas: ele é muito útil em seu posto, e Bismarck fez mais por nosso movimento do que qualquer outro homem de Estado, pois impeliu as coisas para o extremo.
O que pensa de Bismarck?
Antes de sua queda, tinha-se Napoleão III por gênio; depois ele foi chamado de louco. Acontecerá o mesmo com Bismarck. Sob pretexto de unificar a Alemanha, ele se pôs a edificar um regime despótico. Quem não vê onde ele quer chegar? Suas manobras mais recentes não são nada mais do que um golpe de estado travestido, mas Bismarck fracassará. Os socialistas alemães e franceses protestaram contra a guerra de 1870, mostrando que se tratava de uma guerra puramente dinástica. Em seus manifestos, advertiram ao povo alemão que, se ele permitisse a transformação da pretensa guerra de defesa em guerra de conquista, seria punido pela instauração de um despotismo militar e pela opressão brutal das massas trabalhadoras. Naquela época, o partido social democrata da Alemanha realizou reuniões e publicou manifestos nos quais se pronunciava em favor de uma paz honrosa com a França. O governo prussiano desencadeou imediatamente as perseguições contra o partido e muitos de seus dirigentes foram presos. Apesar disso, seus deputados, eles e somente eles, no Reichstag, ousaram protestar com a maior veemência contra a anexação pela força de uma província francesa. Bismarck, entretanto, impôs sua política pela violência e falou-se do gênio de Bismarck. A guerra estava terminada e, como ele não podia fazer novas conquistas, mas devia fabricar idéias originais, faliu lamentavelmente. O povo perdeu a fé que tinha nele e sua popularidade está em declínio. Com ajuda de uma pseudo constituição e com vistas a realizar seus planos militares e de unificação, impôs pesados impostos ao povo, a um ponto que o povo não aceita mais, e ele tenta agora fazê-lo aceitar sem constituição. A fim de poder continuar a sangrá-lo a seu gosto, pôs-se a agitar o espectro do socialismo e fez o todo o possível para provocar uma sublevação popular.
O senhor recebe, regularmente, relatórios de Berlim?
Sim, sou muito bem informado pelos meus amigos. Berlim está perfeitamente tranqüila e Bismarck decepcionado. Ele interditou a permanência de quarenta e oito dirigentes, entre os quais os Deputados Hassehnann e Fritzsche, bem como a Rackow, Baumann e Auer da Freie Presse . Estes homens exortaram o povo berlinense a manter a calma e Bismarck o sabe. Também sabe muito bem que, em Berlim, 75.000 operários estão à beira de morrer de fome. Ele conta firmemente com que, afastados os dirigentes, produzir-se-ão os motins que darão o sinal para um banho de sangue. Então, poderia algemar todo o Império alemão e dar livre curso à sua cara política militarista; não haveria mais limites para a elevação dos impostos. Até o presente, nenhuma desordem aconteceu e Bismarck, desolado, se apercebe de que é a si próprio que deve censurar diante de todos os homens de estado.
Do nosso correspondente exclusivo em Londres
Londres, 18 de dezembro (1878).
Extraído de: https://www.marxists.org/portugues/marx/1878/12/18.htm