Manifesto por uma Nicarágua Livre e Democrática

Documento exige que tribunal independente e internacional julgue os tiranos por crimes de lesa- humanidade.

Vários Autores 16 jul 2018, 13:16

A revolução Sandinista, que derrotou a saga familiar dos Somoza na Nicarágua em julho de 1979, cumprirá no próximo ano quatro décadas. Foi o último sonho revolucionário perdido, a última esperança que se foi pelo sumidouro da história.

Não foi fácil construir um país empobrecido pela ditadura em meio a um conflito disfarçado de guerra civil em plena Guerra Fria. Mas ao sandinismo a estocada de morte não foi dado pela CIA. Quem deu foi a ganância de alguns de seus comandantes, especialmente Daniel Ortega Saavedra. Quando a Frente Sandinista perdeu as eleições em 1990 frente à União Nacional Opositora de Violeta Chamorro – a maior conquista da Frente Sandinista foi ser capaz de levar o país a eleições democrátias – produziu-se um fenômeno conhecido como “la piñata” (NdT: bexiga cheia de balas). Como se tratasse dessa brincadeira infantil, com a escusa de que a Frente Sandinista de Libertação Nacional não podia permanecer na oposição sem recursos, altos quadros da organização repartiram propriedades, a maioria expropriadas.

Esse foi o momento de grande cisma na FSLN, quando muitos de seus militantes e líderes viram com horror o espetáculo e não puderam suportar eticamente essa enorme traição aos princípios. Daniel Ortega foi se afiançando como líder supremo das cinzas que restaram da FSLN e foi construindo uma organização na qual os ideais revolucionários de seus começos só eram uma música, cada vez mais desafinada, com as velhas consignas. Passaram 16 anos de governo neoliberais na Nicarágua e Ortega, pouco a pouco, através de pactos assombrosos com a oposição, foi ganhando força e conseguiu depois de facilitar com seus votos a libertação do presidente do Partido Liberal Arnoldo Alemán, condenado a 20 anos de cárcere por corrupção, que a porcentagem para ser eleito presidente do país se reduzisse para 35% que, calculava, eram necessários para retornar ao poder. Em 2007, se alçou à presidência do governo. E graças a fraudes eleitorais denunciadas por organismos internacionais, seguiu fazendo isso até agora, violando a própria constituição que impede que uma mesma pessoa esteja a frente do país mais de dois mandatos. O que estamos vendo nestes dias na imprensa, as revoltas de milhares de nicaragüenses, não é mais que o resultado de quase 12 anos de deriva autoritária alimentada pela generosidade do petróleo venezuelano, com o qual Ortega se fez multimilionário.

Não foi o rebaixamento das pensões o que provocou que os jovens saíssem às ruas. Isso foi somente a faísca. É mais de uma década de um governo que já nem sequer se preocupa em maquiar suas formas ditatoriais e antidemocráticas. A mão de Ortega se manchou nestes dias com o sangue de mais de uma centena de compatriotas, a maioria estudantes e alguns jornalistas. A mão de Ortega, mas sobretudo a mão de Rosario Murillo, sua esposa e vice-presidenta todo-poderosa, uma personagem que parece retirada de uma novela de realismo mágico com seus amuletos e superstições, com suas árvores da vida metálicas, máquinas de consumir energia elétrica com as que encheu Nicarágua, como se de um estranho sortilégio se tratasse para conjurar a quem sabe que demônios para se perpetuar no poder e que a agora os nicaragüenses derrubam para semear, em seu lugar, árvore autênticas.

Os jovens são os que disseram basta ante a obscena censura nos meios de comunicação que Ortega foi comprando, literalmente, em todos estes anos e pondo sua família à frente. Disseram basta ao enriquecimento selvagem e corrupto da família presidencial enquanto que o país segue sendo o mais pobre da América Latina depois do Haiti e os salários e as aposentadorias não conseguem nem cobrir os feijões de cada dia. Disseram basta à venda da Nicarágua a um empresário chinês para que destrua um dos ecossistemas mais maravilhosos do planeta, construindo um canal inter-oceânico para competir com o do Panamá. Disseram basta à ilegalização dos partidos políticos que podiam supor alguma ameaça, como o Movimento Renovador Sandinista que fundara em 1995 o Prêmio Cervantes de Literatura Sergio Ramírez. Disseram basta à ditadura. E por isso estão matando-os. Há alguns anos o padre jesuíta Fernando Cardenal, que liderou em 1980 a Cruzada Nacional de Alfabetização na Nicarágua, um milagre sandinista que supôs reduzir o analfabetismo majoritário a umas porcentagem mínimas e que como tantos outros sandinistas estava horrorizado com a deriva do FSLN deu essa manchete a um meio de comunicação: “Os jovens nicaragüenses voltarão às ruas para fazer história”. Essa frase circulou pelas redes e logo se converteu num grafite que se repetiu pelas ruas de Managua. Esse momento chegou e os nicaragüenses saíram às ruas para gritar basta. Fizeram-no de maneira pacífica, mas o governo de Ortega e Murillo através da polícia, forças anti-motins e forças paramilitares estão massacrá-los.

