Elvis Presley, um rebelde improvável

Em artigo de 2007 em celebração aos 30 anos da morte do cantor Elvis Presley, o historiador trotskista britânico relaciona a carreira do popstar com o capitalismo.

Ian Birchall 21 ago 2017, 20:52

Quando Elvis Presley morreu, 30 anos atrás, o punk estava em seu auge. Em alguns shows de punk houve aplausos quanto a notícia foi anunciada. Elvis era tudo o que os punks desprezavam – velho (acima de 40!), rico e melhor conhecido por baladas tediosas como “The Wonder of You”.

Contudo, sem Elvis, nem o punk nem a maior parte da música popular dos últimos 50 anos teria sido possível. Toda uma geração tomou Elvis como seu ponto de partida.

Bob Dylan foi introduzido à rock music ouvindo “Hound Dog”. Otis Redding começou cantando canções de Elvis em shows de talento locais. John Lennon disse, “Antes de Elvis, não havia nada.” Jimmy Page se animou a aprender tocar guitarra pela “Baby Let’s Play House” de Elvis.

Seu primeiro hit britânico, “Heartbreak Hotel”, resume o que foi tão surpreendentemente novo sobre a música de Elvis. A canção era um conto de desespero sombrio, baseado numa reportagem jornalística de uma nota de suicídio. Estava milhares de milhas das canções de amor açucaradas que dominavam as paradas.

Elvis ganhou destaque à medida que a segregação musical foi sendo rompida. Músicos brancos começaram a tocar música negra, e músicos negros, como Chuck Berry e Little Richard, passaram a receber uma audiência branca.

A fusão da música black com a música branca que Elvis criou esteve no cerne desse processo.

Costuma-se dizer que Elvis roubou a black music. Há muita verdade nisso. Seu primeiro hit foi um cover de “That’s All Right” de Arthur Crudup. Crudup nunca recebeu seus royalties e morreu na pobreza.

A história completa é mais complicada. Jerry Leiber, um dos compositores e produtores de “Hound Dog”, era filho de refugiados judeus da Polônia.

Sua mãe manteve uma mercearia em Baltimore, e foi uma das poucas comerciantes locais que davam crédito aos clientes negros. Como um garoto de entregas, Jerry frequente ia aos lares negros e foi cativado pela black music.

Em 1953, “Hound Dog” foi um hit com Big Mama Thornton, mas apenas em estações de rádio especificamente voltadas para o público negro. Em 1956, Elvis a gravou e ganhou um novo público para a canção – e o estilo – o que Thornton nunca poderia ter sonhado.

Segregado

Como resultado, Elvis fez muitos inimigos. Quando ele se apresentou no Grand Ole Opry, um programa de rádio de country e western bastante conhecido, ele foi informado: “Nós não fazemos música nigger por aqui – volte a dirigir caminhão!”. Os clérigos sulistas denunciaram-no por tocar “jungle music” .

Na Grã-Bretanha, havia um racismo generalizado, mas a música não estava tão segregada quanto nos EUA. O primeiro músico negro no topo das paradas foi a pianista Winifred Atwell em 1954.

Elvis foi adotado por uma nova geração da juventude britânica, crescida depois da Segunda Guerra Mundial e que não conheceu nada do desemprego massivo e das derrotas do período anterior à guerra.

Como resultado, era muito mais assertiva. A agressividade taciturna de Elvis correspondia a um novo humor. Como ele cantava em “Trouble”, “I don’t take no orders\From no kind of many” [“Eu não recebo ordens/De nenhum tipo de homem”]..

Elvis resumia um clima de anti-autoritarismo. Seus filmes encorajavam uma resposta ativa, notavelmente dançando nos corredores. Rock’n’roll e Elvis em particular foram acusados pela criminalidade juvenil, que – como sempre – diziam que estava aumentando.

De fato, uma pesquisa publicada na revista New Society mostrou que a música canalizava a agressão e reduzia crimes violentos.

Elvis desafiava a ideologia dominante que constituía o tecido da sociedade – racismo, conservadorismo sexual e respeito pela autoridade. Mas ele também foi uma fonte de lucros massivos.

No boom econômico do pós-guerra, os jovens já não se moviam mais, do dia para a noite, da infância para a idade adulta. Os adolescentes foram inventados. Em 1956, 13 milhões de adolescentes dos EUA tinham uma renda anual de 7 bilhões de dólares. Dólares a serem gastos em cópias e roupas.

“Blue Suede Shoes” celebrava uma geração para quem as roupas eram mais do que meios de se manter aquecida. O jovem que defendia seus sapatos de camurça azul contra todos estaria menos disposto a aceitar a disciplina tradicional da escola e da fábrica.

Infelizmente, a esquerda estava olhando para outro lado. A Nova Esquerda que emergiu depois da derrota do imperialismo britânico na crise de Suez e depois da revolta contra o Stalinismo na Hungria em 1956 preferia jazz e folk music. O intelectual comunista Eric Hobsbawm declarou que “o fã habitual de rock and roll, a menos que fosse mentalmente retardado, tendia a ter entre 10 e 15 anos de idade”.

Iluminado

A carreira de Elvis iluminou uma contradição no coração do capitalismo. O capitalismo necessita gerar lucros para sobreviver. Mas para sugar o lucro dos trabalhadores, também necessita uma ideologia que garanta que os trabalhadores saberão o seu lugar na sociedade.

O dinheiro ganhou. Os acionistas da gravadora foram mais poderosos que os clérigos das pequenas cidades que queriam proibir Elvis.

