Mobilizações crescentes no Reino da Espanha e pesquisas eleitorais favoráveis às direitas

Na Espanha, as liberdades democráticas estão sendo ameaçadas ou diretamente reduzidas.

Daniel Raventós 24 mar 2018, 15:41

Em distintos territórios do Reino da Espanha tem havido ao longo destes dias de finais de inverno importantes mobilizações. A grande mobilização e greve das mulheres de 8 de março, as manifestações pela defesa das aposentadorias, os protestos pela morte do ambulante Mame Mbaye em Lavapiés, e as habituais na Catalunha pela defesa das liberdades democráticas e a liberdade dos presos políticos. E outras menos conhecidas como a dos professores e professoras precárias das universidades de Valência por suas degradantes condições de trabalho, que ameaça em se estender a outras universidades. Que a Catalunha leva quase uma década mobilizada em defesa do direito de autodeterminação não é novo, a novidade são as outras mobilizações de Bilbao (mais de 100 000 pessoas em defesa das pensões), Sevilha, Madri…

Nas mesmas datas o governo do Reino sofreu algumas derrotas importantes ainda que talvez seja mais ajustado chamá-las “bofetadas” jurídicas. O mais importante é a do Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH) que sancionou ao Reino da Espanha por haver condenado em 2007 por “injúrias contra a coroa” a dois jovens catalães que queimaram fotos de Juan Carlos I e Sofia, os pais e então reis em atividade do atual Borboun reinante. O TEDH assinalou em meados de março que a condenação atentou contra a liberdade de expressão. As condenações por injúrias à Coroa são habituais. Vulnerabiliza-se a liberdade de expressão como nos recentes casos : Pablo Hasel, Valtonyc, condenação ao ajuntamento de Bunyol por exibir uma bandeira republicana…

Que as liberdades democráticas estão sendo ameaçadas ou diretamente reduzidas é algo no qual viemos insistindo, entre outros, desde estas páginas. Mas a aceleração desta ameaça-supressão foi tremenda. Num editorial de 24 de setembro do ano passado que significativamente intitulamos “Las libertades democráticas hoy se juegan en Catalunya” apontávamos: “O que está em jogo na Catalunha em 1 de outubro são as liberdades democráticas de toda a população ainda hoje sob a legalidade do regime da segunda restauração borbounica”. Desde aquela data, exatamente 6 meses, as liberdades democráticas foram claramente atacadas.

Liberdades suprimidas tão importantes como a de impedir que um candidato à Presidência da Generalitat como Jordi Sánchez Picanyol, hoje na cárcere há mais de 5 meses, possa assistir à sessão de investidura. Prevaricação é a qualificação que mereceu este fato ao constitucionalista sevilhano Javier Pérez Royo. Com suas palavras: “É um caso de prevaricação de livro. O juiz instrutor tomou a decisão de impedir que o candidato Jordi Sánchez acuda à sessão de investidura porque ‘lhe saiu da alma’, mas por nenhum motivo juridicamente pertinente. A prevaricação judicial não pode condicionar a investidura do President da Generalitat”.

Alguma esquerda ou pessoas mais ou menos representativas da mesma inclusive chegaram a realizar afirmações do tipo: é responsabilidade do independentismo e a luta pela autodeterminação o que tenha se chegado a esta situação, assim como se despertou o nacionalismo espanhol, em alguns casos em sua variante diretamente franquista. Uma lógica não muito afinada! Com um corolário tremendamente devastador para toda pessoa que considere que há alguma injustiça contra a qual lutar: se luta-se ou resiste, consequências podem ser que acabe numa situação pior que a inicial, em consequência melhor não fazer nada. E seguramente que se argumentará que o que “se queria dizer era outra coisa”. Seguro, porque tal qual esta conclusão é devastadora. Então, quiçá melhor que meçam as palavras em situações políticas tão complicadas como a atual. Assegurar que algumas decisões independentistas foram equivocadas é algo certo e até óbvio. Mas confundir os erros com a legitimidade mais meridiana da luta pela autodeterminação nacional catalã (e espanhola, por certo, cuja população, nunca pôde decidir entre a monarquia bourbonica herdeira de Franco ou a república) é outra coisa bem distinta. E às vezes não aparece a distinção claramente delimitada. Monarquia ou república, direito de autodeterminação da Catalunha, Euskadi e Galícia: trata-se de liberdades democráticas das quais se compreende que os partidos como o PP e o PSOE e as peças de reposição, como C’s, abominem. Sua sorte está ligada ao regime de 78 e a ele se aferram. Um regime incompatível com estas liberdades mencionadas.

E a direita está obtendo seus dividendos eleitorais em muitas zonas do Reino por sua beligerância contra o direito de autodeterminação da Catalunha. Acaba de publicar-se uma pesquisa eleitoral, realizada entre 12 e 14 de março, encarregada por La Vanguardia (jornal catalão unionista) à empresa GAD3 na qual a direita (PP mais C’s) teria uma maioria absoluta no Parlamento espanhol. Com mais de 180 deputados e deputadas. O partido da corrupção sem fim seria castigado, mas ao resistir nas províncias com menos população e com menos votos necessário por cada ata de deputado, manter-se-ia à para com C’s em número de deputados, ainda que este último partido ganharia em número de votos. O PSOE, o grande pontal do regime com os outros dois partidos, manter-se-ia com um número parecido de deputados dos quais dispõe atualmente. Podemos ficaria com cerca de 20 deputados e deputadas a menos do que dispõe agora, baixando dos 71 atuais para 52-53. Outros resultados interessantes da pesquisa para outras organizações, deixamos aqui à margem.

Na corrida para ser mais constitucionalista, mais partidário da unidade da Espanha e da repressão contra algumas das cabeças visíveis da luta pela autodeterminação da Catalunha… ganha a direita. É uma lição que talvez deveria ter tirado o PSOE há algum tempo por experiência em situações anteriores. Lição que não somente não aprendeu o PSOE, mas que é mais ajustado pensar que está incapacitado para obtê-la.

Quando serão convocadas as eleições? Podem ser convocadas logo, mas em 2019 são obrigatórias. Mobilizações nas ruas que podem ser crescentes e maioria eleitoral de direitas junto com a esquerda habitualmente acompanhante: uma situação que convida a pensar numa maior instabilidade política. E a Catalunha segue resistindo. O parlamento basco esta semana acaba de aprovar uma iniciativa pela qual se pede a supressão do artigo 155 e a liberdade dos presos políticos, com os votos de EH Bildu, PNV e Elkarrekin Podemos. Maior instabilidade, mais esperanças para as liberdades democráticas.


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