A farsa do diálogo nacional com a qual Ortega tenta ganhar tempo não conduz a nada. Somente uma via para a solução pacífica e democrática da situação da Nicarágua: que Daniel Ortega e Rosario Murillo abandonem o poder e sejam julgado por tribunais independentes por ordenar os crimes cometidos contra o seu povo. Os nicaragüenses merecem nossa solidariedade, que como escreveu Gioconda Belli, é a ternura dos povos. Por isso, os abaixo-assinantes pedimos a Daniel Ortega e a Rosario Murillo que cessem a repressão contra o seu povo, que abandonem o poder. Por isso, pedimos que um tribunal independente e internacional julgue os tiranos por crimes de lesa- humanidade.

1. ERNESTO CARDENAL (POETA, NICARAGUA)

2. SERGIO RAMÍREZ MERCADO (ESCRITOR, PREMIO CERVANTES, NICARAGUA)

3. GIOCONDA BELLI (ESCRITORA, NICARAGUA)

4. ALMUDENA GRANDES (NOVELISTA, ESPAÑA)

5. LUIS GARCÍA MONTERO (POETA, ESPAÑA)

6. MIGUEL RÍOS (CANTANTE, ESPAÑA)

7. VÍCTOR MANUEL (CANTANTE, ESPAÑA)

8. ANA BELÉN (ACTRIZ Y CANTANTE, ESPAÑA)

9. ALFONSO CUARÓN (CINEASTA, MÉXICO)

10. IMANOL URIBE (CINEASTA, ESPAÑA)

11. JUAN DIEGO BOTTO (ACTOR, ESPAÑA)

12. JOSÉ MANUEL CABALLERO BONALD (POETA, ESPAÑA)

13. DAISY ZAMORA (POETA, NICARAGUA)

14. BENJAMÍN PRADO (ESCRITOR, ESPAÑA)

15. HERNALDO ZÚÑIGA (MÚSICO, NICARAGUA)

16. CHUS VISOR (EDITOR, ESPAÑA)

17. ÁNGELES MASTRETTA (ESCRITORA, MÉXICO)

18. EMMANUEL LUBEZKI, EL CHIVO (DIRECTOR DE FOTOGRAFÍA, MÉXICO)

19. PABLO ARTURO CRUZ (PRODUCTOR DE CINE, MÉXICO)

20. JOSÉ WOLDENBERG (ACADÉMICO Y POLÍTICO, MÉXICO)

21. GONZALO GARCÍA BARCHA (MÉXICO)

22. LAURA RESTREPO (ESCRITORA, COLOMBIA)

23. CAROLYN FORCHÉ (ESCRITORA, ESTADOS UNIDOS)

24. ALMUDENA BERNABÉU (ABOGADA, ESPAÑA)

25. DANIEL RODRÍGUEZ MOYA (POETA, ESPAÑA/NICARAGUA)

26. SOFÍA MONTENEGRO (PERIODISTA, NICARAGUA)

27. JOHN CARLIN (PERIODISTA, REINO UNIDO)

28. JAVIER RIOYO (PERIODISTA, ESPAÑA)

29. CUAUHTEMOC CÁRDENAS BATEL (MÉXICO)

30. JUAN VILLORO (ESCRITOR, MÉXICO)

31. ELMER MENDOZA (ESCRITOR, MÉXICO)

32. JORGE BOCCANERA (POETA, ARGENTINA)

33. MAYRA JIMÉNEZ (POETA, COSTA RICA)

34. FRANCISCO DE ASÍS FERNÁNDEZ (POETA, NICARAGUA)

35. GLORIA GABUARDI (POETA, NICARAGUA)

36. JAVIER ALVARADO (POETA, PANAMÁ)

37. JORGE GALÁN (POETA, EL SALVADOR)

38. LUZ MARINA ACOSTA (POETA, NICARAGUA)

39. JOSÉ RAMÓN RIPOLL (POETA, ESPAÑA)

40. LEONARDO HEIBLUM (COMPOSITOR, NICARAGUA)

41. CARLOS CUARÓN (CINEASTA, MÉXICO)

42. IGNACIO AGÜERO PIWONKA (CINEASTA, CHILE)

43. FERNANDO VALVERDE (POETA, ESPAÑA)

44. PEDRO X. MOLINA (CARICATURISTA Y CIUDADANO, NICARAGUA)

45. FRANCISCO LARIOS (ESCRITOR, NICARAGUA)

46. KHALID RAISSOUNI (POETA Y TRADUCTOR, MARRUECOS)

47. GABRIELA SELSER (PERIODISTA Y ESCRITORA, NICARAGUA)

48. DANIEL DIVINSKY (EDITOR, ARGENTINA)

49. JORGE DALTON (CINEASTA, EL SALVADOR)

50. REMEDIOS SÁNCHEZ (CRÍTICA Y PROFESORA DE UNIVERSIDAD, ESPAÑA)

51. ZINGONIA ZINGONE (POETA, ITALIA)

52. BLANCA CASTELLÓN (POETA, NICARAGUA)

53. JAZMINA CABALLERO (POETA, NICARAGUA)

54. ALÍ CALDERÓN (POETA, MÉXICO)

55. MERCEDES MONCADA RODRÍGUEZ (CINEASTA, NICARAGUA/ESPAÑA)

56. MEMPO GIARDINELLI (ESCRITOR Y PERIODISTA, ARGENTINA)

57. MARIO BOJÓRQUEZ (POETA, MÉXICO)

58. MANUEL FRANCISCO REINA (ESCRITOR Y CRÍTICO LITERARIO, ESPAÑA)

59. CLAUDIA PIÑEIRO (ESCRITORA, ARGENTINA)

60. MIJAIL LAMAS (POETA, MÉXICO)

Reprodução da versão publicada no Portal da Esquerda em Movimento


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