O Radiohead precisa se juntar ao boicote cultural a Israel

A recusa do Radiohead em se engajar com os críticos ao seu show em Tel Aviv me sugere que eles só querem ouvir um lado – o lado que apoia o apartheid.

Adria Meira, Ken Loach e Samir Oliveira 19 jul 2017, 10:32

Na semana passada, o diretor de cinema Ken Loach escreveu uma carta aberta para Thom Yorke, vocalista da banda de rock inglesa Radiohead, sobre a decisão de tocar em Tel Aviv nesta quarta-feira 19 de Julho e pedindo uma reunião conjunta com artistas palestinos para explicar o boicote cultural a Israel. Além dessa iniciativa, Loach e outros artistas britânicos – como os músicos Roger Waters (Pink Floyd), Thurston Moore (Sonic Youth) e a atriz Maxine Peake (A Teoria de Tudo) — redigiram uma carta aberta pedindo para a banda reconsiderar o show.

O boicote cultural a Israel se insere dentro de uma campanha conhecida como BDS — Boicote, Desinvestimento e Sanções. Trata-se de uma estratégia de luta não violenta para isolar o Estado de Israel e seu sistema de apartheid em todos os níveis até que três demandas básicas da sociedade palestina sejam atendidas:

1) O fim da ocupação e da colonização de todas as terras árabes e a demolição da muralha que transforma a Cisjordânia em uma verdadeira prisão a céu aberto, assim como o desmantelamento de todos os assentamentos judeus em território ocupado.

2) O reconhecimento do direito fundamental dos palestinos e palestinas cidadãos de Israel à igualdade completa em relação à população judia.

3) A garantia do direito de retorno aos refugiados palestinos, como estipula a resolução 194 da ONU.

Dentro deste amplo movimento por BDS, insere-se o boicote cultural, que busca conscientizar artistas e personalidades acadêmicas a não emprestar seu prestígio, conhecimento e seus talentos ao regime israelense. Este movimento deu seus primeiros passos em 2006, com a publicação de um manifesto de artistas e intelectuais palestinos.

“Os trabalhadores do mundo da cultura devem levantar sua voz contra os crimes de guerra e as atrocidades israelenses. Convocamos a comunidade internacional a se unir ao boicote dos festivais de cinema israelenses, às organizações financiadas pelo governo de Israel, e a encerrar todo tipo de colaboração com as instituições culturais e artísticas que se negam a criticar a ocupação israelense, que é a causa deste conflito colonial”, diz o texto.

Deste então o boicote cultural já conquistou o apoio de dezenas de personalidades, como a filósofa feminista Judith Butler, a escritora Naomi Klein, o escritor uruguaio Eduardo Galeano e o filósofo Slavoj Zizek.

Grupos musicais de diversos países já cancelaram seus shows em Israel e deram contundentes declarações a respeito das violações cometidas pelo país, como as bandas Pixies e Gorillaz, o guitarrista Carlos Santana, o cantor Devendra Banhart, a cantora Cat Power, o vocalista da banda Massive Attack, Robert Del Naja, e o ícone punk Jello Biafra.

Os atores Dustin Hoffman e Meg Ryan se recusaram a participar de um festival de cinema de Israel em 2010. Outros grupos cancelaram shows no país sem maiores explicações, mas após forte pressão para que aderissem ao boicote cultural, como a banda U2, a cantora Bjork e o rapper Snoop Dogg.

O mais importante é quando os próprios artistas tornam-se agentes ativos no processo de tensionamento e conscientização da categoria. Como o grupo que pressiona por um diálogo produtivo com Thom Yorke. Assim como Roger Waters fez quando apelou para que Caetano Veloso e Gilberto Gil não tocassem em Tel Aviv.

O esforço pareceu fadado ao fracasso, já que a dupla ignorou os apelos e foi a Israel. Mas em seguida Caetano escreveu um artigo afirmando que nunca mais iria ao país.

O caminho traçado pela resistência através do boicote é duro e longo, mas as vitórias que colhemos pelo caminho são permanentes e significam um salto positivo na tomada de consciência de toda uma categoria com potencial de influenciar milhões de pessoas no mundo inteiro.

— Samir Oliveira

O Radiohead precisa se juntar ao boicote cultural a Israel. Por que eles não se reunirão comigo para discutir isso?

— Ken Loach, 11/07/2017

Eu fiquei surpreso ao ler na [revista] Rolling Stone que Thom Yorke acredita que os críticos do show do Radiohead em Tel Aviv estão simplesmente “jogando merda” na banda em público, sem falar com eles em particular. Isso é falso e – mesmo que fosse verdadeiro – irrelevante.