Sempre houve um elemento de fraude na promoção de Elvis. Seu segundo filme, Loving You, era bastante cínico sobre como o escândalo pode ser manipulado para promover uma reputação.

Às vezes, parece antecipar o filme sobre o Sex Pistols, The Great Rock’n’Roll Swindle. As rotações sexualmente provocativas de Elvis foram exageradas ao se pendurar um tubo de papelão de um rolo de papel higiênico no interior de suas calças com um pedaço de corda.

Os primeiros filmes de Elvis foram simples veículos para suas canções. Em 1960, ele fez um tipo diferente de filme. Em Flaming Star (Estrela de fogo, no Brasil), ele interpretou um jovem mestiço – seu pai é um homem branco e sua mãe é indígena – preso no conflito entre duas comunidades.

Foi uma declaração poderosa contra o racismo, e embora tenha sido vetado pelo apartheid sul-africano, a comunidade dos nativos americanos de Los Angeles indicou Elvis a seu conselho tribal. Foi a melhor performance de Elvis como ator.

Mas não rendeu dinheiro. Depois disso, Elvis apareceu em uma série de filmes banais nos quais a localização mudava constantemente (Feitiço Havaiano, Viva Las Vegas, Fun in Acapulco), mas o enredo permaneceu tediosamente o mesmo.

Musicalmente ele conservou – ao menos parcialmente – sua magnífica voz, mas recebeu cada vez mais material medíocre.

Seu empresário, ‘Coronel’ Parker, recusou-se a deixá-lo conhecer compositores e manteve em suas próprias mãos completo controle musical e financeiro.

Elvis recebeu baladas tediosas e jingles de segunda categoria. Ouça “Baby Let’s Play House”  seguida por “The Wonder of You” para ver como um grande cantor pode ser degradado.

No começo, a música de Elvis baseava-se no poder da black music. Em 1969, quando senti-se que uma canção ‘socialmente consciente’ seria rentável, ele recebeu o apavorante “In The Ghetto”, que descrevia os negros como vítimas indefesas.

Impotente

Elvis ficou rico, mas impotente. Uma vez, ele voou em seu avião privado de quatro motores quase mil milhas – para comprar sanduíches com manteiga de amendoim.

Ele ainda podia atrair as multidões – era um rico mimado em Las Vegas –, mas uma nova geração de músicos estava fazendo inovações que não pôde acompanhar.

Ao contrário de Elvis, eles escreviam suas próprias músicas e ao menos tentavam controlar suas finanças. Elvis nada controlava. Ele desprezava a música e os filmes que fora forçado a produzir, mas o “Coronel” tinha a última palavra.

Ele se voltou para a pornografia, misticismo e um cada vez mais drogas. Seu médico prescrevia o que ele quisesse. Aos 42 anos, ele morreu; morto pelo sistema que por um breve momento ele pareceu desafiar.

Uma das primeiras pessoas a ver seu corpo foi o grande cantor negro James Brown, que o conhecia há muitos anos. Ele murmurou, “Elvis, como você deixou isso acontecer?”

Elvis representou um dilema para o capitalismo, mas isso não foi algo insuperável. Eventualmente, o capitalismo preservou-o como uma mercadoria, mas o destruiu como um músico.

Muitas vezes, o ‘Coronel’ Parker é culpado por isso. Parker era tão incompetente e apavorado que Elvis poderia fazer alguma coisa escandalosa ou anti-patriótica.

Mas as coisas teria seguido o mesmo caminho sem Parker. Como Karl Marx notou, “a produção capitalista é hostil à arte e à poesia”.

A música não pode mudar o mundo, mas pode inspirar os que têm potencial para mudá-lo. Elvis não era socialista, apenas um rebelde contra um sistema que ele nunca entendeu – e sua rebelião produziu algumas das maiores músicas de seu século.

(Artigo originalmente publicado em inglês no Socialist Worker)


TV Movimento

Balanço e perspectivas da esquerda após as eleições de 2024

A Fundação Lauro Campos e Marielle Franco debate o balanço e as perspectivas da esquerda após as eleições municipais, com a presidente da FLCMF, Luciana Genro, o professor de Filosofia da USP, Vladimir Safatle, e o professor de Relações Internacionais da UFABC, Gilberto Maringoni

O Impasse Venezuelano

Debate realizado pela Revista Movimento sobre a situação política atual da Venezuela e os desafios enfrentados para a esquerda socialista, com o Luís Bonilla-Molina, militante da IV Internacional, e Pedro Eusse, dirigente do Partido Comunista da Venezuela

Emergência Climática e as lições do Rio Grande do Sul

Assista à nova aula do canal "Crítica Marxista", uma iniciativa de formação política da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco, do PSOL, em parceria com a Revista Movimento, com Michael Löwy, sociólogo e um dos formuladores do conceito de "ecossocialismo", e Roberto Robaina, vereador de Porto Alegre e fundador do PSOL.
Editorial
Israel Dutra | 21 dez 2024

Braga Netto na prisão. Está chegando a hora de Bolsonaro

A luta pela prisão de Bolsonaro está na ordem do dia em um movimento que pode se ampliar
Braga Netto na prisão. Está chegando a hora de Bolsonaro
Edição Mensal
Capa da última edição da Revista Movimento
Revista Movimento nº 54
Nova edição da Revista Movimento debate as Vértices da Política Internacional
Ler mais

Podcast Em Movimento

Colunistas

Ver todos

Parlamentares do Movimento Esquerda Socialista (PSOL)

Ver todos

Podcast Em Movimento

Capa da última edição da Revista Movimento
Nova edição da Revista Movimento debate as Vértices da Política Internacional

Autores

Pedro Micussi