A Política Externa de Donald Trump

O sociólogo examina o grau de imprevisibilidade ‘previsível’ de Donald Trump e as dificuldades para que seus planos intervencionistas na Ásia e no Oriente Médio triunfem.

Immanuel Wallerstein 8 set 2017, 19:16

Donald Trump está se aproximando do fim do seu primeiro ano como presidente do Estados Unidos. Por enquanto, todos – apoiadores, opositores, mesmo os indiferentes – parecem concordar em uma coisa. Seus pronunciamentos e suas ações são imprevisíveis. Ele ignora os precedentes e se comporta de formas que constantemente surpreende as pessoas. Apoiadores acham isso refrescante. Opositores acham isso terrível.

Entretanto, poucos comentaram sobre o que eu acho sua conquista mais singular. Ele conseguiu o truque de ser o ator mais imprevisível dos EUA e do cenário mundial, e ao mesmo tempo que é o ator mais previsível.

Deliberadamente, ele cercou-se de uma panóplia de conselheiros que o empurram diretamente para direções opostas. Ele constantemente demite alguns deles e nomeia outros. Nenhum indivíduo parece durar muito. O resultado é que ele deixa claro para todos e todas que a decisão final é sua e somente sua. Ele pode aderir por um tempo ao que os conselheiros sugerem, às vezes se desfazendo do conselho no dia seguinte. Isso é o que o faz parecer imprevisível.

Mas no fim ele sempre volta para o que é às vezes chamado de seus sentimentos intestinos, seja o problema da saúde pública, seja a questão imigratória, seja a redução tributária, seja a ação militar. Isso é o que o torna tão previsível. O ponto de chegada é sempre o mesmo. Qualquer um que o observe, trabalhe com ele ou se opõe a ele deveria então ser capaz de prever onde ele vai terminar. E para a maior parte do mundo, onde Donald Trump irá não onde eles queriam que um presidente dos EUA fosse.

Trump e os Estados Unidos enfrentam uma grande quantidade de questões sobre as quais existem opiniões fortes e divididas dos dois lados. Essas divisões parecem para muitos intratáveis. Não para Donald Trump. Ele acredita em si mesmo e em sua capacidade de completar suas agendas nacional e mundial. Para ele nada é intratável.

Em setembro de 2017, as duas decisões mais urgentes de política externa tinham a ver com Coreia do Norte e Irã. Em ambos, o conflito com os Estados Unidos gira em torno de um problema crucial, armas nucleares. A Coreia do Norte as tem. O Irã, não; mas ao menos uma grande parte dos atores internos pensam que é essencial que o Irã as adquira.

A posição oficial dos EUA é que a Coreia do Norte deveria dissolver seu armamento nuclear e que o Irã deveria cessar toda e qualquer atividade que o leve na direção de tais armas. Essas posições não são novidades inventadas por Donald Trump. Elas têm sido a posição pública dos Estados Unidos sob todos os presidentes anteriores há bastante tempo.

O que é diferente com Trump é que ele se recusa a admitir o quão difícil é conquistar esses objetivos estadunidenses e o quão perigoso seria persegui-los através de uma ação militar. Presidentes anteriores buscaram as tais soluções diplomáticas. No caso do Irã, a diplomacia parecia funcionar sob o governo Obama com o acordo assinado por ambos os países (e outras potências). Em contraste, a diplomacia até agora alcançou muito pouco no caso da Coreia do Norte.

Em ambas as situações, os sentimentos intestinos do presidente Trump parecem claros. Ele quer usar a ação militar para forçar a Coreia do Norte a abandonar as armas nucleares. Ele quer rechaçar o acordo com o Irã e usar uma ameaça militar para obter sua renúncia permanente de desenvolvimento de arsenal nuclear. Há duas interrogações sobre a política externa de Trump. Poderia ele de fato viabilizar o início de ações militares? E se ele puder, as ações militares poderão conquistar o que ele espera que elas conquistem?