Seja no antigo apartheid da África do Sul ou no atual apartheid de Israel, quando uma comunidade oprimida pede que artistas internacionais renomados não cedam seus nomes para as tentativas dos opressores de violarem seus direitos humanos, é nossa obrigação moral ouvir seus apelos. Deve ser sobre eles e sobre os direitos humanos deles, não sobre nós e sobre nosso orgulho.

Pelo que sei, vários artistas procuraram o Radiohead de forma particular nos últimos meses, incluindo palestinos e artistas israelenses progressistas, e pediram a eles uma reunião para explicar a necessidade de respeitar o boicote cultural a Israel chamado pela sociedade civil palestina. Pelo que sei, esses apelos foram ignorados.

Eu procurei o empresário do Radiohead com uma oferta de reunião em conjunto com artistas palestinos. Essa oferta foi repetida muitas vezes nas últimas três semanas. Até então não houve uma resposta, tanto da banda, como do empresário. 1

Isso é muito decepcionante. Eu não sei quem está aconselhando o Radiohead, mas a recusa teimosa deles em se engajar com os diversos críticos ao seu show em Tel Aviv me sugere que eles só querem ouvir um lado – o lado que apoia o apartheid.

Yorke disse que nunca sonharia em me dizer “onde trabalhar ou o que fazer ou pensar”2. Ao contrário disso, eu acho que todos nós devemos discutir como responder aos chamados de uma comunidade oprimida. Nesse caso, o Radiohead deveria ouvir com atenção aos seus amigos que lhe dizem que tocar em Tel Aviv irá prejudicar não somente a luta por direitos humanos, mas também sua própria reputação.

Músicos, artistas, escritores, cineastas e organizações culturais palestinas têm nos chamado para se engajar em um boicote cultural institucional a Israel, assim como foi feito durante o apartheid na África do Sul. Eles nos pediram, no mínimo, para evitar enfraquecer a sua luta para acabar com a ocupação militar de Israel, a qual completou 50 anos neste mês, a colonização de suas terras e o sistema de apartheid que domina todos os aspectos de suas vidas.

Yorke nos censura por usar o termo apartheid. A definição se encaixa bem demais. Homens, mulheres e crianças palestinas são forçadas a sair de suas casas para que os israelenses possam se mudar, eles vêem suas casas sendo demolidas enquanto continua a construção ilegal de lares judeus em terra palestina confiscada, eles viajam em estradas segregadas racialmente e enfrentam humilhação em postos de controle de Israel e bloqueios de estrada.

Os palestinos sabem que artistas que furam os piquetes erguidos pelo boicote, independentemente de suas intenções, acabam perpetuando essa injustiça enquanto Israel continua ignorando as leis internacional e as resoluções da ONU.

Eu e outros artistas ainda estamos dispostos a encontrar Yorke e seus colegas, em conjunto com artistas palestinos. O Radiohead é importante para muitas pessoas do mundo todo, não apenas porque são músicos únicos, mas também porque são vistos como uma banda progressista. Nenhum de nós quer vê-los cometer o erro de apoiar ou esconder a opressão de Israel. Se eles forem a Tel Aviv, talvez eles nunca superem isso.

Lembre-se do que Desmond Tutu, o herói anti-apartheid da África do Sul, nos disse: “Não há neutralidade em situações de grave injustiça”. O Radiohead precisa decidir se vai ficar do lado do opressor ou do oprimido. A escolha é simples.

(Publicado originalmente em The Independent em 11/07/2017 e traduzido por Adria Meira para a Revista Movimento.)


Notas da tradutora:

1 No dia 11 de Julho, Thom Yorke postou uma mensagem em seu Twitter em resposta a Ken Loach dizendo: “Tocar em um país não é o mesmo que apoiar o seu governo. Nós tocamos em Israel nos últimos 20 anos em uma sucessão de governos, alguns mais liberais que outros. Assim como nos Estados Unidos. Nós não apoiamos Netanyahu, assim como não apoiamos Trump, mas nós continuamos a tocar nos Estados Unidos. Música, arte e a academia são sobre atravessar fronteiras, não sobre construí-las. São sobre mentes abertas, não fechadas. Sobre compartilhar humanidade, diálogo e liberdade de expressão. Eu espero que isso fique entendido, Ken.”

2 Em entrevista à revista Rolling Stone em Julho, Thom Yorke respondeu às críticas dizendo: “Eu nunca sonharia em dizer [a Loach] onde trabalhar ou o que fazer ou o que pensar. O tipo de diálogo que eles querem é um que é preto-e-branco. Eu tenho um problema com isso. É realmente angustiante que eles escolham jogar merda em nós publicamente ao invés de conversar pessoalmente. É realmente desrespeitoso assumir que nós somos mal informados ou que somos tão retardados que não conseguimos tomar nossas próprias decisões.”


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