O foro privilegiado é um desaforo!

Para se ter uma ideia do tamanho da distorção, atualmente 34 categorias possuem prerrogativa de foro no Brasil.

Luciana Genro 11 abr 2018, 17:54

O ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin teve que renunciar ao cargo para concorrer à presidência da República. Logo, encontra-se sem foro privilegiado. É claro que isso não é garantia de que seja feita justiça. O caso do ex–senador mineiro Eduardo Azeredo, que entre indas e vindas com e sem foro está até hoje solto e pode ter a pena prescrita, embora condenado em segunda instância, é um exemplo de que a seletividade e a politização da Justiça acontecem de cima a baixo.

Por isso é fundamental a pressão política sobre estes casos envolvendo figuras do PSDB. A força-tarefa da Lava Jato em São Paulo já solicitou que as investigações que envolvem o tucano no STJ passem para a primeira instância. Esse pedido foi feito também pelo deputado estadual do PSOL em São Paulo, Carlos Giannazi. Será que sem o condão do foro e a lentidão de um tribunal político a lhe proteger, o processo contra Alckmin finalmente começará a andar? Denúncias, inquéritos e prisões não faltam par alimentar esse processo.

O inquérito aberto em novembro do ano passado investiga a denúncia de que Alckmin teria recebido R$ 10,7 milhão da Odebrecht para financiamento de suas campanhas eleitorais em 2010 e 2014. O intermediário seria o próprio cunhado do ex-governador, o empresário Ademar César Ribeiro.

Outro fato recente acendeu uma luz vermelha no tucanato paulista e deixou seus caciques de cabelo em pé: a prisão do engenheiro Paulo Vieira de Souza, indicado por Alckmin para dirigir a estatal de desenvolvimento rodoviário de São Paulo. O Ministério Público Federal investiga se Paulo Preto, como é conhecido, desviou verbas para as campanhas de Alckmin.

O senador Aécio Neves também está na berlinda. Na terça-feira, dia 17, o Supremo decide se receberá a denúncia contra ele e se o tornará réu por corrupção e obstrução de Justiça. Aécio foi acusado em junho do ano passado pelo MPF de pedir propina de R$ 2 milhões a Joesley Batista e de atuar para atrapalhar o andamento da Lava Jato. Está tudo gravado, é um escândalo incontestável.

Sabemos, entretanto, que o STF é um tribunal com forte componente político e que já livrou Aécio uma vez, ao preservar seu mandato. Caberá aos ministros da Primeira Turma a decisão: Marco Aurélio Mello (relator), Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Alexandre de Moraes e Rosa Weber.

O cerco se fecha também contra Michel Temer. Ele é o grande líder do quadrilhão do PMDB, ao lado de Eliseu Padilha – ou Eliseu Quadrilha, como há muito tempo é conhecido no Rio Grande do Sul -, Geddel Viera Lima, Romero Jucá, Renan Calheiros, Henrique Eduardo Alves, José Sarney, Moreira Franco e Eduardo Cunha. A ação que envolve dois amigos muito próximos de Temer é um sinal de que os corruptos do PMDB nacional estão na mira.

O MPF acusa o advogado José Yunes e o coronel João Baptista Lima Filho de arrecadar propinas para Temer, atuando como intermediadores do presidente junto às grandes empresas. A denúncia foi aceita pela 12ª Vara do Distrito Federal e a ação penal contra eles já está em andamento. Isso só foi possível porque Yunes e Lima Filho não possuem foro privilegiado. Os demais integrantes do quadrilhão do PMDB só não estão presos porque estão protegidos pelo foro privilegiado – que na verdade é um verdadeiro DESAFORO criado para proteger a casta política e os integrantes do Judiciário e do Ministério Público que, vale lembrar, também possuem essa prerrogativa.

O caso de Michel Temer é ainda mais grave. Além de foro, possui a proteção especial garantida pelo cargo de presidente. Por isso é necessário que o Congresso autorize a abertura de investigação na Justiça contra ele. Por duas vezes Temer conseguiu barrar essa possibilidade, banhando o bolso de um Congresso corrupto com dinheiro público para se livrar das denúncias. Tudo indica que a tática se repetirá se houver uma terceira denúncia oficial contra o presidente.

Quanto aos demais integrantes do quadrilhão do PMDB, a lentidão seletiva do Supremo e a paz conivente das gavetas pode garantir a impunidade. Por isso é tão importante a luta pelo fim do foro privilegiado. É uma reivindicação democrática clássica. Não podemos permitir a existência de uma casta com acesso privilegiado à Justiça.

Para se ter uma ideia do tamanho da distorção, atualmente 34 categorias possuem prerrogativa de foro no Brasil. Vamos dar nome aos bois. Estamos falando de juízes e promotores, deputados estaduais e secretários de Estado, prefeitos, juízes eleitorais, magistrados de tribunais regionais eleitorais, juízes federais, juízes do Trabalho, magistrados militares, procuradores da República, conselheiros de tribunais de contas de estados e municípios, agentes do Ministério Público que atuem em tribunais, desembargadores, governadores, embaixadores, ministros dos tribunais superiores – STJ, TST, TSE, STM e TCU -, procurador-geral da República, advogado-geral da União, deputados federais, senadores, ministros de Estado, ministros do STF, presidente da República e vice-presidente.

Como se vê, a lista de agraciados pelo foro privilegiado é enorme. Igualmente grande precisa ser a nossa mobilização contra esta anomalia jurídica. O abaixo assinado contra o foro privilegiado demonstra o amplo apoio social que esta reivindicação possui. Já são mais de 2 milhões de assinaturas. A população não aguenta mais ver seus direitos sendo atacados enquanto uma casta permanece imune e utiliza seus privilégios para se proteger e garantir sobrevida a um sistema em ruínas.

Defendo o fim dos sigilos, dos foros privilegiados e de todos os privilégios que colocam as autoridades acima dos mortais. Quanto mais alta a autoridade, mais transparente deve ser o seu comportamento. O cidadão comum tem direito ao sigilo, uma autoridade pública não deveria ter.

Precisamos de uma revolução democrática no Brasil. Só com mais democracia, mais participação do povo na política vamos sair da crise.

Artigo originalmente publicado no site da autora.


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