Donald Trump prometeu a seus eleitores que ele se provaria um amigo verdadeiro do exército dos EUA dando aos militares posto-chave de sua administração e buscando expandir os fundos para as forças armadas. Ele tem feito isso. Na última remodelação de sua equipe, ele colocou um militar, John Kelly, na posição de Chefe de Gabinete com amplos poderes para mudar sua equipe e servir como um filtro de acesso ao presidente.

Os militares, evidentemente, apreciam mais fundos. Mas curiosamente, a maioria de seus conselheiros militares são relativas ‘pombas’. Eles não são a favor de expandir os fundos para o exército. Todos eles parecem que as guerras são verdadeiramente um recurso final, algo com enormes e inevitáveis consequências negativas. Eles têm um aliado no Secretário de Estado, Rex Tillerson. Sempre que Trump segue seus conselhos e evita sua retórica mais dura, ele parece ficar desconfortável para fazê-lo por mais do que um breve momento. Ele sempre retorna para suas próprias conclusões.

A primeira pergunta é se Trump pode, de fato, lançar uma ação militar séria. Isso será menos fácil que ele imagina. Burocratas militares têm todo tipo de modos de desacelerar, e mesmo frear, ações com as quais eles discordam. No governo Trump, eles realmente parecem encorajados a fazer isso por um elemento da personalidade de Donald Trump. Ele gosta de levar os créditos pelos sucessos e culpar os outros pelos fracassos. Então, no caso das ações militares serem um fracasso, ele está terceirizando as decisões reais para os militares. Se houver uma falha, ele poderia culpá-los. No caso de um sucesso, ele seria o primeiro a reivindicar os créditos exclusivos. Entretanto, terceirizar significa necessariamente atraso e um convite à sabotagem.

Os casos dos dois países são diferentes. Coreia do Norte de fato tem bombas que podem realmente atingir o território dos EUA. Além disso, a inteligência dos EUA parece estar dizendo que a Coreia do Norte está melhorando sua capacidade militar num ritmo muito rápido. O governo Trump está falando agora de uma ‘guerra preventiva’ – o oxímoro mais maravilhoso já inventado. Os EUA devem lançar uma guerra preventiva que a Coreia do Norte certamente pode responder de um modo importante.

Em contrapartida, o Irã não tem ainda armas nucleares. Eles insistem publicamente que eles não têm a intenção de adquiri-las. Ao menos a metade das autoridades parece pronta para renunciar a qualquer esforço permanente em troca de diversos benefícios econômicos. Seria mais difícil renunciar ao acordo que Donald Trump acredita. Por um lado, há cossignatários – Alemanha, França, Itália e a União Europeia – que se negam a seguir tal renúncia.

Mas suspendamos por um momento a questão acerca da eficácia da ação militar e nos indagemos acerca de suas consequências. No caso do Irã, é muito provável que os maiores aliados mundiais dos EUA na Europa, para não falar da Rússia e da China, aumentem a distância que toma não só governo Trump mas dos Estados Unidos como um país no futuro. Um caminho não-diplomático se provaria um desastre diplomático.

Na Coreia do Norte, as consequências seriam muito maiores. Suponha-se que os Estados Unidos bombardeiem todos os locais conhecidos com armas nucleares na Coreia do Norte. Algumas bombas perdem seus alvos. Parece, em acréscimo, que os Estados Unidos sequer tem uma lista completa desses locais. A Coreia do Norte pode ser capaz de lançar uma bomba a partir de um submarino. Imaginemos por um momento que depois de uma guerra preventiva dos Estados Unidos, a Coreia do Norte tenham uma bomba disponível. A quem bombardeariam com isso?

Em qualquer caso, as bombas da guerra preventiva dos EUA e a bomba da resposta norte-coreana resultariam em uma precipitação nuclear de incrível magnitude e propagação geográfica. Poderia ser que os resultados de tais bombas atravessassem o Oceano Pacífico para causar danos tremendos às vidas dos EUA. O fato é que a linha de chegada de Trump não pode ser vencedora. Só pode ser um desastre humano mundial.

Certamente, o leitor quer saber minha previsão que realmente acontecerá. Isso é, e fico triste por dizer, imprevisível.

(Artigo originalmente publicado no site do autor.)


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