Ressurreição de Tupac Amaru

Em 24 de setembro de 1572 Tupac Amaru era esquartejado pelos espanhóis. Dois séculos depois, um descendente seu honraria a profecia de que Tupac Amaru ressuscitaria.

Eduardo Galeano 24 set 2017, 14:14

Tupac Amaru foi o último rei dos incas, que durante quarenta anos lutou nas montanhas do Peru. Em 1572, quando o sabre do carrasco partiu-lhe o pescoço, os profetas indígenas anunciaram que algum dia a cabeça se juntaria ao corpo.

E se juntou. Dois séculos depois, José Gabriel Condorcanqui encontrou o nome que o esperava. Convertido em Tupac Amaru, ele encabeçou a mais numerosa e perigosa rebelião indígenas da história das Américas.

Os Andes arderam. Desde a cordilheira até o mar levantaram-se as vítimas do trabalho forçado nas minas, nas fazendas e nas oficinas. De vitória em vitória, o menu colonial era ameaçado pelos sublevados que avançavam, num ritmo imparável, percorrendo rios, subindo montanhas, atravessando vales, povo atrás de povo. E estiveram a ponto de conquistar Cuzco.

A cidade sagrada, o coração do poder, estava aí: desde as alturas, era possível ver, era possível tocar.

Haviam passado dezoito séculos e meio, e se repetia a história de Espártaco, que teve Roma ao alcance da mão. E tampouco Tupac Amaru decidiu atacar. Tropas indígenas, a mando de um cacique vendido, defendiam o Cuzco, cidade sitiada, e ele não matava índios: isso não, isso nunca. Bem sabia que era necessário, que não havia outra alternativa, mas…

Enquanto ele duvidava, que sim, que não, que quem sabe, os dias e as noites passaram, e os soldados espanhóis, muitos, bem armados, iam chegando de Lima.

Em vão, enviava desesperadas mensagens sua mulher, Micaela Bastidas, que comandava a retaguarda:

— Tu tens que me tirar das tristezas…
— Eu já não tenho paciência para aguentar tudo isso…
— Te dei bastantes advertências…
— Se tu queres nossa ruína, pode por-se a dormir…

Em 1781, o chefe rebelde entrou em Cuzco. Entrou acorrentado, apedrejado, insultado.

Chuva

Na câmara de torturas, o enviado do rei interrogou-o.

— Quem são os seus cúmplices? — ele perguntou.

E Tupac Amaru respondeu:

— Aqui não há mais cúmplices que você e eu. Você, enquanto opressor, e eu, enquanto libertador, merecemos a morte.

Foi condenado a morrer esquartejado. Ataram-no a quatro cavalos, braços e pernas em formato de cruz, e não se partiu. As esporas rasgavam os ventres dos cavalos, que em vão puxavam, e não se partiu.

Teve que recorrer ao machado do carrasco.

Era um meio-dia de sol feroz, tempo de longa seca no vale de Cuzco, mas o céu ficou negro de pronto, rompeu-se e descarregou uma chuva dessas que afogam o mundo.

Também foram esquartejados os outros chefes e chefas rebeldes, Micaela Bastidas, Tupac Catari, Bartolina Sisa, Gregoria Apaza… E seus pedaços foram distribuídos pelos povos que haviam sublevado, foram queimados e suas cinzas jogadas ao ar, para que deles não sobre memória.

Fonte: Espejos — Una historia casi universal (2008), p. 162-163, Eduardo Galeano


TV Movimento

Balanço e perspectivas da esquerda após as eleições de 2024

A Fundação Lauro Campos e Marielle Franco debate o balanço e as perspectivas da esquerda após as eleições municipais, com a presidente da FLCMF, Luciana Genro, o professor de Filosofia da USP, Vladimir Safatle, e o professor de Relações Internacionais da UFABC, Gilberto Maringoni

O Impasse Venezuelano

Debate realizado pela Revista Movimento sobre a situação política atual da Venezuela e os desafios enfrentados para a esquerda socialista, com o Luís Bonilla-Molina, militante da IV Internacional, e Pedro Eusse, dirigente do Partido Comunista da Venezuela

Emergência Climática e as lições do Rio Grande do Sul

Assista à nova aula do canal "Crítica Marxista", uma iniciativa de formação política da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco, do PSOL, em parceria com a Revista Movimento, com Michael Löwy, sociólogo e um dos formuladores do conceito de "ecossocialismo", e Roberto Robaina, vereador de Porto Alegre e fundador do PSOL.
Editorial
Israel Dutra | 21 dez 2024

Braga Netto na prisão. Está chegando a hora de Bolsonaro

A luta pela prisão de Bolsonaro está na ordem do dia em um movimento que pode se ampliar
Braga Netto na prisão. Está chegando a hora de Bolsonaro
Edição Mensal
Capa da última edição da Revista Movimento
Revista Movimento nº 54
Nova edição da Revista Movimento debate as Vértices da Política Internacional
Ler mais

Podcast Em Movimento

Colunistas

Ver todos

Parlamentares do Movimento Esquerda Socialista (PSOL)

Ver todos

Podcast Em Movimento

Capa da última edição da Revista Movimento
Nova edição da Revista Movimento debate as Vértices da Política Internacional

Autores

Pedro Micussi