Precisamos falar sobre Gaza
Em artigo publicado na Folha de S.Paulo, dirigentes do PSOL rebatem acusações sionistas publicadas na mesma tribuna.
Com indignação, lemos o artigo “O Antissemitismo permitido no PSOL” (10/4), publicado nesta Folha, no qual o cientista político André Lajst acusa o PSOL e seu secretário de Relações Internacionais, Israel Dutra, de sustentarem posições acerca da questão Palestina/Israel sem o devido conhecimento do tema e motivados pelo antissemitismo.
Essa linha de argumentação não é original: preocupados pela desmoralização de Israel —cuja narrativa oficial é cada vez mais desmascarada pelo tratamento brutal dispensado aos palestinos, em particular os dos territórios ocupados há 50 anos—, os defensores de Israel procuram deslegitimar os que se opõem a essa opressão acusando-os de antissemitismo.
Rechaçamos a calúnia de antissemitismo e reiteramos o que a Executiva Nacional do PSOL já havia afirmado que não toleraremos nenhum tipo de discriminação em nossas fileiras. O suposto antissemitismo do PSOL, apontado pelo sr. Lajst, é tão dissociado da realidade como seria caso alguém confundisse a justa crítica ao regime ditatorial, homofóbico e misógino da Arábia Saudita com a islamofobia.
Vale notar que o momento escolhido pelo sr. Lajst não é casual. Há uma tragédia se desenvolvendo na faixa de Gaza, onde 2 milhões de pessoas vivem nos limites de um território minúsculo, cercado por todos os lados pelas forças militares de Israel, com a colaboração da ditadura egípcia.
A falta de água, de luz e de emprego para metade de sua população torna a vida literalmente impossível para seus habitantes.
Por mais que tentem negar, Gaza também tem uma história: cerca de 70% de sua população é composta por refugiados palestinos expulsos de Israel em 1948 e por seus descendentes. Essa já era uma realidade muito antes de o Hamas existir. Nos últimos anos, os ataques perpetrados por Israel aumentaram em escala e brutalidade, despertando a ampla condenação mundial.
Para chamar a atenção a essa situação insustentável, as organizações sociais da faixa de Gaza organizaram marchas pelo direito ao retorno. Por meio delas, busca-se mobilizar dezenas de milhares de pessoas semanalmente até o 70º aniversário do nakba (expulsão dos palestinos em 1948), a poucas centenas de metros da fronteira erguida por Israel. O objetivo é o de reunir marchas similares em todos os locais em que os palestinos estão espalhados, inclusive dentro das fronteiras de Israel.
Entretanto, logo no começo da campanha, Israel já deixou bem evidente o seu nível de intolerância. Em 30 de março, como noticiado amplamente pela imprensa internacional, o Exército israelense destacou cerca de cem atiradores de elite para atacar a marcha.
As fotos e vídeos na própria imprensa israelense mostram uma macabra “competição” de tiro ao alvo contra os manifestantes, uma barbárie que foi criticada em todo o mundo. A União Europeia, por exemplo, exigiu de imediato uma investigação independente; como já é usual, mas Israel rechaçou a proposta.
Inclusive dentro de Israel, a sociedade civil organizou manifestações em repúdio a tais ataques. Duríssimas vozes se expressaram no principal jornal do país, o Haaretz. O colunista Gideon Levy empregou um adjetivo contumaz em seu título para denunciar a repressão contra os palestinos: “O Exército massacrante de Israel”.
Outra corajosa jornalista do mesmo periódico, Amira Hass, residente em Ramalah há anos, abriu sua coluna semanal com a seguinte pergunta: “’Eu simplesmente cumpria ordens’. É isso que vocês dirão a seus filhos?”.
Em vez de saudar a “única democracia do Oriente Médio”, teria sido mais prudente o sr. Lajst opinar sobre o massacre em Gaza. Os registros históricos e o comportamento de Israel em relação aos palestinos mostram um padrão contrário ao de uma democracia. Encerramos esta reflexão com a seguinte indagação: como avaliar um regime que mantém uma ocupação colonial há 50 anos?
Artigo originalmente publicado no jornal Folha de S.Paulo.