A esquerda espanhola e a questão catalã
Pudemos comprovar que a sua proposta de “repensar Espanha” parece limitar-se a procurar o “encaixe” da Catalunha naquela.
A expressão política da identidade catalã é demasiado persistente e intensa para desvanecer-se anónima numa única polis e, em democracia, rompidas as amarras do medo, o projeto unitário de Espanha apresenta outras debilidades acrescidas que convém não agitar (País Basco, Galiza…)”. Este diagnóstico de um ex-ministro da Justiça socialista, Francisco Caamaño, publicado na Apresentação de uma Antologia recente de Daniel Guerra, O pensamento territorial da Segunda República espanhola (Athenaica, 2017), vem sintetizar a constatação do falhanço histórico do nacionalismo espanhol dominante não só em torno da questão catalã, como também no seu projecto de assimilação da diversidade nacional e cultural existente dentro do Estado espanhol.
Efetivamente, esse nacionalismo, representado principalmente pelo tripartido do regime monárquico, tem um duplo problema: procurar uma resposta para esse fracasso tanto na sua relação com um amplo setor da sociedade catalã como perante a cada vez mais visível realidade plurinacional. Essa resposta, se quer ser democrática, exigiria aceitar a necessidade de um tratamento de igual para igual com a Catalunha (ou seja, respeitar o seu direito ao divórcio) e, por sua vez, “repensar Espanha” renunciando à concepção uninacional do Estado na qual se baseou a sua construção ao longo da história para passar, como também propõe Caamaño, a propor-se como politeia.
É evidente que nem o PP nem os Ciudadanos – Partido de la Ciudadanía (C’s) estão dispostos a dar passos em frente nesse caminho. Ao invés, com a aplicação extensiva do artigo 155 da Constituição e os ataques não só ao autogoverno como também à língua e ao ensino na Catalunha, ambos os partidos parecem aspirar a uma recentralização do Estado e, inclusive, a uma renacionalização espanhola completa.
O mais preocupante é que também as elites dirigentes do PSOE, uma vez domesticado Pedro Sánchez e enterrada a “plurinacionalidade”, cerraram fileiras em torno do artigo 155 e da defesa fundamentalista da Constituição e da “unidade de Espanha”, limitando-se a prometer uma reforma constitucional moderadamente federalista que, como já ouvimos, nem PP nem C’s estão dispostos a negociar.
Na realidade, não deveríamos surpreendermos-nos muito com tal evolução do socialismo espanhol. Recordamos que, já no final de 1989, face a uma declaração aprovada no parlamento por iniciativa da ERC – em que se dizia que “a adoção do marco constitucional vigente (…) não significa a renúncia do povo catalão ao direito à autodeterminação”-, o então presidente do governo Felipe González manifestou que “estaria disposto a utilizar alguns dos mecanismos excecionais previstos no Título VIII da carta Magna. O artigo 155 da Constituição autoriza o Governo a tomar as medidas necessárias para forçar as Comunidades Autónomas ao cumprimento das suas obrigações legais e ao abandono de toda a actuação que ‘atente gravemente contra o interesse geral de Espanha’”.
Não, é portanto, surpreendente que tenha sido o mesmo Felipe González o principal impulsor do golpe de estado interno que sofreu Pedro Sánchez devido à sua aspiração de se converter em alternativa de governo após as eleições de junho de 2016 com o apoio de Podemos e das forças independentistas catalãs.
Pelo contrário, deveria reconhecer-se como um dado muito positivo que, desde a campanha eleitoral de dezembro de 2015, o Unidos Podemos tenha assumido a defesa da plurinacionalidade e do direito a decidir da Catalunha, já que é a primeira vez que uma força política com possibilidades de se converter em alternativa de governo assume essas reivindicações. Também o é que, ainda que tardiamente, apresente agora um recurso de inconstitucionalidade contra a aplicação do artigo 155 da Constituição.
Ainda assim, pudemos comprovar que a sua proposta de “repensar Espanha” parece limitar-se a procurar o “encaixe” da Catalunha naquela. Formulada assim, não parece que a sua assunção da plurinacionalidade acabe por romper com uma concepção de “Nação de nações” que continua a atribuir à nação catalã a condição de subalternidade em relação à espanhola.
Essa ambiguidade calculada poderia explicar também a sua posição de equidistância – mais preocupante ainda no caso da IU- entre o nacionalismo espanhol dominante e o catalão, ou a sua reticência em apoiar a participação efetiva no referendo do passado 1 de outubro. Posição que entrou em contradição com a adoptada pelo Podemos catalão e que conduziu finalmente a impor desde Madrid medidas que vieram a recordar as práticas centralistas da velha esquerda espanhola.
9/12/2017
Fonte: http://www.esquerda.net/artigo/esquerda-espanhola-e-questao-catala/52432